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"O que veio na rede hoje?" É a pergunta que se faz no Guelra, o novo restaurante que convida a um mergulho no mar

Este artigo tem mais de 6 meses

Bacalhau ao cubo, hamachi do Japão e "o que vem à rede é peixe". Do oceano para a mesa, o Guelra nasceu em Belém, a poucos passos do Tejo, para fugir à ideia tradicional de peixe e marisco.

No Guelra, os pratos principais não são fixos. Mudam consoante o que vem à rede
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No Guelra, os pratos principais não são fixos. Mudam consoante o que vem à rede

Henrique Isidoro

No Guelra, os pratos principais não são fixos. Mudam consoante o que vem à rede

Henrique Isidoro

História

Beja já lá vai longe mas as raízes estão cá. D’O Frade a gastronomia alentejana fez casa, mas a ligação à costa fez ferver o sangue na guelra para algo mais. Com o nome na gaveta, o conceito foi sendo construído sem saber que já há dois anos esperavam por ele. Ninguém sabia. Havia o slogan, havia a ideia, havia a vontade. Ocean to table virou Guelra e o restaurante da Calçada da Ajuda ganhou um irmão, a poucos metros de distância. Pedro e Sérgio Frade, dois “bons alentejanos”, são o coração deste projeto. A paixão pela comida vem de berço, lá do Baixo Alentejo, quando, ainda sem saberem andar, já exploravam o restaurante dos avós — a taberna Frade, de 1966. O nome foi o que ficou, para aquele primeiro espaço na capital, e de uma casa de cozinha alentejana O Frade cresceu para ser de cozinha de Portugal, servida ao balcão. “O Frade é comida de alma”, descreve Pedro, que, com confiança, se arrisca a afirmar que o restaurante já marcou o seu lugar na cidade de Lisboa.

Mas é do Guelra que se fala nesta mesa, embalada pelas ondas e pelos sabores do oceano. Com quatro anos de renome na Calçada da Ajuda há que continuar a sonhar e, aqui, sonha-se em alto mar. “Nós, como bons alentejanos de Beja, íamos muito para a Costa Alentejana, a vida toda. Vila Nova de Mil Fontes, Porto Covo. Então sempre gostámos muito do mar, sempre estivemos muito ligados ao mar. A minha família também pescava e comíamos muito mar. Gostamos muito do mar”, enfatiza Pedro. Com tanto mar nesta história de família não é difícil adivinhar o conceito deste novo restaurante. Ocean to table, ou do oceano para a mesa, em bom português — e sem esquecer o sotaque alentejano —, é a primeira coisa que se vê, ou lê, assim que se entra neste barco. Mas já lá vamos.

O Guelra abriu portas no número 35 da rua de Belém.

Com morada em Belém e o Tejo no horizonte, o Guelra abre portas para ser uma ode aos sabores do oceano. Para descobrir a oferta, basta mergulhar na carta. Totalmente dedicada ao peixe e marisco, esta cozinha de autor vem fugir do tradicional. Numa Lisboa onde o bom tempo reina e os banhos de sol são tomados numa esplanada enquanto se espera por um bom peixe grelhado, faltava uma abordagem diferente aos frutos do mar. Essa abordagem acontece aqui, no número 35 da rua de Belém. Turistas vão passando, portugueses também, mas quem fica são os curiosos ou os conhecidos d’O Frade que, entre conversas, dão conta que agora há um Guelra. “O desafio é fazer um restaurante para portugueses e de mar aqui no meio de Belém, onde é muito turístico. Eu acho que quem passa aqui nem está à espera”, confessa Pedro.

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Espaço

É fácil perceber quem reina nesta casa. Se o lema — escrito em letras grandes e luminosas sobre o balcão — não fosse claro o suficiente, a montra que exibe o peixe fresco logo à entrada do Guelra não deixa espaço para dúvidas. Com o azul e o branco a predominar, entramos num cruzeiro à antiga. O balcão convida a sentar e é quase imperativo que se peça uma imperial, logo ali à mão, ou um cocktail, enquanto se espera e assiste aos petiscos do mar a serem preparados. “O balcão pressupõe uma refeição mais descomplexada, uma refeição rápida. Sentar e estar aqui a ver o movimento da cozinha e do bar”, explica Pedro, que, usando O Frade como exemplo, revela o gosto dos irmãos por um espaço com balcão: “é como se fosse a nossa casa.”

À entrada do Guelra, o balcão convida a sentar

Henrique Isidoro

Lá fora o sol cai sobre a esplanada que, numa rua perpendicular à de Belém, não convida o vento entrar. “O conceito também puxa muito para a rua, para peixe, marisco. E aqui tem tanta luz que era quase criminoso não aproveitarmos a esplanada”, confessa. Aqui os tons de madeira começam a surgir, quase que como um presságio do que nos espera no último espaço do Guelra, mas o azul e o branco não descansam. Luminosa e acolhedora, a esplanada dispõe de 38 lugares nas mesas de mármore prontos para qualquer altura do ano. Mesmo nos dias mais frios, há aquecedores e mantas que aconchegam.

“Estávamos a falar das ondas. Cá estão elas.” É no piso de cima que as formas do mar se revelam mais marcadas. Os tons são os mesmos mas o castanho da pele dos bancos entra para fazer o corte. Nas paredes há ondas e a sua rebentação leva o nosso olhar até ao teto para descobrir a vida marinha pintada à mão — há alforrecas e lulas. Assim como em todos os espaços do Guelra, aqui a luz natural não falta. À noite, as luzes baixam e o ambiente torna-se mais intimo e sofisticado. “É como se fosse um jantar à noite num barco”, completa Pedro.

