Papa Francisco aterrou esta sexta-feira em Marselha, no sul de França, para uma viagem de pouco mais de 24 horas, a propósito do Seminário Internacional “Encontros Mediterrânicos”, que contará também com a presença de 70 bispos de países “em torno do mare nostrum”.

Francisco, que já se referiu ao mar Mediterrâneo como “um dos maiores cemitérios do mundo”, tendo sido registados 2.300 mortes desde o início do ano, prestará uma homenagem aos “marinheiros e migrantes perdidos no mar”, na primeira visita de um Papa a Marselha em cinco séculos.

O Pontífice foi recebido no aeroporto pela primeira-ministra francesa, Elisabeth Borne, e por quatro crianças, e o som dos hinos francês e do Vaticano deram início a uma viagem com uma agenda cheia.

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Papa Francisco começou por presidir uma oração na Basílica Notre-Dame-de-la-Garde, onde criticou países da União Europeia (UE) que fecham as portas aos migrantes, multando os navios que os resgatam. “As pessoas que correm o risco de se afogar, quando são abandonadas nas ondas, devem ser resgatadas. É um dever da humanidade, é um dever da civilização!”, reforçou.

“Não podemos resignar-nos a ver seres humanos tratados como moeda de troca, aprisionados e torturados de forma atroz”, disse, referindo-se aos campos líbios, citado pelo jornal Crux. “Não podemos continuar a assistir ao drama dos naufrágios, causados pelo tráfico cruel e pelo fanatismo da indiferença”.

Se em terra e no mar soubermos cuidar dos mais fracos, se conseguirmos superar a paralisia do medo e do desinteresse que, com luvas de veludo, condena os outros à morte”, Deus abençoará a humanidade, acrescentou.

A este discurso seguiu-se o Momento de Recolhimento com os Líderes Religiosos, no memorial dedicado aos marinheiros e migrantes desaparecidos em Marselha. Aqui, o Papa pediu que “não nos habituemos a considerar os naufrágios como meras notícias de jornal, nem os mortos no mar como números”.

“São nomes e apelidos, são rostos e histórias, são vidas despedaçadas e sonhos desfeitos”, frisou. “Penso em muitos irmãos e irmãs afogados no medo, juntamente com as esperanças que traziam no coração. Perante um drama assim não servem palavras, mas factos”.

De seguida, Francisco pediu um “momento de silêncio, em memória destes nossos irmãos e irmãs. “Deixemo-nos tocar pelas suas tragédias.”

No sábado de manhã, o Pontífice conduzirá a cerimónia de encerramento do Seminário Internacional “Encontros Mediterrânicos”, onde planeia abordar “questões ambientais, além dos problemas relacionados com migrantes e refugiados”, como enuncia a Rádio Renascença.

Francisco encontrar-se-á ainda com o Presidente Emmanuel Macron, por “insistência deste”, apesar de ter reforçado que esta não é uma visita oficial a França. Finalmente, antes de embarcar para Roma, fará uma missa no estádio da cidade, Orange Vélodrome, sendo esperadas cerca de 57 mil pessoas.

A visita acontece pouco depois da chegada de cerca de 10 mil migrantes à ilha de Lampedusa, que, em apenas três dias, superaram a população da ilha italiana, tendo a primeira-ministra, Georgia Meloni, apelando a um bloqueio naval e anunciando novos centros para que os que não procurassem asilo pudessem voltar para casa.

Migrantes que chegaram a Lampedusa em três dias superam a população da ilha italiana

França teve uma posição idêntica face aos refugiados transportados na sua maioria por traficantes da Tunísia, reforçando as patrulhas fronteiriças na fronteira sul com Itália e aumentando a vigilância. Aliás, o próprio ministro do Interior, Gerad Darmanin, sublinhou que “França não aceitará migrantes de Lampedusa”.

“Não é acolhendo mais pessoas que vamos conter um fluxo que obviamente afeta a nossa capacidade de integrá-las”, reforçou, contrariando a ideia do Papa Francisco, de que a “migração deve ser uma escolha livre”, disse no passado domingo, na Praça de São Pedro, no Vaticano.

Completando o seu discurso da missa de domingo passado, que teve especial foco na aceitação e receção dos refugiados que chegam aos países banhados pelo Mediterrâneo, o Pontífice lamentou ainda, após a aterragem em solo francês, a condição em que vivem muitos migrantes, que “é uma crueldade e uma terrível falta de humanidade”.

Eles mantêm-nos em campos de concentração líbios e depois atiram-nos ao mar”, relatou, olhando para a foto de uma mãe migrante com o seu filho.

Desde a sua pontificação, em 2013, que Papa Francisco apela aos desafios da migração. Aliás, nesse mesmo ano, levou refugiados sírios consigo a Lampedusa, uma das portas europeias para a migração, na sua primeira viagem oficial fora de Roma.

Além dessa, também já fez diversas visitas à ilha de Lesbos, ao Chipre e a Malta, para lembrar a crise migratória provocada por pessoas que, afetadas pela guerra ou outros problemas sociais, procuram uma melhor qualidade de vida.

“Ele teve sempre uma mensagem de solidariedade e de fraternidade sobre esta questão e sobre a tragédia do Mediterrâneo. Temos de ter coragem de dizer que não podemos deixar que as pessoas se afoguem às portas da Europa“, disse François Thomas, presidente da associação SOS Méditerranée, focada em resgatar migrantes náufragos, citado pelo The New York Times.

Esta é a 44.ª visita do Papa Francisco, 86 anos, ao estrangeiro, que já confessou, no início de setembro, que viajar “já não é tão fácil como antes”.