O novo secretário-geral do PS quer rever o acordo de rendimentos assinado no governo de António Costa que prevê, entre outras matérias, um salário mínimo nos 900 euros até 2026 (o final expectável da legislatura se esta tivesse ido até ao fim). Em pré-campanha, Pedro Nuno Santos definiu uma nova meta: pelo menos 1.000 euros até 2028, um valor que não é totalmente rejeitado pelos patrões, que se mostram disponíveis para a discussão. Mas com “ses”: o aumento, a acontecer, não pode ser feito “por decreto” e terá de vir acompanhado com medidas que permitam às empresas comportá-lo.

“O Governo atual havia definido como meta o aumento do salário mínimo nacional dos atuais 820 — em 2015 eram 505 — para 900 euros até 2026. Nós propomos que, no final da próxima legislatura, em 2028, o salário mínimo atinja, pelo menos, os 1.000 euros”, anunciou Pedro Nuno Santos no Congresso Nacional do PS, em Lisboa, no domingo. E acrescentou que “também deveremos rever o acordo de rendimentos recentemente negociado em concertação social, de modo a que ao aumento do salário mínimo possa estar associado o aumento dos salários médios“.

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O socialista não detalhou de que forma é que essa associação pode ser feita e se será um mecanismo matemático ou se por via de medidas para as empresas. O acordo de rendimentos assinado em outubro de 2022 e revisto em outubro passado já prevê um referencial de aumentos salariais que funciona como um “orientador” e não é vinculativo (apenas o é para as empresas que queiram aceder ao benefício fiscal em sede de IRC). Mas, para 2024, este referencial prevê aumentos inferiores (5%) à subida que já teve o salário mínimo em janeiro (7,9%).

Armindo Monteiro, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), concorda que é preciso descolar o salário médio do mínimo, ao contrário do que tem acontecido até aqui, e diz-se “claramente” disponível para rever o acordo de rendimentos, cuja revisão não assinou em outubro por considerar que não estavam previstas as medidas necessárias para que as empresas conseguissem acomodar o aumento do salário mínimo ou o referencial de aumentos de 2024.

Ao Observador, Armindo Monteiro indica que a CIP estará aberta à revisão do acordo e até a aumentos acima dos 1.000 euros no salário mínimo mas com condições “que o tornem exequível“. “Como em tudo, não vale decretar de forma panfletária, têm de se encontrar equilíbrios. Achamos que é fácil dizer que vamos aumentar o salário mínimo para 1.000 euros, o que é difícil é dizer como vamos construir soluções para que seja possível pagar 1.000 euros. Isso tem de ser o objetivo do acordo de rendimentos“, avisa.

Também João Vieira Lopes, da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), diz que a entidade está “disposta a discutir estes valores ou outros” — aliás, frisa, o próprio acordo prevê que seja revisto anualmente — mas desde que tal não aconteça “por decreto”, sem salvaguardar medidas às empresas. “Por princípio, a CCP não gosta de fixar objetivos desse género por via política e administrativa” e preferia ver um salário mínimo definido com base em métricas objetivas, como a produtividade, o crescimento e a inflação. Mas não exclui vir a dar aval a um valor que não tenha essas métricas subjacentes. O que deixa claro é que se vai bater por mais medidas para as empresas.

Para estabelecer uma meta nova é preciso rever o acordo e aumentar as vertentes que são importantes para as empresas, nomeadamente em matéria fiscal, como no IRC, ou incentivos ao investimento. É fundamental porque sem incentivos ao investimento não há crescimento, logo, não há possibilidade de os salários evoluírem de forma mais positiva. O mesmo para a produtividade”, argumenta, em declarações ao Observador. “Os salários e o salário mínimo têm de ser o resultado do crescimento da economia”, observa.

Nas propostas que o Conselho das Confederações Patronais apresentou para o Orçamento do Estado para 2024 estava a redução da taxa social única a cargo do empregador compensada com a receita de IVA, a redução escalonada do IRC ou o reforço de incentivos ao investimento e à capitalização das empresas.

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Já Francisco Calheiros, presidente da Confederação do Turismo (CTP), considera que é cedo para falar sobre um novo acordo de rendimentos, e diz que a atenção da confederação continua focada no acordo assinado em outubro com o governo de António Costa — e que, para todos os efeitos, ainda está em vigor. Calheiros é mais perentório na defesa da definição de métricas objetivas para aumentar o salário mínimo.

“Essa é uma máxima da CTP. Definir ordenados por decreto nós não sabemos como se faz. Se a inflação for 0% daqui até 2028 é uma loucura pensar em 1.000 euros. Se for de 10% ao ano é outra loucura, mas para menos, pensar em 1.000 euros. Mandar um número para o ar sem estar colado a qualquer realidade não faz sentido. Vamos defender quais os princípios e o indicador indexado ao salário mínimo”, frisa, recusando especular sobre o pós-eleições.

