A UTAO assume que o anúncio do fim das cativações feito por Fernando Medina não foi cumprido. A proposta de Orçamento do Estado para 2024 continua a prever cativações, embora haja algumas cuja decisão passa para a tutela setorial. Mas, segundo a UTAO, há ainda um total de dois terços das cativações que ficam na dependência de Fernando Medina.

“O ministro das Finanças anunciou publicamente o fim das cativações no OE/2024, criando grande expectativa política. (…) Afinal, a proposta de lei na proposta de orçamento do Estado prevê a continuidade das cativações em 2024, mantendo aproximadamente inalteradas as regras que definem a sua constituição”, critica a UTAO no relatório divulgado esta quarta-feira, 25 de outubro, com a sua análise ao orçamento do Estado.

Fernando Medina anuncia o fim das cativações em 2024 para poder ter “orçamentos mais verdadeiros”

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No relatório sobre o Orçamento do Estado para 2024, a UTAO (Unidade Técnica de Apoio Orçamental) alerta que “os instrumentos convencionais de controlo de despesa totalizam 2.521 milhões na POE/2024, dos quais cerca de dois terços (1697 milhões) ficará centralizado no Ministro das Finanças”.

Ou seja, “a transferência do poder decisório sobre as cativações para a tutela sectorial representa a descentralização de cerca de um terço (824 milhões) destes instrumentos. A POE (proposta do Orçamento do Estado) prevê que os instrumentos convencionais de controlo de despesa totalizem 2.521 milhões em 2024, o que representa 2% da despesa efetiva prevista”.

A UTAO explica que o poder decisório sobre a libertação das cativações passam para a esfera sectorial mas os restantes instrumentos mantêm-se na esfera decisória do Ministro das Finanças. “Daqui decorre que este mantém o seu poder discricionário sobre 67,3% (1697 milhões) dos instrumentos convencionais de controlo da despesa, encontrando-se os restantes 32,7% descentralizados na tutela sectorial. Convém lembrar que as eventuais libertações de dotação e consequentes alterações orçamentais autorizadas pelo responsável pela área governamental das Finanças continuam a ter de merecer a aprovação prévia das tutelas sectoriais”.

A UTAO considera os instrumentos convencionais para controlar a despesa a dotação provisional, as dotações centralizadas para fins específicos, a reserva orçamental e as cativações. E é este conjunto que totaliza 2.521 milhões de euros, ou seja 1,5% da despesa efetiva prevista da administração central.

As cativações constituem, segundo a UTAO, “o instrumento com maior peso no total (824 milhões; peso de 32,7%), seguindo-se as dotações centralizadas para fins específicos (745 milhões; 29,6%), a dotação provisional (500 milhões; 19,8%) e a reserva orçamental (452 milhões; 17,9%)”.

Fonte: UTAO

Ainda que não haja nesta fase a total informação sobre as cativações totais, porque algumas decorrem da execução orçamental e não da proposta para o orçamento, a UTAO contabiliza em 172 milhões de euros o reforço da dotação cativada de 2022 para 2024, mas uma descida de 96 milhões face a 2023. No entanto, a reserva orçamental sobe 130 milhões de euros.

Ainda que “saúde o fim do crivo do Ministério das Finanças para libertar a utilização de dotações a título excecional”, a UTAO diz, no entanto, que “não se compreende por que é que o instrumento cativações continua a existir”. E acrescenta: “A continuação das cativações em 2024, ainda que sem o poder de veto da área política das Finanças quanto à sua libertação, parece esquecer o elevado custo administrativo das entidades públicas e das tutelas indispensável para cumprirem os requisitos legais.”

Para a UTAO seria melhor dar aos ministros sectoriais a possibilidade de “gerirem uma pequena parcela da dotação dos seus programas orçamentais para responder a riscos durante a execução”, já que essa “seria uma forma mais racional de os responsabilizar financeiramente pela utilização do dinheiro dos contribuintes nas respetivas políticas.” Criava-se, diz a UTAO, uma espécie de dotação provisional setorial.

Fonte: UTAO

A intromissão política na gestão de entidades públicas

A UTAO considera, ainda, que há várias normas na proposta de Orçamento do Estado para 2024 que perpetuam as restrições impostas aos gestores públicos na aquisição de serviços e recrutamento de trabalhadores. “O assunto é grave e, infelizmente, recorrente desde 2011”, diz a UTAO, que apela “à sua eliminação ou mitigação na fase de especialidade”.

“As restrições aqui abordadas colocam as entidades públicas a trabalhar abaixo das suas possibilidades reais de produção, o que significa oferecer aos cidadãos e às empresas serviços de pior qualidade (ou em menor quantidade) do que seria exequível com as dotações orçamentais aprovadas pela Assembleia da República. A origem destas ineficiências encontra-se em determinados artigos da proposta de lei orçamental que se repetem sem discussão na especialidade há demasiados anos”.

Uma restrição que, como já tinha alertado em anos anteriores, piora com a limitação aos gestores públicos de autonomia para decidirem um aumento de despesa apenas até aos 2%, quando a inflação está a níveis mais elevados.

Este é um dos limites que a UTAO considera ser um instrumento não convencional de controlo da despesa pública.

“O articulado da proposta de lei n.º 109/XV/2.ª, “Orçamento do Estado para 2024” (PPL OE/2024) renova disposições antigas que vigoraram em anos anteriores e que configuram quatro formas de cativação não-convencionais” — condicionamento ao nível dos atos de gestão para recrutamento de trabalhadores; aquisição de serviços em geral; aquisição de serviços sob a forma de estudos, pareceres, projetos e consultoria; e aquisição de serviços nas modalidades de tarefa e avença.

Além de obrigar ao desvio de recursos, a UTAO alerta para o facto de em alguns casos ser necessário a autorização de três membros do Governo para autorizar uma exceção. “Estes processos de exceção são muito intrusivos na autonomia de gestão das unidades orgânicas da Administração Central
e da Segurança Social, e também nas unidades orgânicas dos governos regionais e locais”.

“Os efeitos nocivos sobre a qualidade dos serviços prestados às pessoas e às empresas são inevitáveis. A eficácia no desenvolvimento normal da atividade de uma unidade orgânica da Administração Central”, acusa a UTAO.

Ainda assim o organismo liderado por Rui Baleiras vê “algumas alterações positivas, mas insuficientes, no enquadramento das restrições não-convencionais à realização de despesa nas Administrações Públicas”, embora circunscritos apenas aos contratos de aquisições de serviços — deixou de exigir a intervenção do ministro das Finanças para a dispensa de aplicação dos limites à aquisição de bens e serviços e introduziu uma cláusula de deferimento tácito relativamente ao parecer prévio vinculativo referido.