O livreiro português José Pinho, fundador da Ler Devagar e do festival literário de Óbidos, morreu aos 69 anos esta terça-feira no Hospital CUF, em Lisboa, vítima de doença oncológica, confirmou à Lusa fonte da família.

José Duarte de Almeida Pinho afirmou-se como uma “personalidade incontornável” do país pelo seu contributo na democratização do acesso à cultura. Nasceu em 1953 numa aldeia do concelho de São Pedro do Sul, no distrito de Viseu, e formou-se em Línguas e Literaturas Modernas, tendo começado por trabalhar em publicidade.

Entre 1989 e 1995, foi editor da revista literária de análise e crítica social Devagar e esteve ligado à génese de vários projetos culturais, nomeadamente a livraria Ler Devagar, que durante os últimos 20 anos se instalou em seis espaços na cidade de Lisboa e se tornou um ponto de encontro das artes e uma livraria de fundos editoriais.

Abriu a primeira livraria em 1999 no Bairro Alto, mas viria a fechar portas em 2005. Em 2007, e em colaboração com a pequena livraria Eterno Retorno, a Ler Devagar esteve na origem do espaço da Fábrica Braço de Prata para, um ano mais tarde, se instalar naquela que viria a ser a icónica loja do Lx Factory, em Alcântara.

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Sete anos mais tarde, depois de ter sido desafiado a criar diversos locais culturais espalhados pela vila de Óbidos, em edifícios que estavam em ruínas e abandonados, o editor e livreiro partiu de uma ideia que vira no País de Gales e abriu 11 livrarias em lugares abandonados — tais como as livrarias Santiago, do Mercado Biológico e da Adega, tendo criado, assim, o projeto que viria a ficar conhecido como “vila literária”.

José Pinho não se ficou por aí: a partir da sua experiência, e inspirado na Festa Literária Internacional de Paraty, propôs aliar a abertura das livrarias à realização de festivais literários, nascendo, assim, o Folio – Festival Literário Internacional de Óbidos e o Latitudes — Literatura e Viajantes.

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O seu arrojo valeu, em 2015, a classificação de Óbidos como Cidade Criativa da Literatura em Portugal pela UNESCO.

Entre os projetos em que se destacou pela sua visão e audácia, conta-se também a reabilitação da histórica livraria Ferin, na Rua Nova do Almada, em Lisboa, em 2017.

Fundada em 1840, a Ferin atravessava graves problemas financeiros, o que não dissuadiu José Pinho de agarrar na livraria e de a renovar, potencializando aquilo em que se destacava das outras: a estética, o mobiliário, a história e uma oferta de livros raros. Aproveitando a sua localização na Baixa, focou a sua oferta comercial nos turistas que a visitavam.

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Mais recentemente, tornou-se diretor artístico do Festival Internacional de Literatura e Língua Portuguesa — Lisboa 5L, uma iniciativa da Câmara Municipal de Lisboa aprovada em 2018, que já vai na quarta edição, com o objetivo de celebrar o Dia Mundial da Língua Portuguesa e promover a língua, a literatura, os livros, as livrarias, a leitura, os autores e os seus leitores.

Editou mais de 20 livros e fundou outros projetos ligados à atividade cultural, como a Nouvelle Librairie Française de Lisboa, uma livraria fundada e especializada em livros franceses, a Ler Devagar Cinema, na Cinemateca Portuguesa, e a Ler Devagar Artes, na Culturgest, espaços entretanto já encerrados.

Foi representante da RELI – Rede de Livrarias Independentes, uma associação que procura garantir a sobrevivência das pequenas livrarias em Portugal.

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Foi nesta condição que, durante o período de confinamento decorrente da pandemia, lutou contra o fecho das livrarias, através de medidas pensadas para fazer sobreviver os negócios e de reuniões com o Governo para conseguir apoios.

Mais recentemente, estava dedicado à criação daquele que era um dos seus sonhos mais antigos, o novo Centro Cultural e Social do Bairro Alto, projeto multidisciplinar para congregar livrarias, galerias, estúdios de cinema e de gravação de audiobooks e podcasts, salas de concertos e de artes performativas.

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No início deste mês, foi agraciado com a medalha de mérito cultural pela Câmara Municipal de Lisboa, por ser considerado “uma personalidade ímpar da cidade”.

A proposta apresentada pelo presidente da autarquia, Carlos Moedas, enaltecia José Pinho como “uma personalidade incontornável do setor cultural do país e da cidade de Lisboa, dedicando-se há mais de duas décadas a estimular e inovar a democratização do acesso à cultura e à formação de públicos, com especial enfoque na promoção do livro, da leitura, da língua portuguesa, da criação artística, bem como de todas as outras formas de expressão cultural”.

Uma semana depois, recebeu, pelas mãos do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o grau de comendador da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada, destinado “a distinguir o mérito literário, científico e artístico”.

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Morte de José Pinho representa “a perda de um dos melhores amigos dos livros”, diz Marcelo

O Presidente da República considerou que a morte do livreiro José Pinho, fundador da Ler Devagar, representa “a perda de um dos melhores amigos dos livros e da leitura em Portugal”. “Que o seu exemplo possa ser prosseguido e favorecido”, escreveu Marcelo Rebelo de Sousa numa nota publicada esta terça-feira no site da Presidência da República.

Na nota, o Presidente da República considerou ainda essencial a existência de livreiros esclarecidos, inventivos e combativos, sublinhando que poucos o foram como o fundador da Ler Devagar e do Festival Literário de Óbidos. “Em qualquer época, mas sobretudo numa época em que a cultura do livro enfrenta sérios desafios, a existência de livreiros esclarecidos, inventivos e combativos é essencial”, referiu, acrescentando que “poucos livreiros o foram em tão alto grau, e com um lado saudavelmente aventureiro, lúdico, sedutor, como José Pinho”.

Marcelo Rebelo de Sousa lembrou a condecoração que atribuiu há poucas semanas a José Pinho, “como reconhecimento do seu mérito e contribuição para a Cultura portuguesa”. “Era impossível encontrá-lo sem que nos contasse mais um projeto, projetos sempre muito ambiciosos mas, no fim de contas, realizáveis.”

Com a Ler Devagar “recuperou o infelizmente desusado conceito de livraria de fundos, defendendo, em contraciclo, a diversidade e a pluralidade de géneros literários e a atenção a médias e pequenas editoras”, com o FOLIO “apostou no estabelecimento de uma ‘vila literária’, onde as livrarias generalistas e temáticas conquistavam espaço a edifícios antigos” e, com a RELI (Rede de Livrarias Independentes), “militou pelos editores e livreiros independentes, pelos alfarrabistas, por um ecossistema do livro duramente atingido por vários fatores conhecidos, mas não inevitáveis”, afirmou Marcelo.

Artigo atualizado a 31/5/23, às 10h38, com a nota da Presidência da República