Tom Ford publicou na conta de Instagram uma série de três vídeos a que chamou “Final Collection”. Prático e direto, provavelmente por ser norte-americano, dispensa traduções e a mensagem é clara: o designer está de partida da sua própria marca. A notícia caiu como pedra no charco a 26 de abril, desenquadrada de qualquer calendário de moda. Os vídeos mostram uma série de modelos de topo dentro de salas de vidro com looks que o designer escolheu dos 13 anos de arquivos da Tom Ford. Do lado de fora ele comanda as operações.
Tudo isto parece saber a pouco. E agora? Pomos um “gosto” e ficamos com saudades? Seria de esperar uma despedida em grande, à medida de alguém que transformou em sucessos todos os projetos em que pegou. Mas, de facto, se queríamos um desfile cheio de celebridades sobre a passerelle, ele já o fez quando lançou a sua linha feminina. Se esperavámos vê-lo no fim de um desfile sob uma chuva de pétalas, também já aconteceu, quando deixou a Gucci. Se poderia ter expandido a sua mente criativa para outras áreas antes de deixar a moda, também importa lembrar que já realizou dois filmes aprovados pela crítica. E, pudéssemos nós proporcionar aroma neste artigo, o leitor estaria envolvido numa das poderosas fragrâncias Tom Ford. O que irá o talentoso Mr. Ford fazer agora? E o que será que ainda lhe falta fazer?
Segundo a Wallpaper, Tom Ford vai de facto deixar a moda para se focar no cinema e deixa a rédeas da sua marca na mão de Peter Hawkings, um designer que com ele trabalha há muitos anos. Mas não fiquemos absorvidos pelo choque. Sigamos o rasto das últimas notícias sobre Tom Ford. Em novembro de 2022 o grupo gigante do universo da beleza Estée Lauder concordou comprar a marca Tom Ford por 2.8 mil milhões de dólares (mais de 2.5 mil milhões de euros). O negócio foi o maior da indústria do luxo no ano passado, fez do próprio Ford milionário e previa que ele se mantivesse na marca até ao final de 2023, segundo relatou o New York Times (NYT). Tom Ford manifestou-se feliz com o negócio que deu que falar na altura, porque era a primeira vez que o grupo Estée Lauder juntava roupa ao seu extenso portfólio de marcas de beleza.
Os dois nomes são parceiros há muito tempo, uma vez que Ford começou a sua marca em nome próprio pela beleza com o apoio da Lauder, com perfumes e cosmética que se mantêm verdadeiros sucessos de venda constantes. “A marca Tom Ford era movida mais pela beleza do que pela moda (é por isso que a Lauder a comprou, em oposição, digamos, à Kering) e a força da habilidade do Sr. Ford para vender a promessa vaporosa disso”, escreveu Vanessa Friedman, a diretora de moda no NYT.
A 31 de maio de 2022 Tom Ford acabou um mandato de três anos como presidente do Council of Fashion Designers of America (CFDA). Foi nomeado em 2019 e sucedeu a Diane von Furstenberg. Foi no seu turno que a indústria da moda norte-americana teve que descobrir como lidar com a pandemia de Covid-19 e foi Ford quem lançou a iniciativa CFDA’s A Common Thread com a revista Vogue, traduzindo-se num donativo de cinco milhões de dólares para a indústria e ainda ajudou a retomar a semana de moda de Nova Iorque e a Met Gala depois da pandemia. Quando se afastou do cargo deixou o seu nome inscrito numa série de prémios que o CFDA lhe atribuiu pelo seu trabalho como designer. Foi substituído pelo designer Thom Browne.
