O Millennium BCP fechou o primeiro trimestre com lucros de 215 milhões de euros, contra 112,9 milhões no mesmo período do ano anterior. É um aumento de 92% que teria sido maior não fosse os encargos de 206 milhões associados ao problema do crédito hipotecário em francos suíços na Polónia. A atividade do BCP em Portugal gerou 171 milhões, mais 59% do que no primeiro trimestre de 2022, mas o presidente do banco pede que não se usem os bancos como “maus da fita” para desviar as atenções dos “casos e casinhos” da esfera política.

Os resultados do primeiro trimestre foram comunicados ao regulador do mercado, a CMVM, e foram apresentados por Miguel Maya, presidente da comissão executiva, em conferência de imprensa. Neste encontro com jornalistas, Miguel Maya revelou que o Millennium BCP renegociou neste trimestre cerca de 6.500 créditos à habitação, cerca de 650 dos quais ao abrigo do decreto-lei que o Governo apresentou em novembro do ano passado e que balizou as taxas de esforço em que deveria haver renegociações.

Sobre o repto lançado aos bancos por Marcelo Rebelo de Sousa, para fazerem mais nesta altura de subida dos juros, Miguel Maya respondeu diplomaticamente: “Acho que são palavras de uma pessoa que tem uma preocupação genuína com os portugueses, que está preocupado com o aumento das taxas de juro e da inflação”, disse o banqueiro, garantindo: “acolhemos essas palavras e vamos continuar, agora ainda mais com maior empenho” no trabalho que tem sido feito até agora, de “ver se há algo mais” que pode ser feito.

Ouvimos sempre com atenção as palavras do senhor Presidente da República”, disse Miguel Maya, disponibilizando-se para procurar novas formas de “fazer mais para ajudar os clientes”.

O banqueiro garantiu não estar a falar de Marcelo Rebelo de Sousa mas disse ter a “preocupação” de que o contexto de incerteza política – “casos e casinhos” – possa levar a que alguns queiram virar as atenções para os bancos e para os banqueiros.

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Quando no ambiente político aparecem muitos casos e casinhos estou habituado a que o foco passe para banqueiros, de repente, os bancos são os maus da fita, é fácil toda a gente apontar aos bancos”, afirmou Miguel Maya, pedindo que se resista à tentação de endossar a responsabilidade a terceiros, nomeadamente ao setor financeiro”.

Se perdermos, perdemos todos”, atirou Miguel Maya.

Como é que a banca pode “compensar” os clientes pelas ajudas públicas, como pediu Marcelo?

Por outro lado, depois de a Caixa Geral de Depósitos anunciar que estava a estudar duas medidas para ajudar clientes em maior dificuldades, Miguel Maya disse que não tem “cartas na manga”. “O tema foi estudado desde há muito tempo, desde que se perspetivou o aumento das taxas de juro”, disse o gestor, garantindo que a prioridade sempre foi “encontrar patamares de entendimento” que são “positivos para o banco e para o cliente”.

Caixa quase duplica lucros, para 285 milhões, e prepara novas medidas para atenuar subida dos juros

Se a Caixa admitiu, para clientes que já tenham sido “marcados” por incumprimento, um congelamento da prestação antes da subida, Miguel Maya chutou para canto. “A nossa preocupação não é repor a prestação anterior, é perceber em cada caso concreto qual é a melhor solução para cada cliente“, afirmou o presidente da comissão executiva do BCP, garantindo que o que está em cima da mesa não é “diferir para a última prestação” aquilo que não se paga agora: “é diferir a parte necessária desse aumento [dos juros] para um período de maior normalização das taxas de juro e, depois, diluir esse pagamento” ao longo dos anos.

Temos vindo a fazer isso com bastante sucesso. Há situações muito difíceis mas a larga maioria tem tido soluções”, afirma o gestor.

Margem financeira salta 43% e comissões em Portugal sobem 3,8%

Nos resultados apresentados pelo banco, destaca-se que a margem financeira beneficiou da “normalização das taxas de juro desde julho do ano passado” e do “aumento da base de clientes” e disparou quase 43%, para 664,6 milhões de euros. Este é o indicador que, em termos simples, reflete a diferença entre aquilo que o banco paga para se financiar (através de depósitos, BCE, etc.) e aquilo que são os juros que cobra pelos créditos concedidos.

As comissões subiram 1,3% para 195,4 milhões de euros, no grupo BCP incluindo operações internacionais. Na operação em Portugal, porém, cobrou-se mais 3,8% em comissões (141,7 milhões de euros).

O banco conseguiu um aumento de 4% dos depósitos (a prazo e à ordem) nas suas contas, o que contraria a tendência da generalidade dos bancos – que têm sofrido o impacto da concorrência dos certificados de aforro público e, por outro lado, que têm vindo alguns clientes usarem depósitos para amortizar crédito para responder à subida das prestações.

Porém, o crédito a clientes caiu 4,1%. Miguel Maya referiu que “a redução do crédito é expectável num contexto de aperto da política monetária e é isso que estamos a sentir, nós e todo o mercado na zona euro”. “Por outro lado, é óbvio que o rigor do banco é o mesmo, gostaríamos de ter um rácio de transformação maior mas não vamos colocar em risco o futuro para apresentarmos um bom powerpoint agora“, garantiu Miguel Maya.

O BCP, que antes da crise 2011 tinha um rácio de transformação superior a 160%, baixou para 74% este indicador que reflete o rácio entre depósitos e crédito.