Quase dois terços das pessoas com deficiência estariam em risco de pobreza em 2022 sem prestações sociais, contra 35,5% das pessoas sem deficiência, revela um relatório do Observatório da Deficiência, que destaca a incapacidade em reduzir estas disparidades.

Os dados constam do relatório “Pessoas com Deficiência em Portugal – Indicadores de Direitos Humanos 2023”, que é apresentado, esta quarta-feira, em Lisboa, e segundo o qual registaram-se progressos no acesso ao emprego para as pessoas com deficiência, mas aumentou a vulnerabilidade destas pessoas face à pobreza e exclusão social, mantendo-se as desigualdades entre quem tem ou não deficiência.

Segundo o relatório, com base em dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), “62,3% das pessoas com deficiência com mais de 16 anos enfrentavam, em 2022, risco de pobreza antes de transferências sociais, contra apenas 35,5% das pessoas sem deficiência”.

Estes valores representam “uma disparidade entre ambos os grupos de 26,8 pontos percentuais [p.p.]”, lê-se no documento, que sublinha que os apoios sociais acabaram por ter um “impacto mais expressivo” para a mitigação da pobreza entre as pessoas com deficiência.

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“Em 2022, por exemplo, a taxa de pobreza recuou 42,3 p.p. após transferências sociais no caso das pessoas com deficiência, mas apenas 21,5 p.p. na população sem deficiência”, refere.

Para o Observatório da Deficiência e Direitos Humanos (ODDH), estes resultados demonstram o “papel vital” que os benefícios sociais têm para a redução da pobreza, “sugerindo a limitada disponibilidade de fontes alternativas de rendimento para este grupo” em Portugal.

Em declarações à agência Lusa, a coordenadora do ODDH destacou a “dificuldade persistente” e a incapacidade que o país tem tido em reduzir as diferenças entre as pessoas com e sem deficiência.

Segundo Paula Campos Pinto, “essas desigualdades são praticamente as mesmas” das detetadas em 2015.

Embora tenhamos melhorado um bocadinho, reduzindo o risco de pobreza da população com deficiência, mas como também reduziu da população em geral, o ‘gap‘ mantém-se e eu acho isso muito preocupante. Nós não conseguimos recuperar essa desigualdade estrutural histórica que as pessoas com deficiência mantêm na nossa sociedade”, defendeu.

Para o relatório foi analisado o período entre 2015 e 2022, tendo-se constatado que a taxa de risco de pobreza nas pessoas com deficiência com 16 anos ou mais após transferências sociais “regista apenas um ligeiro decréscimo de dois pontos percentuais”, além de que permanece “quase inalterada em todo o período a disparidade entre pessoas com e sem deficiência”.

Além da proteção social e condições de vida, o relatório tem indicadores em outras três áreas: discriminação e acesso à justiça, educação, e trabalho e emprego, sendo que em relação a esta última há melhorias, “embora se verifiquem dificuldades acrescidas para as mulheres com deficiência”.

No entanto, a taxa de desemprego recuou menos entre as pessoas com deficiência e os dados do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) mostram “um aumento de 4,6% no número de pessoas com deficiência inscritas como desempregadas”.

Em relação à educação, o relatório aponta que “o abandono escolar precoce é mais frequente nos alunos com deficiência”, sublinhando que em 2020, e analisando os alunos entre os 18 e os 24 anos, a taxa de abandono era de 22,1%, “ou seja, mais 13,6 p.p. do que nos alunos sem deficiência”.

“Constata-se que a disparidade entre a taxa de abandono escolar dos jovens com e sem deficiência em Portugal tem vindo a aumentar, (…) contribuindo para um agravamento do fosso entre a população com e sem deficiência”, lê-se no relatório.

Combate às “desigualdades persistentes” entre pessoas com e sem deficiência exige políticas robustas

A coordenadora do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos (ODDH) defendeu, esta quarta-feira, que são precisos mais investimento financeiro e “políticas robustas” que corrijam as desigualdades “persistentes” entre pessoas com e sem deficiência.

Em declarações à agência Lusa, por ocasião da divulgação do relatório que é apresentado esta quarta-feira, Paula Campos Pinto destacou que há uma “dificuldade persistente”, visível em várias áreas.

É a incapacidade que temos tido de reduzir o diferencial entre a população com deficiência e sem deficiência do nosso país, ou seja, as desigualdades, sejam elas, por exemplo, no emprego ou no risco de pobreza”, apontou.

A responsável entende, por isso, que o país precisa de políticas direcionadas para corrigir estas desigualdades.

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“Precisamos de políticas robustas e quando eu falo de políticas robustas, falo também necessariamente do ponto de vista financeiro e isso é muito importante”, defendeu.

Apontou que existe atualmente uma Estratégia Nacional para a Inclusão das Pessoas com Deficiência (ENIPD), “que supostamente seria esse instrumento de política que congregaria as várias áreas”, mas sobre a qual, “infelizmente”, não tem sido possível avaliar os progressos da aplicação.

“Não há relatórios públicos para nos informarem desse avanço da implementação da estratégia e acho que um instrumento como a estratégia é fundamental para articular justamente as várias áreas”, apontou.