Também no andar de cima os elementos do oceano estão presentes

Henrique Isidoro

Comida

Quem conduz o leme deste barco é Manuel Barreto. Com a criatividade sempre presente, esta cozinha é baseada no respeito que o chef tem pelo clima e pela sazonalidade dos produtos. Assim, estes são sempre frescos, da época e, claro, do mar. Na carta não há peixe grelhado nem açorda de marisco, a abordagem é outra e podemos dizer que agrada bastante ao paladar. Dos petiscos aos principais, os pratos convidam a momentos de partilha através de uma viagem de sabores que parte de Portugal e tem paragens dispersas. Espanha, América latina, Japão, “se for bom, não interessa a origem”, confessa Manuel Barreto, que se apresenta como “uma pessoa muito aberta no sistema criativo”. Esse sistema acontece na cozinha, com as pessoas com quem trabalha. Da América do Sul foram vários companheiros que o inspiraram a utilizar os seus ingredientes e gastronomia na criação de alguns dos pratos. Mas antes de lá chegarmos, vejamos o que Portugal oferece.

Diretamente da Ria Formosa para a carta do Guelra, as Ostras à Algarvia (4,5€/uni) invocam o verdadeiro sabor do mar logo à entrada. Frescas e suculentas como sempre, neste restaurante são complementadas por sabor, e muito. Na sua concha há espaço para o picadinho à algarvia, uma mistura clássica dos sabores da salada da região sul, temperado com gel de limão e com um picante caseiro, à base de malagueta e alho, que casa de forma perfeitamente equilibrada com a frescura do produto. Também para começar, ao cubo, há bacalhau. Composto por três peças diferentes, o Bacalhau 3 (7€/uni) surgiu como uma tentativa de “trazer uma abordagem diferente no produto que existe muito aqui à nossa volta”. Na base estão sames de bacalhau, que, desidrato e frito, oferece uma textura crocante ao prato. Em cima, uma brandade e, no topo, uma língua confitada.

O Bacalhau ao cubo e os Bikinis

Henrique Isidoro

Não fosse o nosso país vizinho ser conhecido pela cultura das tapas, é na secção de partilha da carta do Guelra que começa a surgir a inspiração espanhola. À mesa, as pequenas puntinillas (8€) chegam com um aspeto crocante, completado pelo sabor, que lembra o choco frito de Setúbal. Também de Espanha, vêm os bikinis (12,5€) que, conta o chef, são inspirados num prato típico que provou na sua lua de mel. Compostos por muxama de atum, tapenade, queijo e sriracha, são apresentados em rolos sobre uma cama de romesco.

Ainda para partilhar, há camarão panado (11€) no pó das próprias cascas e algas da horta (11€), que chegam à mesa em tempura, acompanhadas por húmus. Do Japão, o maguro sando (18€) é a estrela da casa. “Toda a gente gosta e fala dele”, revela. Foi fácil perceber o porquê. Visualmente é uma sandes de atum mas vai muito além disso. Do pão ligeiramente crocante ao atum rabilho suculento, o maguro sando é completado pela coleslaw e pelo picante sriracha, um molho coreano.

O Maguro Sando é, segundo o chef, a estrela do Guelra

Nos principais a coisa muda, e muda todos os dias. “A ideia é respeitar aqui as micro sazonalidades e as épocas boas de cada produto”, afirma Manuel Barreto, explicando que a falta de uma carta fixa de pratos principais permite que a criatividade seja uma constante. As sugestões podem ser diárias ou semanais e seguem sempre a frescura dos produtos. Desta forma, o Guelra oferece uma experiência diferente de todas as vezes que cá se passa.

O que veio na rede hoje? Corvina, polvo e hamachi. Pela Guelra (23€) provámos, com inspiração na América do Sul e no Japão, uma tortilha de banana-pão com hamachi, pico de gallo e puré de banana-pão. Do Oceano para a Mesa (29€), o polvo chegou muito suculento, glaceado com molho teriyaki e com amêndoa palitada por cima, acompanhado por puré de amêndoa, molho de cabeça de camarão e picadinho à algarvia, ligeiramente mais cítrico do que aquele que partilhava a concha com a ostra.

No Guelra, não há pratos principais fixos

Henrique Isidoro

Quanto aos cocktails, tudo fica igual. Do Expresso Martini (10€)— ou “A Bica dos Frades” — ao Guerla Sour (10€), com vodka, limão e o verdadeiro sabor da maçã, as bebidas são cuidadosamente elaboradas para combinarem com os sabores do mediterrâneo. Nos vinhos, há um que se destaca. “O meu pai faz vinho de talha de longa guarda”, contou Pedro logo no início da nossa conversa. É esse que se serve aqui e que se apresenta como o vinho da casa. De produção própria no Alentejo, o Guelra branco é assim um vinho exclusivo do restaurante, “um vinho só vendido aqui”, e que, podemos dizer, acompanha muito bem os produtos do mar.

Por fim, também os doces invocam o oceano. Há a cremosa tarte de queijo do Guelra (6€), que, ao estilo Basco, convida nuetros hermanos a passarem por cá, os churros com toffee do mar (4,5€) ou a pérola do Oceano (8€), que esconde na frescura do gelado de ameixa uma ameixa grelhada.

Pérola do Oceano (8€)

“Cuidado, está quente” é uma rubrica do Observador onde se dão a conhecer novos (e renovados) restaurantes e cartas.

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