Para a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), por sua vez, “há ainda caminho por fazer” para que a “promessa eleitoral” dos 1.000 euros “possa ser concretizável“, nomeadamente em matéria de carga fiscal e da legislação laboral, e as discussões sobre matéria salarial têm de ser feitas na concertação social, “antes de serem anunciadas e hasteadas como bandeiras eleitorais“.

“A CAP está naturalmente alinhada na necessidade de valorizar os salários, mas no seu devido tempo e modo e em sede própria. Na corrida às legislativas e à beira de um novo ciclo governativo, seria importante não menosprezar os mecanismos de concertação, tão relevantes para a estabilidade e paz sociais”, refere fonte da CAP, numa resposta por escrito.

A confederação que representa os agricultores também argumenta que a subida dos salários “é desejável, tem de ser sustentável para as empresas e deve estar articulada com o crescimento da economia, considerando a inflação e a produtividade” e salienta a subida expressiva do salário mínimo nos últimos anos, acima de 40 euros. Nesta senda, a intenção do novo secretário-geral do PS “não parece trazer propriamente grande novidade, pois estende a 2028 a tendência de crescimento observada nos anos anteriores”.

Do lado dos sindicatos, a CGTP defende que o valor dos 1.000 euros já deveria estar a ser pago atualmente devido ao aumento do custo de vida e aos bloqueios na contratação coletiva. “Temos de alterar as opções que têm vindo a ser seguidas e não foi isso que ouvimos das palavras do novo secretário-geral do PS (…). Não é com uma perspetiva de esperarmos quatro anos para o salário mínimo atingir os 1.000 euros que vamos fazer essa alteração fundamental e necessária”, defendeu na Rádio Observador.

Isabel Camarinha argumenta, ao contrário das confederações patronais, que o aumento dos salários levará a incrementos na produtividade. E atira: “Se o salário mínimo tivesse aumentado em função da inflação e da produtividade, neste momento estaria nos 1.200 euros”.

[O debate entre Isabel Camarinha, da CGTP, e Armindo Monteiro, da CIP, sobre o aumento do salário mínimo]

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O acordo de rendimentos já vai na sua segunda versão. Em outubro, ainda antes da crise política, Governo e parceiros sociais (desta vez sem a CIP e, novamente, sem a CGTP) assinaram a revisão do acordo firmado um ano antes, com novas medidas e objetivos. Por exemplo, o referencial de aumentos salariais para 2024 foi revisto de 4,8% para 5% e o aumento do salário mínimo para este ano de 810 para 820 euros.

Muitas das medidas foram cumpridas no Orçamento do Estado para 2024 — como a redução do IRS, o aumento do benefício do IRS Jovem ou a simplificação do incentivo fiscal em sede de IRC — mas outras — incluindo em matéria de simplificação dos processos ou o mecanismo que iria permitir acumular salário com pensão — ficaram pelo caminho.

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Já em matéria de salário mínimo, o acordo previa 900 euros até 2026. Pedro Nuno Santos traça agora um novo horizonte: 1.000 euros em 2028. Para o PSD, este objetivo é “realista e razoável” e admite propor mais do que os socialistas. “Não me parece um objetivo irrealista e é uma meta que o país deve ambicionar, havendo condições de crescimento económico mais robusto, mais sustentado, que se criem condições para que as empresas possam ter esse crescimento, designadamente com alívio fiscal do IRC, e noutras matérias como diminuição da burocracia ou ao nível das condições laborais, [para] procurar chegar a esse objetivo ou até ultrapassá-lo”, afirmou Hugo Soares, secretário-geral do PSD, na Rádio Observador.

CIP vai chamar líderes políticos para “encontro empresarial” em fevereiro

A CIP vai realizar nos dias 20 e 21 de fevereiro um “encontro empresarial” no Porto, para o qual vai convidar líderes políticos e outras confederações patronais, e onde vai “apresentar e reforçar algumas das medidas” já por si propostas, incluindo aquelas que constavam no “Pacto Social” que fez chegar ao Governo para o Orçamento do Estado para 2024, explica Armindo Monteiro. O encontro servirá para apresentar as propostas da CIP em detalhe e “discutir de forma não panfletária, mas de forma concreta, como alteramos o paradigma da nossa economia, de um de baixo valor acrescentado e baixos níveis salariais”. “Se conseguirmos alterar este paradigma é que conseguimos subir os salários, porventura além dos mil euros. Depende do que conseguirmos implementar”, afirma. Mas avisa: sem essas medidas “mesmo os 1.000 euros serão difíceis de atingir”.

Em setembro, a CIP apresentou um documento com base em três pilares de medidas, que Armindo Monteiro diz que se mantêm: crescimento da economia, simplificação do Estado e melhoria dos rendimentos. Entre as propostas estava a redução da taxa de IRC de 21% para 17%, estímulos ao investimento ou o badalado 15.º mês com neutralidade fiscal que não viram a luz do dia. Por outro lado, o Governo cedeu na isenção em IRS da distribuição de lucros aos trabalhadores, o que não foi suficiente para a CIP dar aval ao acordo de rendimentos. No encontro empresarial de fevereiro, Armindo Monteiro promete “surpreender”.

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