Em setembro de 2021 Tom Ford ficou viúvo. Richard Buckley, o companheiro de mais de 30 anos morreu e marido desde 2014 morreu aos 72 anos vítima de uma doença prolongada. Buckley era um nome conceituado no jornalismo de moda. Trabalhou para a Women’s Wear Daily e a Vanity Fair, em Nova Iorque. Acompanhou Tom Ford nas suas mudanças de casa por causa do trabalho. Quando Ford foi para a Gucci, mudaram-se para Milão e Buckley colaborou com a Vogue Itália e foi editor da revista Mirabella. Já em Paris editor chefe da Vogue Hommes International.
Conheceram-se em 1986, num desfile de moda, e ficaram juntos desde então. “Tivemos três encontros. Quatro semanas depois estávamos a viver juntos. Ele deu-me as chaves do seu apartamento e estamos juntos desde então”, recordou o designer em 2020, quando casualmente partilhou com o público que se haviam casado, durante uma entrevista na Apple store. Tom e Richard têm um filho, que nasceu em 2012, Alexander John Buckley Ford. nos últimos anos dividiram a vida entre diferentes zonas dos Estados Unidos, como Los Angeles, Nova Iorque e Santa Fé, onde a família tinha um rancho e Tom Ford costumava montar a cavalo.
Ford é um democrata convicto. Em 2016 disse num programa de televisão que tinha votado em Hillary Clinton e recusado vestir Melania Trump, uma vez que na altura em que Donald Trump foi Presidente dos Estados Unidos, houve designers que não quiseram vestir a primeira dama. Contudo orgulha-se de ter vestido Michelle Obama para um jantar no Palácio de Buckingham, durante uma visita de Estado do casal Obama ao Reino Unido. “Vesti a Michelle [Obama] uma vez, quando ela ia jantar ao Palácio de Buckingham para jantar com a Rainha. Achei que era apropriado, eu vivia em Londres e foi uma honra.”
De regresso aos vídeos que assinalam a despedida de Tom Ford, são uma espécie de celebração da marca. O designer foi aos arquivos dos da sua marca, escolheu os seus looks favoritos e serviu as propostas outono/inverno 2023, com looks bem conhecidos e que já vimos em algum lado. Como por exemplo o conjunto saia com busto tipo escultura que Zendaya usou nos Prémios Critic’s Choice de 2021. Afinal, Tom Ford assume-se fã da série “Euphoria” e de Zendaya e afirma que gosta de trabalhar com a nova geração de estrelas. Não podiam faltar nesta seleção de peças icónicas as camisolas com lantejoulas onde se pode ler “Tom Ford 1961” que Beyoncé e Jay Z usaram num espetáculo em palco. O designer e a cantora não se conhecem apenas dos corredores da moda, cruzam-se nos corredores da escola, porque os filhos estudam no mesmo sítio. E quanto a Jay Z, uma vez ligou a Tom Ford, disse-lhe que estava a trabalhar numa canção com o nome dele e perguntou-lhe se podia ser. “Eu disse, ‘claro!’”, contou o designer. Também se vêem nestes vídeos o vestido que Rihanna usou na capa da Vogue de abril de 2016 ou o vestido branco com capa que Gwyneth Paltrow usou nos Óscares de 2012. Já com etiqueta Tom Ford, o designer deixou a sua marca em inúmeras passadeiras vermelhas.
Do Texas para o reino encantado da moda
Apesar da sua imagem imponente em fatos pretos e camisas brancas impecavelmente cortados, talvez Tom Ford não seja uma figura da cultura popular imediatamente reconhecível do grande público. Contudo, conseguiu em poucos anos fazer do seu nome uma marca de referência. Mas como é que um rapaz do Texas chegou ao topo do mundo da moda? E, mais difícil ainda, se conseguiu manter por lá?
