A auditoria levada a cabo pelo Hospital de Santa Maria revela que foi mesmo o à época secretário de Estado da Saúde da Saúde António Lacerda Sales a marcar a consulta para as gémeas luso-brasileiras, avançou a CNN e confirmou o Observador, que viu o documento. As crianças acabariam por receber em 2020, naquela unidade hospitalar, o medicamento mais caro do mundo — o Zolgensma.

No documento, existem quatro referências ao Secretário de Estado da Saúde, e que confirmam que o ex-governante interveio no sentido de marcar a consulta para as gémeas. Uma das referências surge no texto e as outras duas num quadro, em frente aos dois casos das gémeas, num total de dez (identificados pela auditoria) que não foram referenciados para o Hospital de Santa Maria por nenhuma outra unidade de saúde.

Lacerda Sales insiste que não marcou consulta para as gémeas luso-brasileiras e Marta Temido falará apenas “quando for oportuno”

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Esses dois casos dizem respeito às gémeas luso-brasileiras, que a auditoria revela que foram referenciadas pelo Secretário de Estado da Saúde. Embora a auditoria nunca refira o nome do governante, a formulação surge sempre no masculino (Secretário de Estado), o que indicia tratar-se de António Lacerda Sales, já que, no final de 2019, era um dos dois secretários de Estado da ministra Marta Temido — o elenco governativo do Ministério ficava completo com Jamila Madeira.

Na audição no Parlamento, na manhã desta quarta-feira, a presidente do Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Norte, que integra o Santa Maria, referiu-se sempre à marcação da consulta como tendo sido realizada pela Secretaria de Estado da Saúde e não pelo Secretário de Estado, evitando apontar nomes. Pouco depois, Lacerda Sales voltou a afirmar que não marcou nenhuma consulta. As declarações do ex-Secretário Estado, aos microfones da Antena 1, foram feitas ainda antes de começarem a ser revelados os detalhes da auditoria, que faz referência explícita à intervenção do Secretário de Estado na marcação da referida consulta.

A auditoria, aberta no dia 9 de novembro e concluída esta terça-feira, também aponta o modo como a marcação foi feita: por telefone, através da Direção de Departamento de Pediatria. Desta forma, Lacerda Sales terá violado uma portaria, publicada em 2017, que detalha a estipula as regras específicas de acesso a uma primeira consulta hospitalar. No artigo 8º da portaria 147/2017, pode ler-se que o poder de referenciação para primeira consulta hospitalar está reservado apenas aos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES), hospitais do SNS ou de fora do SNS, outros serviços hospitalares do mesmo hospital, centro de contacto do SNS ou então através da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados.

Referenciação das gémeas foi a única exceção na marcação de consultas em Santa Maria

No caso das gémeas, a marcação foi feita diretamente, o que não se enquadra nas regras da portaria. Segundo a auditoria do Hospital de Santa Maria, em todos os outros casos de crianças que receberam o medicamento Zolgensma, para a atrofia muscular espinhal, “não foram detetados desvios nos procedimentos de controlo internos”.

“Não marquei nenhuma consulta”, reafirma Lacerda Sales

A auditoria — que foi entretanto remetida pelo Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Norte, que integra o Santa Maria, para o Ministério da Saúde e para a Inspeção Geral das Atividades em Saúde — revela ainda que a primeira consulta das gémeas luso-brasileiras no hospital ocorreu a 5 de dezembro de 2019.

Em reação às conclusões da auditoria, apresentadas esta quarta-feira no Parlamento pela presidente do CHULN Ana Paula Martins, Lacerda Sales voltou a afirmar que não marcou qualquer consulta para as gémeas luso-brasileiras e garante que não teve conhecimento de qualquer pedido que tenha partido do seu gabinete.

Não marquei nenhuma consulta no SNS e por isso estou perfeitamente tranquilo em relação a este assunto. Começaram por dizer que tinha sido eu a marcar uma consulta e já perceberam que não fui. Depois, haveria um e-mail, não há nenhum e-mail. Já pedi os documentos várias vezes”, disse o antigo secretário de Estado da Saúde, em declarações à Antena 1.

Lacerda Sales disse não ter tido conhecimento do telefonema em causa e acrescentou que “gostaria de ter documentos que o comprovassem”, já que, nas atuais circunstâncias, a informação disponível fica no “campo das suposições e das indefinições”.