Salientou que, no período em análise, aumentou a taxa de emprego entre as pessoas com deficiência, “que até cresceu mais do que a taxa de atividade da população sem deficiência”, e aumentou a taxa de escolarização, sobretudo ao nível do ensino superior, mas paralelamente aumentou igualmente a vulnerabilidade destas pessoas face à pobreza e exclusão social e o número de pessoas registadas nos centros de emprego.

O indicador sobre a disparidade no emprego entre pessoas com e sem deficiência tem diminuído, algo que “poderá ser explicado pela quebra muito acentuada no emprego na população em geral durante e após a pandemia, e que só lentamente tem vindo a ser recuperada”.

Precisamos de facto de políticas que apoiem financeiramente os empresários que contratam estas pessoas. Que apoiem a realização de adaptações, sejam elas do edificado, sejam elas de outra natureza, para que permitam a participação de pessoas com níveis de necessidades diferentes no mercado de trabalho”, apontou.

“E precisamos, de facto, de uma sociedade toda ela inclusiva para fomentar esta participação e apoiar e suster esta participação”, acrescentou.

Criticou, por outro lado, que faltem dados atualizados sobre a implementação da legislação da educação inclusiva, salientando que os relatos “apontam para grandes problemas na implementação dessa legislação”, que apontou como “bastante progressista”, mas que falha na prática, nomeadamente devido à falta de recursos.

Denunciou situações de segregação de alunos com deficiência, “sobretudo aqueles que têm problemas mais complexos”, e um “desfasamento entre o espírito da lei e aquilo que está a acontecer em muitas escolas”.

Há que fazer mais formação dos professores de uma forma geral, porque a inclusão escolar é fundamental, mas a inclusão escolar bem-sucedida prepara um terreno fértil para a inclusão laboral, não só pela formação que dá às pessoas com deficiência, mas pela formação que dá às outras crianças e jovens”, defendeu Paula Campos Pinto.

Falta de meios nos tribunais limita autonomia das pessoas com deficiência

O novo Regime do Maior Acompanhado, que define medidas de acompanhamento para adultos com deficiência, tem falhas e dificuldades na implementação, revela um estudo divulgado esta quarta-feira, que aponta falta de recursos nos tribunais e persistência de uma visão assistencialista.

Os resultados fazem parte do projeto ‘Equal’, promovido pelo Observatório da Deficiência e Direitos Humanos (ODDH) e pelo Centro Interdisciplinar de Estudos do Género do ISCSP – Universidade de Lisboa, que analisou 752 sentenças proferidas ao abrigo do Regime do Maior Acompanhado, entre fevereiro de 2019 e fevereiro de 2023, nas comarcas de Lisboa, Évora e Viana do Castelo.

O estudo, para o qual foram entrevistados 31 profissionais e famílias de pessoas com deficiência, explica que “com a nova lei, as pessoas maiores de 18 anos que se encontram impossibilitadas de exercer os seus direitos podem beneficiar de medidas de acompanhamento personalizadas para cada situação”.

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No entanto, da análise feita, foi possível perceber que em 82% dos casos o juiz optou pela “medida mais restritiva de acompanhamento”, atribuindo poderes de representação geral aos acompanhantes da pessoa com deficiência, o que contraria as recomendações do Comité das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Uma realidade que muda ligeiramente quando analisado o período entre fevereiro de 2022 e fevereiro de 2023, em que descem para 78% as sentenças de representação geral e sobem para 21% as sentenças que decretam representação especial, “uma medida de acompanhamento menos restritiva em termos de direitos”.

Com a nova legislação, “a restrição de direitos pessoais deve ser excecional”, no entanto, o estudo verificou que isso aconteceu apenas em 10% das sentenças analisadas.

Entre as 752 sentenças, 84% definiam que as pessoas com deficiência não podiam fazer testamento, 72% não podiam exercer responsabilidades parentais, o que inclui perfilhar, adotar ou exercer direitos reprodutivos, 60% não podiam casar, 53% não podiam deslocar-se ou fixar domicílio, 29% não podiam escolher profissão e 13% estavam impedidos de votar.

Os resultados revelam que a implementação deste novo regime “é um processo complexo”, que “abre novas oportunidades para o exercício de direitos”, mas também “enfrenta múltiplas tensões e dificuldades”, seja por fatores económicos, políticos ou sociais.

Desde logo a insuficiência de recursos nos tribunais e a pressão do tempo e do volume de processos parecem colidir com os requisitos de uma legislação que é ‘necessariamente mais lenta’ pela atenção que se exige para determinar medidas de apoio ajustadas a cada caso”, lê-se no relatório.

Por outro lado, alerta para a “persistência nos Tribunais (como na sociedade portuguesa, em geral) de uma visão da deficiência ainda demasiado assistencialista e baseada no modelo médico, que enfatiza incapacidades, em detrimento da promoção e apoio ao direito à autodeterminação”.

Defende, por isso, que é preciso continuar a promover ações de formação de magistrados, peritos, técnicos e famílias sobre o novo paradigma, com vista a “promover o apoio à decisão, em detrimento da representação (em que o acompanhante decide e o acompanhado fica impedido de exercer direitos) “.

Entende igualmente que é preciso capacitar as pessoas com deficiência intelectual e psicossocial, “preparando-as e apoiando-as no exercício do seu direito à autodeterminação”.

Por último, recomenda a revisão da legislação “para que sejam clarificados alguns conceitos, como o âmbito e o conteúdo dos regimes de acompanhamento”.