O Museu de Arte Contemporânea – Centro Cultural de Belém (MAC/CCB), antigo Museu Coleção Berardo, em Lisboa, inaugura esta sexta-feira. É “um novo início daquilo que é a história do CCB”, classificou o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, que anunciou que a instituição passa a ter um fundo de aquisições de obras de arte de dois milhões de euros, um “valor bastante significativo” que surge do pagamento do colecionador e empresário sobre obras adquiridas em conjunto para o antigo Museu Berardo, no âmbito do acordo que vigorou até ao final de 2022.
Horas depois de o jornal Público noticiar que José Berardo usou a Associação de Coleções, que integra as entidades controladas pelo empresário, para comprar 214 obras adquiridas a meias com o Estado, Adão e Silva garantiu que o Ministério da Cultura estava “absolutamente consciente” da possibilidade de o colecionador exercer o seu direito de compra aquando da denúncia do protocolo de comodato da coleção e da extinção da Fundação de Arte Moderna e Arte Contemporânea – Coleção Berardo.
Esgotadas as perguntas sobre o colecionador madeirense — “Obviamente que José Berardo não será convidado para a inauguração deste museu, não se convida pessoas que estão em permanente litigância com processos”, respondeu Adão e Silva, interpelado na conferência de imprensa — o ministro quis pôr a tónica no museu que abre portas. “O resto o tempo resolverá e os tribunais resolverão”, rematou.
O MAC/CCB inaugura esta sexta-feira (com um programa de eventos gratuitos até domingo) sem uma direção artística, que só será conhecida daqui a dois meses. Delfim Sardo, administrador do CCB com o pelouro da programação, adianta ao Observador que “a programação para o próximo ano e até projetos para 2025 estão no horizonte”, pois “uma exposição precisa de mais de um ano de planeamento, não era possível para a nova direção que vier, diretor ou diretora, chegar e não ter programação”. “Seria errado convidar alguém num vazio”, justifica. O CCB recebeu 40 candidatos ao cargo, a maioria estrangeiros, num processo de seleção que está em curso e que deverá culminar com o anúncio em dezembro. Rita Lougares, ex-diretora do Museu Coleção Berardo, que assume agora o posto de Chief Curator, e que estava presente na apresentação à imprensa do novo museu, diz ao Observador que não concorreu ao concurso.
Uma caixa negra impõe-se no exterior da entrada do MAC/CCB. Trata-se de uma escultura de Rui Chafes, feita há precisamente 30 anos, para a abertura do Centro Cultural de Belém, em 1993. A obra, reabilitada (na época não foi preparada para ser uma estrutura permanente de exterior), ocupa o lugar onde antes estava Néctar de Joana Vasconcelos. É uma das mudanças mais flagrantes no exterior, além da sinalética e da substituição do “B” (de Berardo) em neón, no interior do cubo em vidro no centro da praça central, onde agora figura um “M”.
Pese embora o novo desígnio, e o simbolismo do regresso do espaço do museu à gestão do CCB, pouco mudou no interior do espaço expositivo do MAC/CCB, cuja remodelação é assinada pela arquiteta Ana da Costa.
O piso 2 mantém-se praticamente intacto: é a exposição permanente da coleção Berardo com alguns acrescentos dignos de nota, como uma escultura de Louise Bourgeois, da Coleção Holma/Ellipse, ou uma pintura de Paula Rego da Coleção de Arte Contemporânea do Estado (CACE), O Impostor. É lá, também, na última das salas do percurso, que se mantém a tela de Pablo Picasso, Femme dans un fauteuil (métamorphose)(1929), que foi coberta de tinta na semana passada pelo grupo ambientalista Climáximo. “Está impecável”, diz Adão e Silva.
