Bem-vindos ao mundo encantado dos cogumelos, onde há portobello, shimeji, shitake. Qual Leopoldina da restauração, Sacha Gielbaum recebe-nos com entusiasmo neste seu Black Trumpet que, em conjunto com o sócio, Emil Stefkov, idealizou como “um portal para o fascinante mundo dos cogumelos”. E para lá transporta, desde inícios de novembro, quem entra pelas arcadas do número 31 da Calçada Ribeiro Santos, no bairro de Santos, em Lisboa, a que o primeiro, nascido em Paris, chama hoje de casa.

Atravessou o Atlântico há cerca de 7 anos, vindo do Rio de Janeiro. Apaixonou-se por Lisboa e pela restauração. “Queria criar uma nova bolsa de magia” na cidade, confessa ao Observador, vontade que coincidiu com “um renascimento da hospitalidade em Portugal”. E assim o fez com o Yamba, na Costa da Caparica, que, depois de ser considerado um dos 10 melhores beach clubs do mundo pela Condé Nast Traveller, ardeu, em 2021, e fechou. No ano passado, Sacha e Emil fundaram o Reîa Collective, coletivo de hospitalidade que alberga o Casa Reîa, irmão mais novo do Yamba, e agora o Black Trumpet e o No Convento, que abriu portas há duas semanas no antigo Convento das Bernardas, na Madragoa.

Nascido em Paris, mas a viver em Lisboa há 7 anos, Sacha é apaixonado pela cidade e um orgulhoso residente do bairro de Santos

Voltemos então aos cogumelos e, nesta instância, aos adaptogénicos que Sacha toma todos os dias — “são muito eficazes para o cérebro”, explica sobre o hábito que inspirou o conceito. Dos suplementos para o prato, foram mais de 160 as experiências gastronómicas que a equipa da cozinha do Casa Reîa abrolhou até chegarem ao menu final do Black Trumpet, curto, inovador, carregadinho de fungos apropriados para consumo, que se apresentaram aos fregueses 6 curtas semanas após o início da construção do espaço. Nessa esfera mais logística, Sacha concede os louros ao sócio, Emil, um “talentoso homem de negócios” natural da Macedónia, com projetos de restauração nos EUA que se estendem de Nova Iorque a Washington, passando por Chicago e Miami. “Ele é muito forte nos protocolos e na operação. Eu sou bom na parte experimental. Juntar as nossas forças fez acontecer magia.”

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Espaço

Qualquer semelhança com o simpático Lulu, Um Pub Bonito não é coincidência. O chão continua o mesmo, o layout também. Tudo o resto mudou. Ao fim de uma longa negociação, o Reîa Collective conseguiu conquistar todo o prédio, que Sacha “tinha no radar” desde que se mudou para Lisboa. Saiu o Lulu, entrou o Black Trumpet. No piso térreo fica agora o restaurante, no primeiro andar são os escritórios, num espaço de 300 metros quadrados a partir de onde o francês nos atendeu a videochamada, dias depois de visitarmos o restaurante. “Se olhar aqui para o meu escritório”, diz, enquanto move o telemóvel, “temos vários livros sobre cogumelos. Tenho uma política: orçamento ilimitado para os livros e para o conhecimento da equipa. Ler, ler, ler e experimentar.” Em cima dos escritórios, são apartamentos, também deles. “Apoderámo-nos de todo o prédio.”

O projeto de design de interiores é de Juliana Cavalcanti, que também chamaram para o Casa Reîa e para o No Convento

O projeto de design de interiores é de Juliana Cavalcanti, que também recebeu a pasta no Casa Reîa e no novo No Convento. A “bonita paleta de cores” do chão de pedra original, que decidiram manter, foi o fio condutor que aplicaram a todo o espaço. Tons terra, cores da natureza, um ambiente acolhedor, mas sofisticado. “E, ao mesmo tempo, sexy”, propõe Sacha. “Quisemos fazer algo casual, confortável e elegante. Seguimos a natureza e as cores que ela nos dá.”

