Portugal e o Reino Unido vão celebrar a centenária Aliança Luso-Britânica, 50 anos depois de a presença de Marcelo Caetano ter provocado grandes protestos que contribuíram para o isolamento internacional do regime.
A visita oficial do então presidente do Conselho de Ministros, entre 16 e 18 de julho de 1973, foi ensombrada pela publicação, dias antes, de notícias de um massacre em Moçambique por soldados portugueses.
Desde 1961 que Portugal mantinha em África uma guerra contra os independentistas das então colónias de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau.
A revelação nas páginas do jornal “The Times”, com base no testemunho de missionários, do massacre de Wiriyamu, ocorrido em dezembro de 1972 e que resultou na morte de cerca de 400 civis, causou indignação, apesar dos desmentidos de Lisboa.
“Foi a grande bomba, foi isso que fez a grande diferença para mobilizar e dar publicidade às manifestações que se estavam a planear” durante a visita, contou à agência Lusa Álvaro de Miranda, que já residia em Londres na altura.
O opositor antifascista integrou uma delegação portuguesa ao congresso do Sindicado dos Trabalhadores de Transportes (TGWU) britânico, tendo obtido o apoio e apelo público para a participação nas manifestações contra a visita de Caetano.
Miranda afirmou que “isto teve um grande impacto”, visível nas concentrações em todos os pontos da visita do governante português.
No domingo anterior à chegada, milhares de ativistas contra o colonialismo e o “apartheid” na África do Sul percorreram as ruas de Londres, incluindo Mário Soares, líder do recém-fundado Partido Socialista, que estava de visita à capital britânica.
Antecipando um “mar de turbulência”, as autoridades britânicas atribuíram a Marcelo Caetano uma escolta policial reforçada e foi imposto um longo cordão de segurança em torno da embaixada de Portugal em Londres.
Nos vários protestos foram gritadas palavras de ordem como “Assassino” e nos cartazes podia ler-se “Parem com os massacres. Saiam de África agora. Caetano fora” ou “Caetano assassino”.
Um dos cartazes mais emblemáticos dizia “Grocer welcomes butcher” [Merceeiro recebe carniceiro], uma referência à alcunha depreciativa pela qual o primeiro-ministro britânico, Edward Heath, era conhecido.
Álvaro de Miranda referiu que foram realizadas manifestações em todos os pontos da visita, desde o Palácio de Buckingham ao Museu Britânico, tendo neste local os trabalhadores feito uma paragem simbólica durante algumas horas.
Para evitar a manifestação à entrada principal da residência oficial do primeiro-ministro britânico, em Downing Street, a comitiva portuguesa terá usado uma porta das traseiras, revelou na altura o jornal “The Times”.
No Royal Naval College, em Greenwich, onde Caetano foi honrado com um banquete, um grupo de estivadores das docas filiados no TGWU despejou lixo sobre a limousine que transportava o governante português.
“Nunca foi noticiado, mas eu vi-o pessoalmente”, garantiu Miranda à Lusa.
No total, ao longo dos vários dias, 17 pessoas foram detidas, incluindo o conhecido ativista de esquerda paquistanês Tariq Ali.
O Partido Trabalhista falhou na proposta de a visita ser cancelada, mas boicotou os eventos oficiais. Num debate parlamentar aceso em 17 de julho, o líder, Harold Wilson, chegou a sugerir a expulsão de Portugal da NATO.
O então ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, Alec Douglas-Holme, avisou os deputados para o risco de se tirarem “conclusões prematuras e prejulgar o caso contra um velho e leal aliado”.
De regresso a Lisboa, o presidente do Conselho fez um discurso na varanda do Palácio de São Bento, onde deu conta dos “testemunhos de carinho, provas de consideração, mensagens de afeto” que disse ter recebido em Londres.
“Trago-vos a certeza de que nada do que se fez ou se disse em Inglaterra contra o nosso país afetou a amizade entre os dois aliados”, reivindicou em 22 de julho.
Mas Álvaro Miranda está convencido de que as manifestações em Londres agravaram o progressivo isolamento internacional de Portugal e podem ser vistas como “o princípio do fim” da ditadura, foi derrubada pela revolução do 25 de abril nove meses mais tarde.