Quatro meses depois do fim da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que decorreu em Lisboa na primeira semana de agosto com a presença do Papa Francisco e de cerca de 1,5 milhões de jovens católicos de todo o mundo, está a “mais de 90%” o processo de pagamento das contas da Fundação JMJ, o organismo criado pelo Patriarcado de Lisboa para organizar um dos maiores eventos algumas vez ocorridos em Portugal. Com a contabilidade quase finalizada, os gastos já totalizam cerca de 34 milhões de euros. Mas há uma garantia: o evento gerou um lucro significativo, que vai ser integralmente aplicado em projetos que beneficiem a juventude em Portugal.
Em declarações ao Observador, o cardeal Américo Aguiar, atual bispo de Setúbal e ainda presidente da Fundação JMJ, explicou que o apuramento das contas da parte da Igreja está quase finalizado. Os elementos da equipa de Américo Aguiar estão ainda a fechar a contabilização das principais despesas que a Igreja teve com a presença dos peregrinos em Portugal em áreas como a alimentação, os transportes e as infraestruturas para alguns dos principais eventos da JMJ.
No caso da alimentação, por exemplo, centenas de restaurantes e cadeias de alimentação da área da Grande Lisboa aderiram à rede alimentar da JMJ, disponibilizando um “menu peregrino” a todos os inscritos na Jornada — bastava apresentar a credencial com o código QR respetivo. Ao longo dos últimos meses, a Fundação JMJ tem estado a acertar as contas com todos estes fornecedores, pagando os respetivos “menus peregrino” conforme as faturas remetidas.
De acordo com números fornecidos por Américo Aguiar, só com os kits peregrino (mochilas entregues a todos os participantes com t-shirt, chapéu, garrafa de água e a credencial respetiva) e com o sistema de alimentação associado à compra do kit a Igreja Católica gastou 18,3 milhões de euros.
Também na área dos transportes, os participantes da JMJ tiveram acesso a um passe especial para andar por toda a área da Grande Lisboa — e o acerto de contas também também teve de ser feito. Neste setor, de acordo com as contas apuradas até ao momento, a Fundação JMJ gastou 6,7 milhões de euros.
O terceiro maior bloco da estrutura de custos da Fundação JMJ está associado às estruturas para eventos centrais e secundários. A Igreja gastou 5,1 milhões de euros em estruturas como o palco instalado no Parque Eduardo VII (com um custo na altura estimado em 450 mil euros) e várias outras estruturas usadas por toda a Grande Lisboa para centenas de eventos de pequena, média e grande dimensão que integraram a oferta cultural e religiosa da JMJ.
Em quarto lugar surgem os “recursos humanos, tecnologias de informação e serviços“, área em que a Igreja gastou 3,5 milhões de euros. Uma boa parte dos elementos que integraram a Fundação JMJ foram contratados para o efeito — enquanto outros foram voluntários ou então profissionais cedidos temporariamente por empresas parceiras da Jornada. A JMJ teve também de usar sistemas informáticos para a gestão das inscrições, entre outros.
Por fim, nas contas da Fundação JMJ surge também a rubrica “Fundo de Solidariedade“, que custou à Igreja 550 mil euros. Trata-se de um fundo que foi usado para apoiar a viagem até Portugal de peregrinos com poucos recursos e oriundos de países de onde dificilmente conseguiriam viajar sem ajuda. A Fundação JMJ prestou também ajuda prática na organização das viagens de peregrinos de múltiplos pontos do mundo no sentido de tentar assegurar a representação de todos os países em Portugal.
Somando apenas estas cinco principais rubricas do orçamento da Fundação JMJ, conclui-se que a Igreja Católica gastou pelo menos 34 milhões de euros com a organização do evento. O número final poderá, ainda assim, ser muito superior: antes do início da JMJ, por altura da polémica em torno dos custos do altar-palco do Parque Tejo-Trancão, Américo Aguiar tinha estimado que os gastos da Igreja Católica com a JMJ deveriam ultrapassar os 80 milhões de euros. Somando essa estimativa aos investimentos realizados pelo Governo e pelas câmaras de Loures, Lisboa e Cascais, o custo total da JMJ foi estimado em cerca de 160 milhões de euros — algo que ainda está por confirmar com exatidão.
Américo Aguiar não precisou, contudo, ao Observador o valor das receitas obtidas pela Igreja Católica com o pagamento das inscrições por parte dos peregrinos. No dia 1 de agosto, quando a JMJ começou, estavam inscritos cerca de 354 mil jovens. O valor pago pelos participantes variava entre os 50 e os 235 euros, consoante o regime de alojamento, alimentação e transporte escolhido, bem como dependendo de se ficavam toda a semana ou apenas no fim de semana das celebrações finais.
No final de setembro, numa conferência de imprensa a propósito da sua nomeação como bispo de Setúbal, o cardeal Américo Aguiar tinha afirmado que dentro de “algumas semanas” teria as contas finalizadas, atirando para entre outubro e novembro a divulgação desses dados. O mês de novembro acabaria por terminar sem que fossem conhecidos os números, mas o cardeal explica ao Observador que a equipa da Fundação JMJ tem vindo a trabalhar no acerto de todas as contas com o elevado número de prestadores de serviços que estiveram envolvidos na JMJ.
Lucro vai ser usado em projetos de juventude
Américo Aguiar reitera agora ao Observador aquilo que já tinha dito publicamente: que a JMJ deu um lucro significativo à Fundação JMJ, mas que a Igreja não vai ficar com nenhum dinheiro. “A Fundação JMJ/Patriarcado de Lisboa, a Câmara de Lisboa, a Câmara de Loures e o Governo, vamos trabalhar em conjunto para que o lucro material que resultará da JMJ, depois de cumpridos todos os compromissos legais, comerciais e de contratos, sejam aplicados em áreas que se cruzem com a vida dos jovens”, afirmou Américo Aguiar.
Podem estar em causa projetos relacionadas com a vida universitária, com o apoio a jovens deficientes, entre outros, mas tudo terá de ser definido em parceria com os outros organizadores da JMJ — governo central e local.
O cardeal que liderou a organização da Jornada Mundial da Juventude alertou também para o facto de as contas da Fundação JMJ só serem formalmente encerradas no dia 31 de dezembro, pelo que o relatório e contas da fundação relativo ao ano de 2023 só será conhecido no próximo ano, depois de ser auditado por uma auditora. Só aí será possível saber com exatidão a totalidade das despesas e das receitas, bem como o lucro total. A Fundação JMJ, que foi criada exclusivamente para o efeito de organizar a Jornada, deverá extinguir-se formalmente quando estiverem cumpridos todos os compromissos legais e financeiros.
A Jornada Mundial da Juventude de 2023 aconteceu em Lisboa entre os dias 1 e 6 de agosto deste ano. Estima-se que tenham estado presentes cerca de 1,5 milhões de jovens para uma semana de programação religiosa e cultural que culminou com uma celebração no Parque Tejo-Trancão presidida pelo Papa Francisco.
Criada na década de 1980 por iniciativa do Papa João Paulo II, a JMJ acontece periodicamente em diferentes países, reunindo a juventude católica global em torno do Papa. Este ano, aconteceu pela primeira vez em Portugal — e a próxima edição está agendada para 2027, na Coreia do Sul.