Nos Estados Unidos, 73% dos estados continentais assistiram a uma diminuição na qualidade do ar nos últimos anos por causa dos incêndios florestais, de acordo com uma investigação publicada esta quarta-feira na revista científica Nature. Em causa está o aumento da área ardida, da frequência e da intensidade dos fogos.
Os incêndios florestais, assim como a queima de combustíveis fósseis (e outro tipo de queimas), são responsáveis pela libertação de grandes quantidades de partículas finas, com menos de 2,5 micrómetros (PM2,5), que entram profundamente nos pulmões e podem passar para a corrente sanguínea, danificando vários órgãos.
Uma investigação do jornal The Guardian, divulgada esta quarta-feira, verificou que 98% da população europeia vive em ambientes com concentrações acima da recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) — cinco microgramas de partículas finas por metro cúbico (mg/m3).
A investigação incluiu os 48 estados continentais norte-americanos (ou seja, todos exceto o Alaska e o Hawai) e concluiu que em 41 destes estados a concentração de PM2,5 diminuiu entre 2000 e 2016, como resultado das políticas públicas. No entanto, a partir de 2016, 30 destes estados travaram os bons resultados que estavam a ter e 11 reverteram mesmo a situação. Os investigadores conseguiram provar, por métodos estatísticos, que em 35 dos 48 estados, os incêndios florestais influenciaram significativamente as médias anuais de partículas finas.
A equipa coordenada pela Universidade Standford (Califórnia) analisou a contribuição do fumo dos incêndios na concentração de partículas finas entre os anos de 2000 e 2022 e concluiu que, desde 2016, o aumento de PM2,5 na concentração média anual representa cerca de 25% daquilo que se tinha conseguido diminuir entre 2000 e 2016 — ou seja, em quatro anos estragou-se um quarto do trabalho feito ao longo de 16. A preocupação é que se prevê que, devido às alterações climáticas, a frequência e intensidade dos grandes incêndios aumente.
Fumo dos incêndios florestais deve ser contabilizado nos máximos de poluição diários
A forte contribuição do fumo dos incêndios florestais para a poluição do ar obriga a repensar de que forma se pode assegurar a qualidade do ar que se respira, alertam os autores no artigo. Historicamente, as políticas públicas baseavam-se no controlo das emissões por parte das atividades humanas (como a indústria e os transportes) e eram afinadas consoante as realidades locais e regionais.
Os incêndios florestais intensos, porém, terão tendência a aumentar, a poluição que provocam não pode ser diretamente controlada por uma ação do homem e o impacto dos fumos será sentido muito além da área ardida — e facilmente cruzará fronteiras para outra jurisdição (o que pode ser um problema nos Estados Unidos).
Os autores destacam ainda que se abre uma exceção para o fumo dos incêndios florestais (e os poluentes associados) na legislação norte-americana (CleanAirAct) porque a fonte de poluição é considerada fora do controlo das autoridades locais — assim, a concentração de partículas finas pode ser excedida se a causa for um incêndio, por exemplo. Mas, por outro lado, a queima controlada — importante na prevenção de incêndios de grandes dimensões — é restringida pela mesma legislação, porque são consideradas emissões de origem antropogénica.
“A crescente influência do fumo dos incêndios florestais nas concentrações ambientais de PM2,5 que documentámos sugere que continuar com a abordagem atual da legislação poderá fazer falhar cada vez mais a proteção da saúde pública contra a má qualidade do ar”, escreveram os autores no artigo.
Aumentar o investimento na gestão de combustíveis para diminuir o risco de grandes incêndios florestais é uma das propostas dos autores. Depois, sugerem uma revisão da legislação sobre a qualidade do ar, onde se permitisse regimes de exceção para dias de incêndio apenas nos locais onde houve um investimento para reduzir o risco de incêndio. O aumento da filtração dentro de portas, para reduzir a exposição às partículas finas mesmo no interior dos edifícios, também é destacado.
“Dada a complexidade da gestão do fumo dos incêndios florestais, todas estas medidas podem ser necessárias para evitar efeitos negativos significativos na saúde pública. Na ausência destas ou de outras intervenções, a contribuição dos incêndios florestais para a má qualidade do ar e os efeitos adversos para a saúde provavelmente continuarão a aumentar à medida que o clima continua a aquecer”, concluem os autores.