Thomas Carlyle Ford nasceu a 27 de agosto de 1961 em Austin, filho de dois agentes imobiliários, e passou a infância entre o Texas e o Novo México. Foi para Nova Iorque para estudar na universidade, mas desistiu. Contou à Vogue que quando tinha 18 anos “saiu com alguém que trabalhava com Andy [Warhol] na Factory” e que “teve a sorte suficiente de apanhar a ponta do fim do Studio 54”. “Aquele período tornou-se, visualmente, muito parte do que os meus gostos são”, porque explica que ainda era muito jovem na altura. À noite estava no Studio 54 e de dia os estudos não eram produtivos, então resolveu pôr a escola em espera e começou a trabalhar como modelo para anúncios de televisão. Por causa do trabalho passava os verões em Nova Iorque e os invernos em Los Angeles e viveu assim durante três anos. Regressou à escola na Parsons para estudar arquitetura e só teve aulas de moda no último ano.
O primeiro trabalho em Nova Iorque na moda foi para Cathy Hardwick que lhe disse que o tinha contratado porque achou que ele tinha umas mãos bonitas, contou o próprio Ford com risos, mas acrescentou que apresentou um bom portfólio porque tinha muito jeito para o desenho. Os conhecimentos na construção de roupa revelaram-se curtos. “Aprendi no trabalho, mas não sabia fazer uma saia rodada quando comecei na moda. Eu estava só determinado a ser bem sucedido na moda”, disse numa entrevista à CNBC. Esteve um ano a trabalhar no gabinete de comunicação da Chloé, em Paris e de regresso a Nova Iorque trabalhou na Perry Ellis, mas acabou por partir novamente para a Europa, porque achava que precisava sair do país para melhorar as suas capacidades como designer.
Tom Ford passou os portões dourados da Gucci em 1990 para ser designer da linha feminina. Dois anos mais tarde já era diretor de design e em 1994 tornou-se o diretor criativo da marca, ou seja, tinha sob a sua alçada todas as linhas de produtos e também a imagem da marca e as campanhas publicitárias. Ford conta que estava no seu contrato que ele não podia ir à passerelle no final dos desfiles, porque Maurizio Gucci queria que a marca se destacasse e não o designer, mas diz que podia desenhar o que quisesse, porque ninguém o andava a controlar. Ao fim de quatro anos, houve uma coleção da qual se sentiu tão orgulhoso que resolveu mostrar-se no fim do desfile.
Mas isto não é nada irreverente quando comparado com a revolução de imagem que fez na marca, que passou dos acessórios em pele a campanhas de publicidade que quase faziam os próprios pósteres transpirarem com a sensualidade das imagens que mostravam. Nos anos 90 era “muito mais fácil ser provocador na publicidade”, atualmente, com as redes sociais o facto de toda a gente ter voz e poder ser um crítico faz com que seja mais difícil ser criativo, diz Tom Ford. Sobre a passerelle as roupas eram desenhadas para serem desejadas. E de facto eram. Em 10 anos a marca valorizou exponencialmente e tornou-se uma das marcas mais valiosas e desejáveis do mercado. Ford tornou a marca relevante, trouxe sensualidade e glamour.
E para toda esta revolução de sucesso teve Domenico de Sole como parceiro. Um homem de negócios profundamente conhecedor dos meandros da moda e o presidente da Gucci na altura. A marca italiana cresceu e tornou-se um grupo que viria a comprar a Yves Saint Laurent Beauté. Assim, em janeiro de 2000 Tom Ford passou a ser também diretor criativo da Yves Saint Laurent Rive Gauche, a linha de prêt-à-porter da marca, e a YSL Beauté. O norte-americano repensou a imagem desta marca e injetou uma boa dose de sensualidade.
O mercado reagiu bem, mas o próprio Yves Saint Laurent não. Ford escolheu ser discreto, mas acabou por contar em entrevista a Tina Brown que o criador francês e o seu companheiro de vida e negócios, Pierre Bergè, o apoiaram no início, mas deixaram de o fazer. “As mulheres que se sentavam na primeira fila dos desfiles dele, sentavam-se na primeira fila dos meus desfiles e as vendas estavam a duplicar e a duplicar em cada estação e, de repente, eles deixaram de apoiar e isso foi muito difícil.” Saint Laurent terá mesmo escrito uma carta com quatro páginas a Ford escrita à mão. “Com uma coleção arruinaste o que 40 anos demoraram a construir”, acusou o fundador.
