Na entrega do “acordo histórico” da COP28, o sultão Al Jaber, que presidiu à cimeira que decorreu no Dubai e que durou quase três semanas, disse que não bastavam os “apelos” e incentivou os países a agir. “Somos o que fazemos, não o que dizemos”, reiterou, seguido de aplausos e abraços de representantes. E foi isso que fez. Agiu, mas contrariamente ao que o documento previa.

Dois dias depois de quase 200 países terem assinado o Global Stocktake que, entre outras medidas, apela à “transição longe dos combustíveis fósseis” — sendo a primeira vez que o termo referente ao petróleo, gás e carvão consta do relatório — o sultão, que também é diretor-executivo da empresa nacional de petróleo e gás dos Emirados Árabes Unidos (EAU), Adnoc, avançou ao The Guardian que vai continuar a investir nos mesmos.

COP28 aprova acordo histórico para transição global dos combustíveis fósseis

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“A minha abordagem é muito simples: vamos continuar a atuar como um fornecedor responsável e fiável de energia com baixo teor de carbono e o mundo vai precisar dos barris com menor teor de carbono e ao mais baixo custo”, disse, assegurando, no entanto, que os hidrocarbonetos da sua empresa têm menos quantidade de carbono, visto que “são extraídos de forma eficiente e com menos fugas”.

Para sustentar as suas escolhas, Al Jaber apontou as conclusões do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas, que disse que, mesmo quando o mundo atingir a neutralidade de gases de efeito de estufa, continuará a precisar de uma pequena quantidade de combustível fóssil.

No final do dia, lembrem-se, é a procura que decidirá e ditará que tipo de fonte de energia ajudará a satisfazer as crescentes necessidades energéticas globais”, acrescentou.

Al Jaber garantiu ainda que, além dos seus planos de investimento, que rondam os 136 milhões de euros ao longo de sete anos, servirem apenas para manter os níveis de produção, não inviabilizam o objetivo de não ultrapassar o limite de aquecimento de 1,5 °C acima dos valores pré-industriais.

“O mundo continua a precisar de petróleo e gás com baixo teor de carbono e de petróleo e gás de baixo custo”, apontou. “Quando a procura parar, será uma história completamente diferente. O que temos de fazer agora é descarbonizar o atual sistema energético, enquanto construímos o novo sistema energético”.

O sultão disse ainda que, apesar do investimento, está a sacrificar grande parte do potencial de extração da Adnoc. “Temos a quinta maior reserva de petróleo do mundo, mas não estamos a aproveitar esses recursos”, disse.

Além da transição “de forma justa, ordenada e equitativa” longe dos combustíveis fósseis, as 20 páginas e quase 200 cláusulas do acordo apelavam aos países para diminuirem as emissões de dióxido de carbono até meados do século e para financiarem os países em desenvolvimento nas medidas de combate às alterações climáticas.

“Transição” em vez de “eliminação” de combustíveis fósseis e pouca “inclusão”. O que diz o “acordo histórico” da COP28?

Apesar de ter sido criticado pelos países mais pobres e pelos insulares, que o acusaram de pouca “inclusão” no documento — tendo o representante das Ilhas Marshall dito que o mesmo foi aprovado quando “não estavam na sala” —, o sultão recebeu vários elogios à sua prestação na 28.ª Conferência das Nações Unidas sobre o Clima, que, segundo ele, criou “uma mudança de paradigma que tem o potencial de redefinir as economias”.

Já os comentários que se seguiram à notícia de que não daria o exemplo no que diz respeito à adoção das medidas estipuladas no acordo, não foram tão positivos. “Como nação que preside à COP28, os EAU devem estabelecer um precedente. Os países ricos precisam de demonstrar ações tangíveis para honrar o espírito do Acordo de Paris. Qualquer outra coisa lança uma sombra de dúvida sobre as resoluções duramente conquistadas na conferência climática de Dubai”, atacou o diretor de envolvimento global da Fossil Fuel Treaty Initiative, citado pelo jornal britânico.

Todos os produtores de combustíveis fósseis pensam que os seus combustíveis são especiais, não causadores de alterações climáticas, e durante décadas conseguiram esconder-se por detrás de um acordo global sobre o clima que não estabeleceu essa ligação. Mas o véu foi finalmente levantado e, muito lentamente, mas com certeza, a situação vai mudar”, apontou também Catherine Abreu, associada sénior do think-tank E3G.

Ainda antes da cimeira começar, Al Jaber esteve envolvido numa polémica por ter assumido a presidência, enquanto diretor da Adnoc. No entanto, a sua missão desvirtuou as críticas: “Estou empenhado na transição [para um mundo com baixas emissões de carbono]. É algo em que tenho trabalhado pessoalmente há mais de 18 anos. Conheço a dinâmica energética e a economia da energia. Sou um engenheiro”, voltou a garantir ao jornal, referindo-se ao facto de ter co-fundado a empresa de energia renovável Masdar.