O redesenho do símbolo oficial do Governo — sem castelos nem esfera armilar — foi alvo de várias críticas da oposição e terá mesmo os dias contados se o PSD vencer as eleições: Luís Montenegro já prometeu dispensar o novo logótipo caso seja Governo. O designer Eduardo Aires — que recebeu 74 mil euros para mudar identidade visual — refere-se, em declarações ao Observador, a uma “alegada desvirtuação da bandeira”e considera esta uma “falsa questão”. Sobre o desaparecimeto de elementos da bandeira, defende que o logótipo do Governo não tem de ter “narrativas históricas fundacionais”.

Eduardo Aires diz, no entanto, compreender as críticas e considera “natural que se produzam”, mas acredita que estas “possam ser dissipadas com informação e esclarecimentos”. Para o designer “a nossa bandeira é um símbolo nacional consagrado pela Constituição, e não é minimamente posta em causa por este símbolo. Muito pelo contrário”.

O criador do símbolo — composto por dois retângulos, um verde e outro vermelho e uma bola amarela ao centro — entende que o trabalho em causa “não se reduz a um logótipo, sendo bastante mais vasto”. E afirma: “O escrutínio público é pouco consciente destes processos e tende a caricaturar as situações. Esta encomenda implicou a conceção de um sistema de identidade e arquitetura de marca, neste caso bastante complexo dados os vários níveis da estrutura governamental”.

Ao Observador, Eduardo Aires utiliza três grandes argumentos para se defender das críticas: a comparação com outros casos, a ideia que o símbolo pode ser desprovido de narrativas históricas e, mais uma vez, a ideia de que o logótipo é ecológico.

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Argumento 1. Reino Unido, Alemanha e França também mexeram com a bandeira

Para se defender das críticas, Eduardo Aires faz um paralelismo com outros países e apresenta exemplos de símbolos de outros governos que relacionaram, de várias formas, os símbolos das nações e as suas bandeiras. “Não as comprometem por causa disso. São coisas diferentes”, defende.

“O símbolo do Governo do Reino Unido é diferente da ‘Union Jack’. O símbolo do governo alemão é diferente da bandeira nacional alemã, embora inclua as suas cores, dispostas verticalmente numa barra fina. O símbolo do governo francês alude à bandeira tricolor mas com a silhueta da Marianne ao centro”, exemplifica Eduardo Aires.

“Wokismo” e “apoucamento quase criminoso” da bandeira. As críticas após Governo criar nova identidade visual

Ainda sobre a simplicidade da solução final encontrada para o símbolo português, o designer garante que por trás da opção atual “estão muitos meses de trabalho dialogado, em que se pensaram outros caminhos e se produziram muitas outras possibilidades”. E vincula o Governo à solução. Eduardo Aires diz que “importa esvaziar a ideia de que a solução é uma opção pessoal, imperativa ou solitária”. E acrescenta: “A solução resulta de um processo evolutivo, participado e orientado pela Direção de Comunicação do Governo, e finalmente aprovada por esta entidade.” Ou seja: Eduardo Aires teve a aprovação da equipa de João Cepeda, a equipa de comunicação que trabalha diretamente com António Costa.

Argumento 2. Símbolo do Governo não tem de ter “narrativas históricas fundacionais”

Um dos principais motivos de desaprovação em relação ao novo símbolo é a exclusão integral do escudo de armas e dos restantes elementos que o compõem. Nuno Melo, líder do CDS, em declarações ao Observador considerou “ridículo e um apoucamento quase criminoso” transformar o escudo das armas — “o mais permanente símbolo de Portugal em todas as bandeiras e a esfera armilar, que traduz o trajeto de Portugal no mundo” — num mero elemento circular amarelo.

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Questionado sobre se os elementos foram excluídos por estarem associados ao colonialismo ou melindrarem religiões, Eduardo Aires não dá um resposta direta, mas defende que o logótipo não tem de ter essas referências históricas. “O símbolo do Governo pode ser autónomo das narrativas históricas fundacionais, e das formas que as representam, e isso não quer dizer que as contrarie ou que lhes renuncie”, afirma. Para o designer, tratam-se de símbolos distintos, “que representam dimensões diferentes e desempenham outras funções”. Além disso, recorda que a bandeira portuguesa “vai continuar a ser honrada, hasteada e respeitosamente utilizada em representação do nosso país”.

De um ponto de vista prático, o designer diz que a prioridade na criação do símbolo foi a “garantia de eficácia visual em pequena escala”, para “melhorar o desempenho comunicativo em ambientes digitais e dinâmicos”. E é assim que justifica a eliminação da esfera armilar e dos seus elementos — com a redução do grau de detalhe. Recorda ainda que o “favicon” das páginas do Governo — o pequeno pixel que surge junto aos links do site — já tinha apenas o verde e o vermelho da bandeira.

Eduardo Aires também tenta reforçar que o símbolo que criou não é utilizado por todos os órgãos da República: “Representa apenas um dos quatro órgãos de soberania nacional, e não a sua totalidade”. E argumenta: “Este órgão em particular conduz a administração do país, portanto a visibilidade do símbolo é maioritariamente administrativa.” Isto não é exatamente assim, uma vez que o Governo na publicidade institucional (que possa fazer em mupis, outdoors ou até em publicidade televisiva) também vai utilizar o símbolo minimal.

Sobre se houve um pedido expresso do Governo de António Costa para a remoção elementos como  a esfera armilar, o designer limita-se a dizer que a proposta final “aprovada pelo Governo” resultou de um “processo longo, refletido e evolutivo e não de uma decisão a priori de qualquer das partes”.

Argumento 3. É um símbolo ecológico porque contribui para “reduzir expressão física”

Uma dos aspetos que tem sido mais questionado do novo grafismo da República Portuguesa é a alusão, por parte do Governo, a um alegado benefício ecológico que o símbolo traz. “Como é óbvio, o símbolo não é ecológico em si mesmo, mas integra um sistema que — ao desmaterializar a comunicação, adotando plenamente os canais digitais — contribui para a redução da sua expressão física e portanto da sua pegada ecológica”, assegura Eduardo Aires, que lembra a integração desta medida numa “dupla transição digital e climática é um eixo fundamental de desenvolvimento, transversal a toda a Estratégia Portugal 2030”.

Uma justificação idêntica já tinha sido apresentada por fonte do gabinete do primeiro-ministro ao Observador, que justificou que “esta mudança serve de incentivo a centrar toda a comunicação do Governo num ambiente desmaterializado, para evitar a impressão desnecessária de todo o tipo de documentos, estacionário, cartões de visita, entre outros”.

O designer reforçou ainda a vantagem da redução da complexidade do símbolo que “favorece comportamentos dinâmicos” e é também assim que justifica os recursos necessários para criar o símbolo. Sobre as críticas que o símbolo podia ter sido feito por uma criança ou apenas no programa paint, o designer destaca foi necessária uma secção de motion design e sound design para responder ao requisito da adaptação aos meios digitais. “Naturalmente tudo isto implica tempo e equipas e profissionais especializados”, conclui.