A bastonária da Ordem dos Advogados (OA) e a Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados (CDHOA) defenderam esta terça-feira alterações legislativas que prevejam a obrigatoriedade de aconselhamento jurídico às vítimas de violência doméstica.

A bastonária Fernanda de Almeida Pinheiro e a CDHOA pedem estas alterações após terem tido conhecimento que, no âmbito de um inquérito penal com indícios de violência doméstica, foi sugerido que a vítima e o alegado agressor jantassem juntos bem como assistissem juntos a concertos, espetáculos e teatro.

Juíza suspende processo de violência doméstica e ordena a agressor que leve vítima a jantar fora e ao teatro de revista

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A bastonária e a Comissão de CDHOA abstêm-se de comentar a qualificação jurídica que foi dada aos factos em causa (que incluem asfixia momentânea, bofetadas e pontapés nas pernas, numa circunstância em que a vitima e o agressor vivem em condições análogas às dos cônjuges), mas dizem não poder deixar de apontar “o descaso” a que são expostas no sistema judicial as vítimas de violência doméstica, em situações de total fragilidade, por se encontrarem totalmente desacompanhadas do devido aconselhamento jurídico.

Referindo-se ao caso, a bastonária e a CDHOA alertam que “é por demais evidente que este tipo de injunção (suspensão provisória do processo) não satisfaz adequadamente as exigências de prevenção, nem se adequa à culpa (que se diz mediana), dos comportamentos graves que constituem indícios suficientes da conduta do agressor, transmitindo uma imagem para a opinião pública de absoluto descaso para com o sofrimento das vítimas, não se apresentando minimamente dissuasora em relação aos ilícitos graves que foram praticados e, pior, que se mostra apta à revitimização da ofendida”.

No entender de Fernanda de Almeida Pinheiro e da CDHOA, esta realidade “carece urgentemente de ser alterada” e, por isso, o Conselho Geral da OA e a CDHOA vão propor “alterações legislativas que prevejam a obrigatoriedade de as vítimas de crimes em que esteja implicada a violência, especialmente quando praticados no seio da família (nomeadamente quando perpetrados dentro de casa ou unidade doméstica) e estejam em causa abusos físicos, sexuais, psicológicos, negligência e abandono, verem garantido o seu direito constitucional a um aconselhamento jurídico digno desse nome“.

Na semana passada, durante o Seminário sobre Violência Doméstica “Não é Amor, Não é Paixão…é Crime!”, a Procuradora-geral da República referiu que o crime de violência doméstica regista, anualmente, um valor muito superior a 30 mil inquéritos; sendo muito expectável que o ano de 2022 tenha terminado com um recorde de número de inquéritos face ao triénio anterior já que, em novembro, se registavam quase 35.004.

“Desse universo, o Ministério Público exerceu a ação penal, em média, com 21,5% de acusações e mediante utilização do instituto da suspensão provisória do processo; arquivou, porém, numa percentagem muito significativa, ou seja 78,5%”.

Segundo alertou Lucília Gago, em 2022, em contexto de violência doméstica — casos devidamente validados pela PGR, foram assassinadas 28 pessoas, sendo 24 Mulheres e 4 Crianças (2 meninas e 2 meninos) —, sendo que, de entre estes casos, 13 registavam antecedentes no sistema de justiça, ou seja, 46% dos casos.

Nos casos com antecedentes, apenas num haviam sido aplicadas medidas de coação à pessoa agressora, adiantou a PGR, sublinhando que dos 28 homicídios, 21 foram em situação de conjugalidade presente ou anterior e os restantes no contexto de relações filio-parentais (mães que matam os filhos e os filhos que matam os pais [num caso a neta matou a avó]).