Há uma condição que o mestre precisa de seguir para se manter sempre numa posição superior: nunca contar tudo o que sabe aos seus aprendizes. Mikel Arteta deixou de ser o braço direito de Pep Guardiola em 2019, quando se tornou treinador principal do Arsenal. Descobriu por conta própria que quando largou a mão de quem lhe foi transmitindo conhecimento ainda não tinha o curso completo. Das dez vezes que ambos se tinham defrontado desde que seguiram caminhos distintos, Guardiola tinha ganhado oito.

Arteta transformou o Arsenal no principal rival do Manchester City na corrida ao título, o que não quer dizer que os gunners já estejam no mesmo patamar que o adversário, tal como ficou evidente na maneira como os londrinos perderam o campeonato na época passada. Os citizens deram a machadada final na luta pelo primeiro lugar quando receberam os londrinos no Etihad e aplicaram um sólido 4-1 digno de trauma para quem teve que lidar com uma derrota com este volume perto do final da época.

Servia de consolo ao Arsenal, na oitava jornada da Premier League, saber que desta vez jogava em casa. No entanto, não se esperava que os gunners recebessem o chamado “colinho” dos adeptos caso algo não corresse como planeado. Afinal, o Manchester City entrava em campo a saber que, em caso de vitória, ia chegar à 13.ª vitória consecutiva no campeonato inglês diante do rival, o que significava igualar o recorde da mais longa sequência de triunfos de uma equipa contra qualquer adversário nesta competição. O registo arrasta-se desde 2017, mas desde 2015 que o Arsenal não vencia o Manchester City para a Premier League.

Como manifestação de um bom presságio, há cerca de dois meses, o Arsenal até ganhou a Supertaça contra o Manchester City no desempate por grandes penalidades que foi decidido por Fabio Vieira, português que começou o encontro como suplente mesmo na ausência de Bukayo Saka nos gunners. Nos citizens, Guardiola também guardou Matheus Nunes no banco, mas colocou Rúben Dias e Bernardo Silva no lote de titulares.

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No Emirates, o apito inicial mostrou que se fossem medidos os níveis de tensão a todos os jogadores em campo os do Arsenal iam apresentar números nada recomendáveis. Na prática isso traduzia-se em passes e cortes defeituosos como a situação que valeu um canto ao Manchester City e protagonizou uma dupla oportunidade para aos atuais campeões. Primeiro, Declan Rice cortou o cabeceamento de Gvardiol em cima da linha e, depois, Nathan Aké atirou por cima.

O Arsenal defendia numa posição recuada, negando qualquer tipo de possibilidade de Haaland receber em apoio frontal, e o Manchester City não conseguia encontrar ligações curtas para chegar ao ataque. Só que, quando os gunners recuperavam a bola, Arteta pedia aos jogadores algo nada fácil de fazer perante o nervosismo em que se encontravam, ou seja, saídas baixas a partir do guarda-redes que mexiam com o humor do risco. Julián Álvarez quase inaugurou o marcador ao roubar a bola a David Raya, levando os adeptos a assobiarem a própria equipa quando viram o ressalto do passe do espanhol quase acabar no fundo das redes.

O Manchester City também não estava imune a erros. Rúben Dias falhou o corte e deu a Eddie Nketiah a oportunidade de chutar perto do poste. Jogadores e treinador pediam ao adeptos para se manifestarem de modo a que a pressão passasse para o lado contrário. É desta forma que os jogos podem mudar rapidamente. Seguiu-se uma entrada, de carrinho e pelas costas, de Kovacic sobre Odegaard. A equipa de arbitragem chegou a ponderar a expulsão que acabou por não acontecer. Kovacic repetiu a dose, desta vez sobre Rice. O croata foi poupado ao segundo amarelo para protestos do Arsenal.

Nesta fase, há muito que se percebia que Bernardo Silva era o médio mais recuado do Manchester City e que assumia mais protagonismo na primeira fase de construção, papel que podia muito bem ser de Rodri, caso o médio espanhol não desfalcasse os citizens neste encontro. Rico Lewis, a partir da direita, aumentava o lote de opções entre linhas, onde também estava, Kovacic e Foden. Apesar da intenção ofensiva, as oportunidades ficaram concentradas nos minutos inicias. Pelo menos, na ótica de Guardiola, a equipa não vacilava defensivamente e não cedia perante a tentativa constante do guarda-redes do Arsenal, David Raya, atrair a primeira linha de pressão do Manchester City.

Gabriel Martinelli entrou ao intervalo para o lugar de Trossard e o Arsenal ganhou alguém que, além de Nketiah, também ofereceu alguma vertigem. Apesar de tudo, o xadrez tático prevalecia. Guardiola foi corajoso o suficiente para manter Kovacic em campo até perto dos 70 minutos. Para o lugar o croata, o técnico espanhol lançou Matheus Nunes. Também Doku foi a jogo na tentativa de acrescentar imprevisibilidade a um jogo onde esta parecia pagar impostos.

A expectativa criada em torno do encontro já estava completamente desfeita. A vontade de não perder foi sempre maior do que a de ganhar. A preferência pelo ataque posicional em detrimento da vertigem que os dois plantéis tinham qualidade para oferecer resultou numa partida congelada por amarras táticas e disputada longe das balizas. O resultado não devia ter ido além do nulo. Só que o agitador que Arteta lançou na segunda parte fez a diferença. Gabriel Martinelli (86′) resgatou uma bola perdida e rematou-a. Nunca se vai saber o destino que o golpe teria se não tivesse batido na cabeça de Aké e entrado na baliza de Ederson.

Perto do fim, o Arsenal garantiu uma vantagem de 1-0 que não deixou fugir, passando a liderar a Premier League em conjunto com o Tottenham. Esta foi a primeira vitória de Mikel Arteta contra Pep Guardiola na Premier League. Os citizens somam a segunda derrota consecutiva e caem do primeiro lugar que ocupavam no início da jornada. O Manchester City é agora o terceiro classificado.