Nova é a exposição permanente Objeto, Corpo e Espaço, onde se cruzam obras da coleção Berardo, da coleção Ellipse, da Coleção de Arte Contemporânea do Estado, e da coleção Teixeira de Freitas. É “uma exposição que resulta de um alargamento das possibilidades de conexões entre obras, das possibilidades abertas pelo alargamento a outras temáticas e outras geografias que estes depósitos nos trazem”, define Delfim Sardo. A mostra, que se espraia no piso -1, “segue um percurso que parte dos movimentos artísticos que nascem durante a década de 1960 para se centrar na ligação entre as propostas individuais dos artistas, progressivamente menos reunidos em movimentos artísticos”, lê-se no texto que a acompanha. Ali se encontram obras de Ângela Ferreira e Jimmie Durham, Anish Kapoor ou Christian Boltanski, bem como “a obra número 1 da coleção do MAC/CCB”, define o administrador do CCB, também curador.
Trata-se de um acrílico, têmpera vinílica e colagem de Julião Sarmento: Estratégias de Sobrevivência (1984), que esteve patente na exposição retrospetiva do artista no último ano. “É uma doação da Helena Vasconcelos, dando o pontapé de saída na coleção própria do MAC/CCB”, explica o curador.
Também no piso -1, sob a forma de exposição temporária, a Coleção Teixeira de Freitas — agrupada pelo advogado brasileiro Luiz Augusto Teixeira de Freitas há muito radicado em Portugal, e que assinou recentemente um acordo de comodato com o Estado Português por dez anos (renováveis) — começa a ser revelada ao público com um foco claro: o desenho. Ou o Desenho Contínuo é o título da mostra (inspirado no título de um livro de Herberto Helder, Ou o Poema Contínuo, de 2001), que se prolonga até 24 de março. “Exigiu um grande esforço de contenção e por isso desdobramos a exposição em dois momentos”, explica Delfim Sardo. “Agora um primeiro momento até março e um segundo momento depois que vai continuar a explorar o desenho na Coleção Teixeira de Freitas.” A representação do corpo, a intervenção política, os mapas de organização do mundo ou as referências arquitetónicas são alguns dos temas que organizam as 111 obras em exposição.
Também temporária é a exposição de Berlinde De Bruyckere, artista belga que tem vindo a desenvolver um importante trabalho no campo da escultura, do desenho, da colagem e da instalação, trabalhando em torno de temáticas como a morte, a redenção, o sexo, a dor e a memória. Atravessar uma ponte em chamas, assim se chama a mostra patente no piso 0 do MAC/CCB, um título “simbólico”, já que a exposição “é toda sobre a ideia de mediação, da relação com o outro, da relação com o mundo, e como essa relação é sempre uma relação que implica a memória, a violência e frequentemente a sexualidade”, define Delfim Sardo.
Por ocasião da exposição, serão apresentadas duas performances do bailarino e ator Romeu Runa, que tem trabalhado com a artista belga ao longo dos últimos 15 anos, na Bélgica. Ao Observador, Berlinde De Bruyckere, que expôs pela primeira vez no país no ano passado, na Galeria Pedro Cera, em Lisboa, revela que há muito que estava a tentar trabalhar com o bailarino em território português, mas que por “várias razões acabou por nunca acontecer”. Acontece agora, com performances no espaço da exposição: a primeira é a 10 de novembro, a segunda será em fevereiro.
“Vai ser um primeiro ensaio também de articulação entre a performatividade e as artes visuais, que é uma tónica que nós queremos que esteja muito presente neste museu”, desvenda Delfim Sardo. Já o ministro da Cultura havia notado esta sexta-feira, durante a apresentação à imprensa, estar presente no “o único espaço no país em que temos um centro de artes performativas com esta dimensão e com estas características, associado a um espaço expositivo com esta dimensão e com estas características”. “Agora é o momento para explorar essa relação”, lançou.
Questionado pelo Observador sobre se está nos planos do CCB encontrar uma direção artística clara para as artes performativas, Delfim Sardo contesta: “Essa é uma questão que estará em cima da mesa, creio, mas vamos aguardar para o que vai acontecer com a nova presidência de administração. É uma questão para o futuro, não para já.”