A Carris propôs aos motoristas e outros trabalhadores um abono de 10 euros brutos por hora de trabalho efetuado durante a semana da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), como forma de compensar o acréscimo da intensidade de trabalho nessa semana e a não marcação de férias nas datas do evento, que deverá trazer a Lisboa cerca de 1,2 milhões de pessoas e causar pressão sobre os transportes públicos. O valor baixa para os sete euros no caso dos trabalhadores administrativos e quadros técnicos e também vai ser aplicado ao trabalho suplementar. As verbas chegarão de um “mecanismo que permitirá receitas extraordinárias e que será oportunamente anunciado e apresentado“, refere a Câmara de Lisboa, que tutela a empresa.

Segundo informação recolhida pelo Observador, foi a Carris quem fez uma primeira proposta formal aos sindicatos, que começou por ser de 10 euros por hora para os trabalhadores com funções de chefia e de oito euros por hora para os trabalhadores das áreas operacionais (motoristas, por exemplo), deixando de fora os funcionários de outras áreas como a administrativa.

Essa exclusão mereceu críticas dos sindicatos e, na negociação entre as partes, a empresa pública fez algumas cedências: ficou definido que o subsídio será, afinal, de sete euros por hora para o setor administrativo e quadros técnicos — que, dizem os representantes dos trabalhadores, também terão mais trabalho naquela semana — e de 10 euros por hora para o setor operacional (inclui, por exemplo, motoristas, guarda-freios ou a fiscalização e manutenção). O abono será sujeito aos descontos legais e é inédito na Carris.

Trata-se de uma compensação pela “expectável penosidade no exercício das funções, que se vai impor na semana da Jornada Mundial da Juventude, decorrente do aumento exponencial da procura“, confirma a Carris ao Observador. A empresa recusa avançar mais informação porque, diz, o processo negocial ainda está em curso — embora, sabe o Observador, o valor já tenha sido dado como fechado aos sindicatos, estando apenas em falta a assinatura formal de um acordo com as estruturas sindicais, que deverá acontecer nos próximos dias.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Jornada da Juventude espera 1,2 milhões de jovens em Lisboa. Vai exigir reforço de transportes públicos e dar prioridade a deslocações a pé

“Em relação à matéria referida, a Carris informa que está a decorrer o processo negocial com as organizações sindicais, no âmbito do plano operacional de mobilidade para a Jornada Mundial da Juventude 2023. Tendo em conta que o processo está em curso, a Carris não irá pronunciar-se sobre o assunto, uma vez que é prematuro fazê-lo”, referiu fonte oficial da empresa em resposta a várias questões do Observador.

A mesma fonte assegurou que o pagamento do abono não foi acordado para desincentivar a realização de greves naquele período. “A Carris informa que o processo negocial em curso em nada está relacionado com greves, nem este tema foi abordado no decurso do mesmo”, disse fonte oficial. Os sindicatos ouvidos pelo Observador confirmaram que essa questão não esteve em cima da mesa — e que seria inadmissível se tivesse estado.

“Da nossa parte, queremos deixar claro que esta questão [do abono] não implica qualquer comprometimento com a realização ou não de qualquer processo de luta. Isso não está dependente deste fator”, afirma Manuel Leal, do Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Lisboa (STRUP). O STRUP queria que a Carris fosse mais longe e tem reivindicado não só um aumento superior, de 15 euros por hora trabalhada na semana do evento, mas também que o subsídio fosse dado a todos os trabalhadores da Carris, da CarrisBus e da CarrisTur.

Abono será pago ao abrigo de um “mecanismo que permitirá receitas extraordinárias”

A Carris não respondeu à pergunta do Observador sobre a origem do capital para o pagamento do abono aos trabalhadores, incluindo se lhe foi garantida alguma verba por outra entidade de forma a que a empresa assegurasse a sua capacidade máxima no terreno (e, com esse dinheiro, tivesse optado por remunerar os trabalhadores). A empresa não indica se as verbas vêm da própria Carris, da Câmara de Lisboa, do Governo ou da Fundação JMJ.

Mas, contactada pelo Observador, a Câmara de Lisboa, que tem a tutela acionista da Carris, indica que “será através de um mecanismo que permitirá receitas extraordinárias e que será oportunamente anunciado e apresentado“. Esse mecanismo, não entanto, não será estabelecido pela Câmara. Fonte oficial não refere as entidades que estarão envolvidas nem como vai funcionar.

JMJ. Transportes reforçados para 1,2 milhões de jovens, sensibilização para evitar greves e apelo a deslocações a pé

A Fundação JMJ, por sua vez, recusou ter firmado algum protocolo ou acordo com a Carris que assegurasse o pagamento de alguma verba para que a empresa operasse na sua capacidade máxima. Já o Grupo de Projeto do Governo para a JMJ remeteu para a Câmara de Lisboa.

Carris terá pedido aos trabalhadores que não tirassem férias nesse período

Contactado pelo Observador, Manuel Oliveira, do Sindicato Nacional dos Motoristas e Outros Trabalhadores (SNMOT), afirma que se trata de um subsídio “para compensar a penosidade acrescida que estes trabalhadores irão ter durante esse período”. Uma dessas “penosidades” é o facto de terem sido sensibilizados para não tirarem férias. “É uma das penosidades que estes trabalhadores irão ter em prol da imagem da cidade e do país. Porque vamos estar nos olhos do mundo”, afirma. Segundo o sindicalista, “há uma solicitação que vai nesse sentido” — de os trabalhadores não tirarem férias.

“Não ouvi em lado nenhum na empresa dizerem que as férias seriam proibidas. O que há é uma solicitação por parte da empresa para que as férias possam ser marcadas num outro período que não esse”, esclarece Manuel Oliveira.

Manuel Leal, do STRUP, confirma que, com o abono, “houve uma intenção explícita de compensar os trabalhadores pela não marcação de férias nesta altura e haver uma maior disponibilidade para a empresa”. O valor aplicar-se-á também às horas extraordinárias, que deverão ser particularmente necessárias naquela semana. “Uma inevitabilidade”, diz Manuel Oliveira, já que está prevista a chegada de cerca de 1,2 milhões de pessoas.

Os constrangimentos à circulação já foram mesmo admitidos no plano de mobilidade, efetuado para o Grupo de Projeto do Governo para a JMJ pela empresa de engenharia VTM, tendo em conta as dimensões do evento. A “JMJ tem sido o maior evento alguma vez realizado em cada um dos países/cidades onde aconteceu”, indica o plano, como o Observador já escreveu. “A JMJ, pela sua dimensão, coloca grandes desafios de organização, em múltiplos domínios, sendo o setor da mobilidade e transportes complexo, pelas várias escalas territoriais.”

O plano de mobilidade está dividido em quatro subplanos, sendo o primeiro o dos transportes, que resulta da articulação entre todos os operadores de transporte que operam na Área Metropolitana de Lisboa para que coloquem no terreno a sua capacidade máxima. Segundo garantiu José Sá Fernandes, antigo vereador da Câmara de Lisboa que está à frente do Grupo de Projeto, no início de abril, em curso estava um processo de articulação com todos os operadores de transportes da Grande Lisboa para chegar ao compromisso de colocar no terreno a sua capacidade máxima e reforçada.

Segundo apurou o Observador, o Metropolitano de Lisboa também estará a estudar a possibilidade de atribuição de um suplemento aos trabalhadores, mas nada foi ainda apresentado aos sindicatos.