É restaurante e é neo-jazz club, com o DJ Spiro na mesa de vinil ou o pianista residente, Duke, que se senta em frente ao piano Rhodes “uma ou duas vezes por semana”. Uma vez por mês, organizam um dos seus “grandes eventos”, com os quais se propõem a mergulhar nas profundezas do mundo dos cogumelos através de workshops, provas especiais, expedições de colheita de cogumelos ou exibições de filmes como o “Fantastic Fungi”, de Louie Schwartzberg, que lhes concedeu os a licença de projeção.

Comida

Com forte ligação ao terroir português, a carta de almoço e jantar dedica-se aos cogumelos e produtos vegetais e locais. Há um prato de peixe e outro de carne, para satisfazer todos os estômagos, mas os cogumelos estão sempre presentes. O conceito é forte e inescapável, a carta é sazonal, criada pelos chefs Pedro Henrique Lima (corporate chef), Carolina Pires Ramos (head chef) e Rafael Sousa (sous chef). No prato, chegam à mesa produtos de pequenos produtores locais, cozinhados no ponto para realçar sabores com caráter. Para começar, destacamos o Mush and Chips, cogumelos enoki panados com batatas fritas e sal de cogumelos da casa acompanhado com natas azedas de rábano picante (16 euros). Para continuar, o Gnocchi de queijo fresco, ervilha, beurre blanc de vinho do Porto branco e Cantharellus cibarius (24 euros) ou o Arroz Porcini com “queijo” de caju curado e conserva de cebola pérola (22 euros).

O gnocchi de queijo fresco é uma das delícias da carta, com ervilhas, afogado em beurre blanc de vinho do Porto branco, sem esquecer os cogumelos Cantharellus cibarius

Sem surpresas, também os cocktails são preparados com cogumelos — e o travo é impossível de ignorar. Frescos, vibrantes, chegam como complemento aos pratos, foram pensados pela mesma equipa. “Preparamos os pratos certos, pomos a playlist certa a tocar, imergimos no restaurante para os provarmos e decidirmos se faziam, ou não, sentido para aquele espaço”, conta o cofundador sobre o processo criativo. Maurício Leal é o head bartender responsável por esta carta, onde se destacam o Coriander Sour, com sake, chartreuse verde, cordial de coentros, solução salina e óleo de coentros (11 euros) e o Shitake Mule, uma reinterpretação do Moscow Mule com rum escuro infundido com shitake, lima, cerveja de gengibre, espuma cítrica e shitake seco (11 euros).

Desengane-se, desde já, quem vai em busca de tostas de abacate ou de salmão fumado na carta de brunch, servido aos sábados e domingos, das 9h às 15h. “Estou a dizer-lhe, não os vai encontrar na carta”, garante Sacha. “Queríamos oferecer algo diferenciador em relação ao que se costuma ver em Lisboa.” Têm “cogumelos fantásticos”, adverte, não fosse falhar-nos a memória, têm ovos mexidos com trufa, focaccia com juba de leão, sanduíche de pulled pork com molho barbecue caseiro, panquecas de matcha “deliciosas”, com coulis de frutos vermelhos. “É isso que fazemos. Não é o brunch instagramável do costume, é um brunch elevado.”

O “brunch elevado” não esqueceu os bons amigos da burrata, aqui acompanhada por tomate marinado e manjericão

Só faltam mesmo os cogumelos mágicos, brincamos deste lado. Sacha ri-se. “Sim, eu sei”, considera, por momentos, antes de rematar: “Não vou comentar.” Mas acaba por acrescentar, sorridente, antes de fecharmos a chamada: “Quem sabe, em off.

“Cuidado, está quente” é uma rubrica do Observador onde se dão a conhecer novos (e renovados) restaurantes e cartas.