Enquanto o Papa Francisco estava em Marselha, no sul de França, a apelar à necessidade de “que a cada homem e mulher seja garantida a possibilidade de viver com dignidade na sociedade em que se encontram”, as autoridades de Paris estavam a retirar as pessoas em condição de sem-abrigo — sendo a maioria migrante — das ruas.

Com a aproximação dos Jogos Olímpicos de Verão, que decorrerão em julho e agosto de 2024, a capital francesa começa a preparar-se para acolher os milhares de turistas que planeiam assistir às mais de 30 modalidades da competição. E isso inclui ter de limpar as caixas de cartão e mantas espalhadas pelas ruas, a que algumas pessoas chamam casa.

Nos últimos meses, o governo francês tem usado diversos autocarros para transportar os sem-abrigo da capital para outras cidades. Segundo a CNN, todas as semanas são movidas entre 50 a 150 pessoas, sendo que, desde abril, já foram realojadas 1.800.

Isto surge de uma preocupação do governo que, em março, começou a pedir às autoridades de todo o país para montarem “instalações regionais de acomodação temporária” para receber as pessoas que viessem da capital. Este alarmismo deve-se não só às pessoas que residem na berma da estrada, como àquelas que estão alojadas nos hotéis que têm parceria com o estado, que podem perder a “casa” por causa dos Jogos Olímpicos.

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Segundo o ministro da Habitação francês, Olivier Klein, muitos deles pretendem renunciar desse apoio para colocar os quartos para arrendar aos turistas, sendo estimado que as acomodações para os sem-abrigo “caiam entre três a quatro mil”, disse, citado pela France24.

Todos os dias diversas pessoas, muitas migrantes, entram nos autocarros do Estado, sem saber qual o seu destino. “Soubemos que eles vinham buscar-nos hoje, mas não sabemos para onde”, contou Obsa, refugiado etíope, à CNN.

Obsa, de 31 anos, fugiu da Etiópia em 2017, tendo atravessado o Sudão, a Líbia e até o Mediterrâneo — a que o Papa Francisco chama “o maior cemitério do mundo” — para chegar a Itália, até se radicar em França.

Apesar de ter um trabalho a tempo inteiro, ainda não conseguiu arranjar casa, “devido às rendas altas e à pouca oferta de casas sociais”. Obsa chegou a ficar num dos hotéis com parcerias com o governo, mas foi expulso quando tentou acolher a sua mulher. “Eles recusaram-se a fazê-lo. Disseram simplesmente: não temos espaço para a sua mulher”, recordou ao mesmo canal.

Desde então que tem vivido nas ruas com a companheira. Agora, não sabe se vai para Bordéus ou para Marselha, as etiquetas que estavam nos dois autocarros que chegaram para o acolher e aos outros sem-abrigo.

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“Não posso ir embora. Tenho um contrato de trabalho de um ano. Tenho de estar, pelo menos, na região de Ilha de França [onde Paris está sediado]”, renunciou o cidadão etíope, quando as autoridades comunicaram que seria alojado num dos dez abrigos temporários criados em todo o país,, com capacidade para acolher até 50 pessoas.

Obsa não é o único nesta situação. De acordo com os dados do Ministério da Habitação, cerca de 200 mil pessoas são alojadas todas as noites em hotéis em todo o país, sendo que metade é apenas na região de Ilha de França.

Isto está tudo a acontecer numa altura crucial, com preparação para os Jogos Olímpicos a decorrer ao mesmo tempo que o Estado mostra incapacidade para lidar com a realidade do que está a acontecer nas ruas de Paris, que significa continuar a deixar milhares de pessoas que chegaram ao nosso território sem qualquer apoio”, chamou a atenção Yann Manzi, fundador da Utopia 56, uma organização não-governamental (ONG) que se dedica a migrantes e sem-abrigo.

Para o ativista, a ideia de realojar estas pessoas é boa, na teoria, mas, na prática, fica bastante aquém. “As pessoas voltam outra vez para as ruas. Apenas não as de Paris. Tiramo-las de lá e pômo-las noutro sítio qualquer. Estamos apenas a mover o problema”, disse.

No mesmo fim de semana em que recebeu a visita do Papa Francisco a Marselha — como forma de chamar a atenção para os desafios da migração —, o Presidente francês, Emmanuel Macron, garantiu que está a fazer a sua parte na receção dos migrantes do Mediterrâneo, tendo um orçamento de dois mil milhões de euros para alojamentos de emergência. Ele disse, no entanto, que “não consegue simplesmente acolher toda a miséria do mundo”.

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