Políticos, jornalistas e organizações não-governamentais (ONG) serão ouvidos por uma missão do Parlamento Europeu na próxima semana em Espanha sobre espionagem com o programa informático Pegasus, um caso que levou à demissão da chefe dos serviços secretos do país.

O Parlamento Europeu (PE) avançou em abril de 2022 com uma comissão para investigar a utilização do programa informático nocivo (designado ‘malware’) Pegasus em Estados-membros do bloco comunitário e, num relatório preliminar, conhecido em novembro, dedicou capítulos específicos a Espanha, Grécia, Chipre, Polónia e Hungria.

No caso de Espanha, em maio de 2022, o governo espanhol destituiu a diretora do Centro Nacional de Informações (CNI), Paz Esteban, depois de uma polémica por causa da espionagem a que foram sujeitos independentistas catalães e os telefones do chefe do executivo espanhol e vários ministros. Esteban tinha reconhecido, em comissão parlamentar, que o CNI tinha espiado 18 dirigentes independentistas com autorização judicial.

O caso assumiu uma nova dimensão quando o Governo revelou que o primeiro-ministro, Pedro Sánchez, e a ministra da Defesa, Margarita Robles, tinham sido eles próprios espiados pelo mesmo ‘software’, desta vez como parte de um “ataque externo”, cujo perpetrador permanece desconhecido.

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O que é o CatalanGate? Dezenas de pessoas espiadas com malware

Já este ano, no início de janeiro, relatores especiais da Organização das Nações Unidas (ONU) para questões de minorias e liberdade de expressão e reunião solicitaram ao governo espanhol que informasse sobre a alegada espionagem contra líderes pró-independência da Catalunha, através do Pegasus, um programa informático desenvolvido em Israel e vendido a diversos Estados.

Segundo o relatório preliminar da comissão do Parlamento Europeu criada para investigar a utilização do Pegasus, em Espanha houve “um grande número de alvos dos programas de espionagem”, mas aparentemente, “foram objeto de vigilância por parte de diferentes agentes e por diferentes motivos”.

“Existe a crença generalizada de que as autoridades marroquinas vigiaram” Sánchez e os ministros da Defesa e da Administração Interna, Fernando Grande-Marlaska, lê-se no documento, que acrescenta que há, depois, “um segundo grupo de vítimas conhecido como ‘CatalanGate'”, que envolve deputados, eurodeputados, advogados e membros de organizações da sociedade civil, todos catalães.

O documento sublinha que há referências, numa investigação da Universidade de Toronto, a pelo menos 65 pessoas espiadas dentro do ‘CatalanGate’ com o Pegasus, a partir de 2015, e que as autoridades espanholas reconheceram que tinham vigiado 18 delas, com autorização judicial.

Desde que foi conhecido, em abril de 2022, o ‘CatalanGate’ “foi objeto de uma intensa atenção pública” e os meios de comunicação social, espanhóis e de outros países, “colaboraram amplamente com organizações da sociedade civil para analisar os sistemas de vigilância em Espanha e defender os direitos fundamentais”, mas “alguns políticos espanhóis tentaram desacreditar o CitizensLab [da Universidade de Toronto], insinuando que não tem métodos bem fundamentados e que tem motivações políticas”, lê-se na versão preliminar do relatório do PE.

A eurodeputada responsável por elaborar o relatório, a holandesa Sophie in’t Veld, admitiu que a versão preliminar do relatório deverá sofrer muitas alterações, pois a comissão parlamentar “está muito politizada”, e queixou-se também da falta de cooperação por parte das autoridades nacionais dos Estados-membros, que se negam a dar informações alegando questões de “segurança nacional”.

Sophie in’t Veld defendeu que “este é um problema europeu”, pois “o abuso de ‘spyware’ nos Estados-membros da União Europeia (UE) é uma grave ameaça à democracia em todo o continente”.

Em 9 de março, a comissão do PE começou a debater 1.281 propostas de alteração à versão preliminar do relatório, que integra recomendações à Comissão Europeia para impor uma moratória sobre programas como o Pegasus ou definir critérios que justifiquem a sua utilização.

Sophie in ‘t Veld apelou aos outros deputados para se focarem nos “princípios que estão por trás do texto e não na política” e afirmou que o capítulo sobre Espanha é o que está mais atrasado, à espera das informações que serão recolhidas em Madrid na segunda e na terça-feira.

Nesses dois dias, nove eurodeputados pretendem encontrar-se com políticos nacionais e regionais, entre os quais, vítimas de espionagem, a Provedoria de Justiça, ONG e outras pessoas e entidades, segundo uma nota de imprensa do PE.

Polónia, Grécia e Hungria já foram ouvidos

A visita a Espanha segue-se a outras semelhantes já feitas a Israel, Polónia, Grécia, Chipre e Hungria e, citada no mesmo comunicado, Sophie in ‘t Veld afirmou esperar reunir-se com “o maior número possível dos responsáveis do Governo convidados” para os encontros, porque “ajudará muito a investigação”.

Um dos encontros já confirmados será com o presidente do governo regional da Catalunha (também conhecido como conhecido como Generalitat), segundo a mesma nota e o próprio dirigente independentista, Pere Aragonès.

“Seja em Madrid ou Bruxelas, irei denunciar a situação da espionagem que sofremos por causa da nossa militância política e cargos institucionais, pessoas como eu próprio. Irei onde for preciso para denunciar essa espionagem política”, afirmou Pere Aragonès, no final da semana passada.