A malha apertou, apertou e apertou tanto que Luis Rubiales, tendo uma Assembleia Geral extraordinária da Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF), teve mesmo de marcar um encontro 24 horas antes de fazer um ponto de situação. Para sexta-feira, tinha um plano A e um plano B. Para aguentar toda a pressão de que estava a ser alvo e que se adensou com a abertura de um processo disciplinar por parte da FIFA, não tinha nenhum plano. Ou melhor, tinha o único plano a que tentava fugir: a saída. E é isso que acontecerá nas horas seguintes, com Luis Rubiales a apresentar a demissão de líder do órgão que tutela o futebol espanhol.

Como Rubiales está a tentar sair do cerco que se aperta em Espanha: uma Assembleia Geral, o plano B e a fuga à suspensão preventiva

Após superar vários casos de que foi protagonista nos últimos anos, entre a acusação de alegada falsificação de documentos, uso indevido de fundos da RFEF ou a polémica venda da Supertaça de Espanha à Arábia Saudita, o beijo a Jenni Hermoso na cerimónia de atribuição das medalhas no Mundial feminino que chocou Espanha tornou-se um caso demasiado sério para tentar de novo fintar todas as críticas. Houve mais, como o gesto indecoroso ao lado da rainha Letizia quando celebrava na tribuna a vitória da Roja frente à Inglaterra em Sidney, mas foi esse gesto que acabou por ditar de vez a “capitulação” de Rubiales na RFEF.

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De acordo com o El País, a decisão acabou por ser quase a antecipação de males maiores que alguns dos colaboradores mais próximos previam. Perante toda a pressão política, social e mediática para que saísse do cargo, algo que tentou evitar a todo o custo, o círculo interno que tem acompanhado Rubiales percebeu o que o próprio começava a temer: se não apresentasse a demissão por iniciativa própria, corria o risco de, a muito breve prazo, ser suspenso preventivamente do órgão pelo Conselho Superior dos Desportos. Cinco anos depois, acaba uma era na Federação com algum sucesso desportivo, muitas guerras internas e com Ligas e clubes e demasiados escândalos em tão pouco tempo, como recorda esta quinta-feira o El Mundo. O ABC é ainda mais cáustico no balanço final dos últimos cinco anos da RFEF, dizendo que “Luis Rubiales conseguiu converter Ángel Maria Villar [o seu antecessor no órgão] num santo”.

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Nomes como Pedro Rocha, Pablo Lozano, Paco Díez e Elvira Andrés começaram a ser lançados na imprensa espanhola como possíveis sucessores vindos ou das associações regionais ou do próprio elenco que era agora liderado por Luis Rubiales mas ainda é demasiado cedo para se perceber se existe algum favorito ao cargo a médio prazo. Para já, Pedro Rocha, líder da Extremadura e “delfim” de Rubiales, deve ser o interino como diz o As. De recordar por exemplo que Casillas ou Mariano Rajoy foram figuras equacionadas no passado. Uma coisa é certa: como destaca a Marca, e mesmo depois de toda a especulação sobre o comunicado de Jenni Hermoso a pedir “medidas exemplares”, o processo disciplinar da FIFA foi o ponto de viragem no caso.

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A intenção inicial de Rubiales era não renunciar ao cargo de presidente da RFEF. No entanto, o coro de críticas que começou a fazer-se ouvir, ainda no domingo, e se prolongou até esta quinta-feira, a que somaram um processo disciplinar da FIFA e a intervenção do Conselho Superior dos Desportos, acabaram por deixar Rubiales sem margem de manobra. O beijo que deu a Jenni Hermoso, na final do Campeonato do Mundo de futebol feminino (em que Espanha bateu a Inglaterra por 1-0, sagrando-se pela primeira vez campeã mundial) foi alvo de críticas de praticamente todas os quadrantes da sociedade espanhola.

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Logo na segunda-feira, a vice-primeira-ministra de Espanha, Yolanda Díaz, pedira a demissão de Rubiales, por considerar que uma mulher foi “assediada e agredida”. No dia seguinte foi o próprio chefe de governo, Pedro Sanchéz, a classificar o beijo como um “gesto inaceitável”. “As desculpas que o senhor Rubiales deu não são suficientes e acho até que não são adequadas. Portanto ele deve continuar a tomar medidas”, disse Sanchéz, abrindo a porta à demissão. Já esta quarta-feira, a Associação de Mulheres Juízas de Espanha pedia a demissão imediata de Rubiales, no âmbito do protocolo de prevenção, deteção e ação contra assédio e abuso sexual. No mesmo, dia, Hermoso quebrou o silêncio, num comunicado divulgado pela FUTPRO, o sindicato que representa a jogadora, em que era exigido à RFEF que sejam tomadas medidas exemplares.

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Com o cerco cada vez mais apertado, e sob ameaça de o Conselho Superior dos Desportos levar as três denúncias que recebeu ao Tribunal Administrativo do Desporto, Rubiales decidiu colocar um ponto final à resistência e vai apresentar a demissão esta sexta-feira, na Assembleia Geral da RFEF, à qual vários clubes das primeira e segundas ligas já anunciaram não pretender comparecer. Entre eles estão o Barcelona, Real Sociedad, Osasuna, Getafe, Betis, Maiorca, Villarreal, Cádiz, Elche e Rayo Vallecano.

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De recordar que Luis Rubiales era, além de presidente da Real Federação Espanhola de Futebol e vice da UEFA (que nunca se pronunciou oficialmente sobre o tema até à notícia desta saída que será anunciada esta sexta-feira), um dos principais motores da candidatura conjunta entre Espanha, Portugal e Marrocos à organização do Mundial de 2030. “A candidatura ao Mundial-2030 é um projeto que está acima de quaisquer pessoas ou cargos. Nasceu da vontade de federações, mas hoje é uma candidatura de países empenhados em ser a casa do maior evento desportivo global e nada interferirá com a vontade de organizar o melhor Mundial de sempre”, disse fonte oficial da Federação Portuguesa de Futebol à Lusa. Há mais dois pontos importantes a ter em conta: 1) quem ficar de forma interina na RFEF será alguém da confiança de Rubiales; 2) o coordenador do projeto técnico da candidatura ibérica é português, António Laranjo, o que mostra que a candidatura que está em cima da mesa não se encontra apenas dependente de uma federação ou pessoa.

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