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O Reino Unido revelou esta terça-feira que vai enviar para a Ucrânia munições que contêm urânio empobrecido. O anúncio gerou preocupações na Rússia, que foi rápida a acusar o Ocidente de “usar armas com componentes nucleares”.
O Presidente russo, Vladimir Putin, prometeu uma resposta apropriada, enquanto o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, avisou que “cada vez menos passos” separam Moscovo e o Ocidente de uma “colisão nuclear”. Já o Reino Unido defendeu que o urânio empobrecido é um “componente padrão” e “nada tem a ver com armas ou capacidades nucleares”. Mas, afinal, o que é o urânio empobrecido e quais são os seus fins militares?
Urânio, o elemento radioativo
Para compreender o que é o urânio empobrecido e quais os seus possíveis usos militares, importa perceber primeiro o que é o urânio. Segundo a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), o urânio (símbolo químico U) é um elemento radioativo que, no seu estado natural, é composto por três isótopos: U-234, U-235 e U-238.
Este elemento “é encontrado em quantidades vestigiais em todas as rochas e no solo, na água e no ar e em materiais feitos a partir de substâncias naturais”. “É um metal reativo e, portanto, não está presente como urânio livre no meio ambiente”, refere ainda a AIEA.
Para produzir combustível para certos tipos de reatores nucleares ou para desenvolver armas nucleares, o urânio tem de ser enriquecido no isótopo U-235 — a sua massa é aumentada do valor natural (0,72%) para entre 2% e 94%. Desse processo, e após a remoção do urânio enriquecido, resulta um subproduto: o urânio empobrecido (DU, em inglês Depleted uranium).
O urânio empobrecido é um “metal pesado tóxico”, refere o Instituto das Nações Unidas para a Investigação sobre Armamento. “Possuiu as mesmas propriedades de toxicidade química do urânio natural, apesar de a toxicidade radioativa ser inferior”, aponta.
Esta substância apresenta concentrações reduzidas dos isótopos U-235 e U-234, pelo que é consideravelmente menos radioativo do que o urânio natural.
Quais são os usos militares do urânio empobrecido?
As propriedades químicas e físicas do urânio tornam esta substância “muito adequada para fins militares”, refere a AIEA. O urânio empobrecido, devido à sua elevada densidade, pode ser utilizado em diferentes tipos de armamento.
Segundo a ONU, tem sido utilizado em munições desenvolvidas para penetrar blindagens, nomeadamente tanques. De notar que as munições que contêm urânio empobrecido explodem com o impacto, libertando óxido de urânio. A substância também pode ser usada para reforçar os veículos blindados, tornando-os “muito mais resistentes” à penetração de munições convencionais.
Esta terça-feira a ministra de Estado da Defesa britânica, Annabel Goldie, disse que algumas das munições dos tanques Challenger-2 que o Reino Unido vai enviar para Kiev contêm urânio empobrecido. A responsável reforçou, segundo a Reuters, que estas munições são altamente eficazes para atingir tanques de batalha modernos e veículos de combate.
Mas as armas com urânio empobrecido são consideradas nucleares? Um relatório do Instituto das Nações Unidas para a Investigação sobre Armamento, citado pela Sky News, explica que não: “Mesmo que as armas com urânio empobrecido possam ser tóxicas e radioativas, ou possam ter efeitos incendiários ou venenosos, isso não significa que atendam às definições legais de armas nucleares, radioativas, tóxicas, químicas, venenosas ou incendiárias“.
Quais os perigos do urânio empobrecido para a saúde pública e ambiente?
Várias organizações internacionais, nomeadamente a Organização Mundial de Saúde (OMS), estudaram os efeitos e perigos que o urânio empobrecido pode ter no ser humano e no ambiente.
O Comité Científico das Nações Unidas sobre os Efeitos da Radiação Atómica (UNSCEAR) concluiu que “não foi encontrada nenhuma patologia clinicamente significativa relacionada à exposição à radiação de urânio empobrecido”.
“O risco radioativo para a população e para o meio ambiente não foi significativo nas situações em que se observou urânio empobrecido na forma de contaminação localizada do meio ambiente por partículas resultantes do impacto”, refere também o Instituto das Nações Unidas para a Investigação sobre Armamento.
No entanto, o mesmo não se verifica nas situações em que são encontrados fragmentos ou munições completas de urânio empobrecido. Nestes casos “há risco de efeitos de radiação para indivíduos que entrarem em contacto direto com os fragmentos ou munições“.
A AIEA refere que, em quantidades suficientes, se o urânio for ingerido ou inalado pode ser prejudicial devido à sua toxicidade. Em elevadas concentrações pode provocar danos nos rins e, em casos extremos, insuficiência renal.
Moscovo avisa que envio de munições com urânio “vai acabar mal” para Londres. Reino Unido responde: é um “componente padrão”
Em resposta à notícia de que o Reino Unido iria enviar munições que contém urânio empobrecido, o Presidente Vladimir Putin afirmou que a “Rússia terá de agir”. Uma resposta semelhante chegou do ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, que foi mais longe e disse ainda que “cada vez menos passos” separam Moscovo e o Ocidente de uma “colisão nuclear”.
Já o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, disse que o envio destas munições significa que o Reino Unido está “pronto para violar a lei internacional humanitária, como em 1999 na Jugoslávia”. “Não há dúvidas de que vai acabar mal para Londres”, afirmou, citado pela BBC.
Em resposta, o Ministério da Defesa acusou o governo russo de tentar “desinformar deliberadamente” ao afirmar que as munições que contém urânio empobrecido têm uma componente nuclear. “O exército britânico usa urânio empobrecido nas suas munições há décadas. É um componente padrão e não tem nada a ver com armas ou capacidades nucleares“, disse esta terça-feira um porta-voz do ministério.
A Rússia sabe disso, mas está deliberadamente a tentar desinformar”, afirmou.
“Pesquisas independentes de cientistas de grupos, como a Royal Society, avaliaram que qualquer impacto na saúde pessoal e no meio ambiente do uso de munições de urânio empobrecido provavelmente será baixo”, acrescentou.
Em declarações à BBC, Hamish de Breton-Gordon, ex-comandante do exército britânico, reforçou que os comentários do Presidente russo são parte de uma tática “clássica de desinformação”. Reforçando que as munições utilizadas nos Challenger-2 contêm apenas vestígios de urânio empobrecido, descreveu como “anedótica” a sugestão de que estão de alguma forma associadas a armas nucleares, que usam urânio enriquecido.