O caso começou a prender a atenção do país em 2018 e arrastou-se até à condenação de Rosa Grilo a 25 anos de prisão, primeiro, e do amante, António Joaquim, depois, pelo homicídio do triatleta Luís Grilo. No entanto, esta terça-feira trouxe um dos episódios mais significativos da novela em que o caso da morte de Luís Grilo se transformou, com a confissão — cheia de detalhes — de Rosa Grilo sobre a noite em que, como confirmou pela primeira vez em tribunal, matou o marido. Estes detalhes foram compilados aqui com base nos relatos a partir do tribunal do Público e do Correio da Manhã.

A confissão, que tinha acontecido uma vez apenas numa chamada telefónica com o perito forense João de Sousa, incluiu pormenores sobre os calmantes que usou para fazer o marido adormecer e a parte do sofá — “onde perdemos os comandos” — em que escondeu os invólucros das balas, mesmo em frente aos agentes da Polícia Judiciária. Pelo meio, complicou o caso da antiga advogada (que era, na verdade, quem estava esta terça-feira a ser julgada) e deixou de fora o amante, embora tenha usado uma vez a palavra “nós”, que se apressou a corrigir.

[Ouça aqui o segundo episódio do podcast “Piratinha do Ar”, a história real do miúdo de 16 anos que sequestrou um avião da TAP com 82 passageiros a bordo. Se perdeu o primeiro episódio, pode encontrá-lo aqui]

O caso que levou Rosa Grilo, que já cumpre pena de prisão desde 2020, de volta ao tribunal tem por base a acusação à sua antiga advogada, Tânia Reis, e ao assessor forense que trabalhava com ela, João de Sousa. Estão pronunciados pelo crime de favorecimento pessoal na defesa de Rosa Grilo, suspeitos de terem plantado provas para organizar uma nova “cena do crime” para tentar que o julgamento fosse prolongado e que Rosa Grilo acabasse por ser libertada e absolvida.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Nessa versão, que Grilo tentou defender em tribunal nos primeiros tempos, “uns angolanos” teriam entrado em casa à procura de diamantes e matado Luís Grilo não dentro do quarto do casal (onde efetivamente morreu) mas na casa de banho, onde havia um buraco de bala na banheira. Um pormenor importante sobre o qual Rosa Grilo deu, desta vez, mais informações.

Rosa Grilo confessa que matou o marido com um tiro depois de o drogar

A decisão de matar o marido

A arma que usou para matar o marido, como já se sabia, era de António Joaquim, mas Rosa Grilo garante agora que quando a foi buscar a casa dele, semanas antes do crime, não foi com “intenção nenhuma” de disparar sobre Luís Grilo.

“Fui buscar a arma numa fase muito complicada no meu casamento. Ele ameaçava-me constantemente. Nas últimas semanas começou mesmo a ameaçar-me de morte. Estávamos numa fase de ruptura e comecei a ter medo. Por isso fui buscar a arma”, contou, garantindo que só queria “defender-se” de Luís Grilo, que considerava um “homem de palavra”, que cumpriria, por isso, as tais ameaças de morte.

A noite (e manhã) do crime

Mas não foi isso que aconteceu: na noite de 14 de julho de 2018, depois de terem tido um “desentendimento muito grande” no dia anterior, decidiu, ao servir o jantar, “meter-lhe pelo menos meia dúzia de comprimidos” calmantes na comida. De manhã, tendo ficado convencida de que as supostas ameaças eram para valer e que “fugir não adiantava”, pegou na arma, até então escondida na garagem, enquanto Luís Grilo estava deitado e “profundamente adormecido”.

“Vi a arma, fui ao quarto e fiz dois disparos sobre o Luís. Não estava num estado emocional racional”, justificou em tribunal. Um dos disparos falhou e atingiu o colchão; o outro foi direto à cabeça da vítima e acabou por matar Luís Grilo.

Quando foi condenada, o tribunal considerou que o fez não por causa das alegadas ameaças, mas antes para usufruir de cerca de 500 mil euros provenientes dos seguros de vida do marido.

O papel do amante e o estranho plural

Em todo este relato, Rosa Grilo deixa de fora o amante, a quem diz que até pensou “dizer” o que tinha feito, mudando de ideias: garantiu agora que lavou a arma — que era de António Joaquim — e voltou a guardá-la na casa do amante, sem a deitar fora porque se o fizesse “ele ia saber”. António Joaquim ter-lhe-ia mostrado antes onde guardava a pistola.

Houve, no entanto, um momento que suscitou dúvidas da parte da juíza, quando a viúva falava no momento em que avançou para o disparo. “O Luís estava deitado na cama de costas para nós”, relatou. Perante as dúvidas da juíza, que perguntou mais do que uma vez quem é que estava, afinal, presente naquele momento, Rosa Grilo insistiu que se enganou, que estava sozinha e que queria dizer que Luís Grilo estava virado para a “porta”, e não para “nós”. A juíza acabou por aceitar a resposta.

