Recusou qualquer tipo de recuo no pacote para a Habitação, despachou as medidas mais polémicas para os autarcas, piscou o olho aos privados e garantiu estar tudo bem com o Presidente da República. Mesmo deixando em aberto eventuais alterações que venham a ser introduzidas em sede parlamentar, António Costa esteve nos estúdios SIC para dar a cara pelo conjunto de medidas apresentado esta quinta-feira pelo Governo socialista: “É um pacote verdadeiramente integrado para responder a uma necessidade central”.
Essa seria a nota dominante de toda a intervenção do primeiro-ministro, horas depois de ter apresentado o “Pacote Habitação +” com uma manifestação à porta, num dia em que foi conhecida (mais) uma sondagem pouco feliz e depois de semanas de duras críticas ao Governo socialista, inclusivamente a partir de Belém. De resto, António Costa passou largos minutos a tentar exorcizar o fantasma de uma má relação institucional entre Belém e São Bento.
“Não gosto de comentar o que fazem outros órgãos de soberania, nem condicionar outros órgãos de soberania. Faço aquilo que me compete. O Governo tem um conjunto de propostas e apresentou-as. Tenho esperança que outros acreditem na bondade destas medidas. Mas a visão da bondade é plural”, começou por dizer sobre um possível veto presidencial de Marcelo ou um eventual envio para o Tribunal Constitucional.
Mais à frente, o chefe de Governo voltaria à carga. “Eu e o Presidente da República temos em comum quase oito anos de exercício de funções. Tem sido um período de boa convivência institucional, entre duas pessoas de famílias políticas diferentes, com funções próprias. Não estamos sempre de acordo e ninguém pressupõe isso. Não me recordo que tenha havido um relacionamento tão fluído e normal entre um governo e um Presidente da República”, diz. Não temos de andar sempre a concordar, nem sempre a discordar. Aquilo que os portugueses esperam é que exista um relacionamento leal.”
Aliás, em relação ao arrendamento coercivo — Marcelo já manifestou reservas sobre a medida –, Costa esforçou-se por sublinhar que o único objetivo do Governo foi dar apenas e só um instrumento aos municípios para aumentar a oferta de habitação.
“O que propomos é o seguinte: para prédios que estejam dois anos considerados devolutos, o município pode notificar o proprietário propondo-lhe o arrendamento. O proprietário pode aceitar ou não. O dever que temos é dar ferramentas aos municípios, que são autónomos. Não querem exercer essa competência, estão no seu direito”, defendeu o primeiro-ministro.
O mesmo valeu para a emissão de novas licenças para Alojamento Local: “Não propusemos o fim das licenças hoje atribuídas. “Nas zonas de maior pressão urbanística, ficam suspensas as emissões de novas licenças até que os municípios definam qual é o equilíbrio que querem entre alojamento local, estudantil e habitacional. Quando os autarcas definirem a sua carta municipal de habitação, podem voltar a emitir novas licenças”.
Ainda nesse capítulo, Costa não resistiu em criticar abertamente Carlos Moedas, um dos maiores críticos das propostas para a Habitação apresentado pelo Governo. “Se a Câmara de Lisboa entender que a prioridade deve ser o Alojamento Local e acha que devemos continuar a este ritmo, é uma opção legítima da Câmara”, provocou o primeiro-ministro. “Serão julgados por isso.”
“Não podemos estar a governar só para termos aplausos”
Durante a entrevista, o socialista foi ainda confrontado com os receios sobre o efeito perverso que a redução do IVA alimentar para 0% pode vir a ter. “Claro que há sempre riscos. Mas acredito que estamos todos de boa-fé. Não posso estar sempre num juízo de suspeição”, começou por dizer António Costa, antes de concluir: “O Estado abdica de 400 milhões de receita. Os retalhistas têm de acomodar as margens de lucro. Os produtores têm de fazer um esforço para conter a subida dos seus preços. Todos temos de fazer a nossa parte do sacrifício”.
O primeiro-ministro recusou ainda, e para já, alargar aplicar esta taxa de IVA de 0% a outros produtos — a lista abrange 44 produtos e inclui ovos, leite, pão, arroz e fruta vária — e manter essa redução para lá de outubro. “Para já vigora durante seis meses com revisão trimestral”, explicou.
Em relação aos professores, Costa volta a não mostrar abertura para o reconhecimento integral do tempo de serviço que esteve congelado. “Nós descongelámos a carreira desde 2018. Como sempre dissemos, nunca iríamos dar um passo que pudesse comprometer [o futuro] da carreira de docente. Darei os passos que tenho a certeza que posso e daí não sairei. Garanto.”
Quanto à sondagem divulgada esta quinta-feira, que além de sinalizar o trambolhão do PS nas intenções de voto dá conta de uma avaliação profundamente negativa do eleitorado, Costa acabou por relativizar. “Não me surpreende. É preciso ter consciência daquilo que os portugueses estão a enfrentar. A sociedade portuguesa não estão a viver momentos de euforias. As pessoas não podem estar satisfeitas com o Governo”, reconheceu, antes de rematar: “Não podemos estar a governar só para termos aplausos. Quem governa, tem os dias bons e os dias maus. E erros, claro”.