São 440 mil ou 1,13% da população adulta de Espanha. É este o número de pessoas que terão sido abusadas pela Igreja Católica espanhola, de acordo com as conclusões do relatório encomendado em 2022 pelo Congresso espanhol para conhecer a dimensão do problema no país.

As mais de 100 páginas do documento foram esta sexta-feira apresentadas aos deputados da câmara baixa das Cortes Gerais, e têm por base mais de 8 mil entrevistas feitas ao longo do último ano.

A quase totalidade dos abusos, diz o relatório, terá sido cometida por trabalhadores laicos das instituições da igreja, com apenas 0,6% a serem atribuídos a padres e outros membros do clero.

De acordo com o provedor Ángel Gabilondo, a receptividade dos bispos à investigação foi variando. “Escrevemos a todos, alguns responderam-nos e deram-nos acesso aos arquivos. Mas não foram todos, um ou outro repreendeu-nos, disse-nos ‘o que é que estão a fazer?’”, disse numa conferência de imprensa depois da apresentação do relatório.

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O relatório foi aprovado pelo parlamento espanhol em março do ano passado, com os votos favoráveis de todos os partidos, à exceção do Vox, que votou contra.

Tal como aconteceu em outros países – incluíndo Portugal, onde o relatório dos abusos sexuais apresentado este ano apontou para um número mínimo de mais de 4.815 potenciais vítimas – a Igreja Católica espanhola desvalorizou a questão nos últimos anos, dizendo que, a haver casos, seriam “muito poucos”.

A realidade, no entanto, acabou por ser bem diferente; nos dias que antecederam a entrega do relatório, a expectativa era que o número de vítimas se cifrasse algures nas centenas de milhares, à semelhança do que aconteceu em França, onde foram relatados 330 mil casos de abuso. Expectativa que foi agora confirmada.

Como a Comissão calculou as 4.815 potenciais vítimas de abusos

Apontando o dedo ao “silêncio dos que poderiam ter feito mais para evitar” os abusos, Ángel Gabilondo instou os líderes religiosos espanhóis a “fazerem um esforço” para abrirem os arquivos, para que se possa ter uma melhor ideia da dimensão dos crimes cometidos sob os auspícios da igreja. “Seria importante que a Igreja olhasse para os seus arquivos e os disponibilizasse aos investigadores. Por questão de concordata, os arquivos são privados e portanto não podem ser abertos por outro organismo que não a Igreja”, explicou.

O responsável disse sentir o princípio de “uma mudança de atitude” nos membros da Igreja Católica espanhola, que, diz, pode indicar uma maior abertura a avaliar o flagelo dos abusos sexuais. “As vítimas não podem esperar mais. Já tinham falado para todas as direções, já tinham denunciado várias vezes. Agora, o que queremos são medidas de reparação”, disse.

Essas reparações, defendeu, podem passar pela criação de um fundo estatal de compensação às vítimas. “Podem ser feitas reformas para que [a igreja] colabore de forma direta, por exemplo, colocando dinheiro num fundo estatal ou disponibilizando os arquivos, ou modificando o Direito Canónico para que as vítimas tenham um papel predominante no Direito Canónico Penal”. Esta, defendeu, é “a melhor forma de encorajar, se não obrigar, a Igreja a colaborar” com o processo de reparação.

O provedor de justiça não se ficou pelas instituições religiosas, contudo. Apontando o abuso sexual de menores como “um dos problemas mais graves de Espanha”, Gabilondo frisou que é importante combatê-lo, e lembrou que “uma grande percentagem dos crimes de abuso sexual acontecem em meio familiar”. Nesse sentido, e ainda que não fosse o foco da investigação, o relatório revela ainda que 11,7% dos entrevistados (mais de 900 pessoas) foram vítimas de abusos, com a maioria dos crimes a serem cometidos no âmbito das próprias famílias.

Papa Francisco critica gestão dos casos de abusos sexuais na Igreja