Sangue e lixívia. Os momentos seguintes

“Não sabia o que havia de fazer”, relatou Rosa Grilo sobre os momentos que se seguiram. “Havia sangue. Estive bastante tempo fechada na casa de banho”. Depois, segundo o seu relato, Rosa Grilo saiu de casa com a arma na mão, sem que ninguém a visse, tendo decidido ir a casa de António Joaquim guardar a arma e comprar água oxigenada e lixívia para tentar limpar os vestígios.

A viúva diz que ao regressar a casa enrolou o corpo em lençóis e atou-o com uma corda, para conseguir puxá-lo até à garagem, onde o tapou com lenha.

Quanto ao quarto, a viúva disse que limpou o chão com toalhas de banho, que deitou ao lixo, e guardou os invólucros de bala primeiro no bolso do roupão (onde ainda estariam quando falou com a GNR, antes de os colocar no meio do sofá, “naquele sítio onde perdemos os comandos”) e depois “numa gaveta, no guarda jóias e numa caixa de CD’s”.

Só à noite desse dia foi à polícia para participar o desaparecimento, enquanto ainda tinha o corpo na garagem. Dois dias depois, na noite de 16 para 17 de julho, viajaria até ao concelho de Avis para deixar o corpo, que seria descoberto em avançado estado de decomposição em agosto, e a bicicleta do triatleta.

As mentiras em tribunal e as ordens da advogada

Rosa Grilo teve, durante esta confissão, de admitir que mentiu anteriormente em tribunal — nem poderia ser de outra maneira, uma vez que esta versão é radicalmente diferente da que apresentou inicialmente, quando disse que “uns angolanos” tinham entrado em sua casa à procura de diamantes e matado o marido, tese que ainda mantinha ao ser interrogada em 2019.

Rosa Grilo insiste na tese dos angolanos e mantém que é inocente. Juízes apontam várias contradições

Desta vez, Rosa Grilo apontou o dedo à ex-advogada, Tânia Reis, em vários momentos: por um lado, disse ser essa a “estratégia” da sua defesa e só ter garantido em tribunal que não sabia manusear armas (deixando até uma cair de propósito) por indicação dela. E durante este depoimento agarrou mesmo numa arma de plástico, mostrando que sabia pegar-lhe.

Além disso, relatou que Tânia Reis se recusou a esconder invólucros de bala já durante o julgamento, mas que lhe pediu que lhe desse, através do seu pai, a chave da casa onde Luís Grilo morreu. E para quê?, perguntou a juíza. “Para ver a questão da banheira [ver ponto seguinte]. Ou melhor, não sei bem… desculpe, é muita coisa… “, respondeu Rosa Grilo. “Foram eles que combinaram. Não decidi nada. Só dei informação”.

Nesta parte do relato, segundo o Correio da Manhã, Tânia Reis começou a chorar e dirigiu-se a Rosa Grilo dizendo: “Tu sabes que eu era incapaz”.

O mistério da banheira

Um buraco na banheira de Rosa Grilo tem sido um dos pontos que mais dúvidas têm causado sobre o caso, e que motiva também, entre outros indícios, este segundo processo contra Tânia Reis e João de Sousa. Em causa está um buraco de bala na casa de Vila Franca de Xira que a polícia não detetou e que foi referida pela advogada e pelo assessor forense posteriormente. Para a acusação, foram os próprios que “criaram e/ou provocaram” o buraco e “colocaram (…) dois fragmentos de projétil de arma de fogo por baixo da mesma”, segundo o despacho de acusação, citado pela Visão.

Isto reforçaria a tese de que Luís Grilo não teria sido morto no quarto que partilhava com a mulher e que o crime poderia ter sido cometido por terceiros.

Desta vez, Rosa Grilo contou que foi ela própria que deu um tiro na banheira para “experimentar”, semanas antes de matar o marido (e terá dado outro tiro na garagem com o mesmo propósito).

“Disparei contra uma almofada, na banheira”, acrescentou, garantindo que a ex-advogada sabia deste facto porque Rosa Grilo que contou que tinha disparado com uma arma do amante. E contou que Tânia Reis lhe pediu autorização para ir a sua casa com João de Sousa.

À Visão, Tânia Reis disse, em outubro de 2022, que ela e João de Sousa foram com uma chave entregue pelo pai de Rosa Grilo, e com autorização desta, “observar” a casa em fevereiro de 2020, para que o assessor forense pudesse “averiguar” e depois “falar em tribunal como testemunha”, desmentindo que tenha feito mais do que isso ou manipulado o local onde o crime aconteceu.

O julgamento prosseguirá em junho.