O Grupo Gucci viria a ser adquirido pelo grupo PPR, que agora se chama Kering, da família Pinault e detentor de várias marcas de luxo no ramo da moda. Tom Ford decidiu terminar o ciclo com as marcas europeias e em 2004 deixou a Gucci e a Yves Saint Laurent. Durante a década em que foi diretor criativo do Grupo Gucci, as vendas passaram de 230 milhões de dólares em 1994 (cerca de 210 milhões de euros), para quase 3 mil milhões em 2003 (mais de 2 milhões e 700 mil euros), segundo conta o CFDA.
Tom Ford, uma marca e uma personalidade muito próprias
Em 2005 Tom Ford anunciou que iria abrir a sua própria marca e Domenico de Sole acompanhou-o. Primeiro chegaram as coleções masculinas. Dúvidas existam sobre a sua qualidade, além dos muitos clientes reais, Ford vestiu também o “agente irresistível”. “Se fores um designer de roupa masculina, haverá alguém melhor para vestir do que James Bond?” O designer já conhecia o ator Daniel Craig antes deste começar a vestir a pele de James Bond e acabou por vesti-lo em todos os filmes da saga 007.
A roupa feminina chegou em 2010. A expectativa era muita, mas os convidados foram poucos. Cerca de 100 pessoas receberam um bilhete dourado, ou seja, um convite para o evento da estação. O maestro do evento proibiu telemóveis e só autorizou a presença de um fotógrafo, Terry Richardson. O desfile foi criado para ser apreciado e as fotografias haveriam de chegar à imprensa. Mas primeiro surgiram os relatos de quem lá esteve e a descrição do ambiente e das roupas quase remetia para um mundo pré-tecnológico. Depois chegaram as imagens e percebemos que a loja do designer em Madison Avenue (Nova Iorque) foi pequena. Os convidados sentaram-se em cadeiras douradas bem encostadinhas deixando espaço para uma espécie de corredor por onde desfilaram as propostas do designer. Quanto às modelos, o casting incluiu uma série de amigas de Tom Ford e mulheres que, de alguma forma, o inspiraram, como Beyoncé, Julianne Moore, Lauren Hutton, Rita Wilson, Daphne Guinness e também algumas modelos bem populares da época. As modelos passaram tão perto dos convidados “as roupas, praticamente, roçavam nos joelhos de toda a gente”, descreve o New York Times. O secretismo foi tal que Julianne Moore só ficou a saber que ia desfilar quando chegou à loja para o evento.
Pelo meio da moda, o designer empreendedor cumpriu o desejo de ser realizador. Mudou-se para Los Angeles onde realizou o filme “A Single Man” (2009). Julianne Moore é uma dos protagonistas e foi vagamente inspirada na avó Ford, contudo foi Colin Firth que foi nomeado para o Óscar de Melhor Ator. “É a minha crise de meia idade no ecrã”, disse Tom Ford na estreia do filme. Em 2016 voltou ao cinema e escreveu e realizou o filme “Animais Noturnos”, que recebeu o Grande Prémio do Júri no 73º Festival de Cinema de Veneza e teve duas nomeações para os Óscares e Globos de Ouro.
Considera-se um perfeccionista, diz que isso é uma das coisas que o move e culpa o seu signo, Virgem. O canteiro com diferentes variedades de rosas em sua casa que mandou replantar para que as flores criassem um efeito degradé é um bom exemplo. “Eu acho sempre que posso fazer algo melhor ou algo mais. Por isso, com sorte, vou ter tempo na vida para tentar fazer isso”, disse Tom Ford num vídeo para a revista Vogue. Veremos que projetos reserva.