Um acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) solicitada pela defesa de João Manso Neto no âmbito do caso EDP provocou um pequeno tremor de terra na Justiça portuguesa. Noticiado pela revista Visão, o acórdão terá uma aplicação automática no caso EDP e deverá fazer cair prova essencial para imputar a António Mexia, ex-presidente executivo da EDP, a João Manso Neto, ex-presidente da EDP Renováveis, a Manuel Pinho, ex-ministro da Economia, João Conceição, atual administrador da REN – Redes Energéticas Nacionais, e a Miguel Barreto, ex-diretor-geral de Energia, diversos crimes de corrupção no âmbito do chamado caso CMEC.

Está em causa a utilização das caixas de correio eletrónico de António Mexia e de João Manso Neto na EDP, que foram apreendidas pelos procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto.

Um acórdão aprovado por unanimidade pelo plenário das secções criminais do STJ considerou que tal apreensão deveria ter sido validada por um juiz de instrução criminal nas “48 horas seguintes” à sua apreensão, lê-se no texto do acórdão ao qual o Observador teve acesso. O que não aconteceu nos autos do caso EDP. Logo, a apreensão das caixas de correio eletrónico tem de ser considerada nula.

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Uma parte significativa da prova recolhida pelo Ministério Público (MP) contra António Mexia, João Manso Neto, Manuel Pinho, João Conceição e Miguel Barreto assenta, como o Observador tem vindo a noticiar desde 2018, nas respetivas caixas de correio eletrónico. Mas não é a única.

Ao que o Observador apurou, o MP vai agora analisar o conteúdo do acórdão para decidir o que irá fazer a seguir. Teoricamente, é possível que seja pedida uma aclaração do acórdão e só depois será avaliada a prova que consta dos autos para perceber com rigor qual a prova que tem de ser descartada.

Tal como o Observador noticiou, quando o MP deduziu acusação em dezembro de 2022 contra Manuel Pinho, a sua mulher Alexandra e Ricardo Salgado apenas sobre os factos relacionados com os pagamentos do saco azul do Grupo Espírito Santo (GES) ao ex-ministro da Economia, os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto extraíram  uma certidão para que os indícios do caso dos CMEC — Contratos de Manutenção de Equilíbrio Contratual — continuassem a ser investigados num processo à parte.

Contudo, os procuradores titulares dos autos decidiram esperar pela decisão do STJ sobre o pedido de fixação de jurisprudência — que chegou esta quarta-feira — antes de concluírem esse segundo processo.

Caso Altice poderá ser afetado. Ao contrário dos casos Manuel Pinho, BES e da Operação Marquês

Como qualquer acórdão de fixação de jurisprudência, os seus efeitos não se restringem apenas ao autos do processo no qual foi solicitada. Qualquer arguido poderá invocar este acórdão, após o respetivo trânsito em julgado e publicação em Diário da República, para tentar anular prova assente em mensagens de correio eletrónico noutros processos.

Basta apenas que a apreensão das respetivas caixas de correio eletrónico não tenham sido validadas por um juiz de instrução de criminal. Ou previamente ou 48 horas após a respetiva apreensão.

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Ao que o Observador apurou junto de diversas fontes judicias conhecedoras dos respetivos autos, o caso Altice (também conhecido como Operação Picoas) poderá ser afetado por este acórdão do STJ.

Tudo porque a jurisprudência fixada por este acórdão pode afetar o correio eletrónico que foi apreendido nos autos do caso Altice como meio de obtenção de prova, visto que a apreensão terá sido feita apenas com o despacho do MP. Os emails também constituem uma parte significativa dos autos que têm os empresários Armando Pereira e Hernâni Vaz Antunes como principais arguidos e onde se investigam crimes de corrupção ativa e passiva no setor privado, fraude fiscal e branqueamento de capitais.

Contudo, enfatizam as mesmas fontes, também é certo que a prova contida nas mensagens de correio eletrónico também pode ser obtida por outra via, nomeadamente através de escutas telefónicas.

O mesmo não acontecerá, asseguraram diversas fontes judiciais conhecedoras desses processos, com o julgamento de Manuel Pinho e de Ricardo Salgado por diversos crimes de corrupção que está a decorrer no Campus de Justiça e aos autos do caso Universo Espírito Santo que deverá chegar em breve a julgamento.

Nos dois casos, a prova que assenta em comunicações eletrónicas foi sempre apreendida com despachos prévios emitidos pelo juiz Carlos Alexandre e não estão minimamente em causa. Acresce a isso o facto de o grosso da prova desses dois processo assentar essencialmente em documentação bancária ou noutro tipo de documentação.

O mesmo se aplica aos autos da Operação Marquês, nos quais a equipa liderada pelo procurador Rosário Teixeira sempre apreendeu correio eletrónico com despachos prévios do juiz Carlos Alexandre.