O presidente da comissão executiva da Global Media Group (GMG) atribui os problemas de liquidez que levaram ao atraso no pagamento de salários no grupo de media a um rombo de quase três milhões de euros no plano de financiamento. Esse “rombo tem dois nomes”: a venda frustrada da posição na Lusa ao Estado e a suspensão da conta caucionada do grupo no Banco Atlântico Europa. “Não há dinheiro”, mas garantiu que “ninguém roubou”, deixando ainda a indicação de que o Fundo acionista que iria fazer uma transferência para pagar os salários em atraso em breve.
Numa longa audição na comissão de cultura e comunicação esta terça-feira, José Paulo Fafe atirou culpas ao PSD por ter recuado no acordo ao negócio e ao Presidente da República, considerando que Marcelo Rebelo de Sousa ajudou neste desfecho “talvez até mais do que o PSD”.
Quando o Presidente disse que tinha ficado surpreendido com o negócio da Lusa “não quis acreditar no que estava a ouvir” porque, segundo contou, dez dias antes tinha sido recebido por Marcelo “muito simpaticamente” a quem explicou o negócio da Lusa ao qual ele terá respondido: “Acho muito bem, o vosso negócio não são agências”. E quando Marcelo veio afirmar publicamente, 10 dias depois, que tinha sido surpreendido com a venda da Lusa, “quem ficou surpreendido fui eu”.
Manifestou ainda a “desilusão” com o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, pela “falta de coragem” para cumprir o acordo preliminar que existia para avançar com a operação quando o PSD recua na opinião sobre o negócio e “dá o dito pelo não dito”.
A conta caucionada no Banco Atlântico Europa, ligado ao antigo acionista Carlos Silva, recebia as receitas da distribuidora Vasp (cerca de 700 mil euros) e foi suspensa alegadamente devido ao impacto mediático causado pelo anúncio da reestruturação em que a Global Media anunciou querer reduzir em 150 a 200 o número de trabalhadores da dona dos jornais JN, DN, Jogo e da rádio TSF. Uma decisão “inopinada” que o gestor acha estranha. Já o negócio da Lusa estaria avaliado em dois milhões de euros,
“Deviam ter chamado Proença de Carvalho” que foi quem vendeu sedes do JN e DN
José Paulo Fafe sugeriu que os deputados que o convocaram ao Parlamento para explicar a difícil situação financeira do grupo deveriam chamar Daniel Proença de Carvalho que foi presidente do conselho de administração da empresa até 2020. Foi durante essa gestão, afirmou José Paulo Fafe, que foram vendidas as sedes do Jornal de Notícias e do Diário de Notícias (em zonas nobres do Porto e Lisboa). E o produto dessas vendas, afirmou, “não foi investido em reestruturação do grupo ou pagamento de dívidas. Foi torrado”.
Na sua intervenção inicial, o ex-jornalista e atual gestor disse que “raro é o dia em que não somos surpreendidos pela forma leviana como o grupo foi gerido ao longo de últimos anos”. José Paulo Fafe sugere que terá havido gestão danosa no grupo, mas salvaguarda que não está a acusar Proença de Carvalho.
Na audição que se realizou na terça-feira na comissão de cultura e comunicação, o presidente executivo da GMG descreveu ainda episódios como o equipamento de vídeo no valor de um milhão de euros fechado numa sala ou dívidas de licenças de jogo em Macau ou Malta. No entanto, revelou ainda que enquanto procurador do Fundo teve autorização para formalizar a aquisição, deixando a due-dilligence para mais tarde.
O atual CEO reconheceu que a venda da participação de 46% que o grupo tinha na Agência Lusa era uma parte importante do plano financeiro do fundo que adquiriu a empresa dona do Diário de Notícias, Jornal de Notícias e TSF. E revelou que chegou a existir um acordo de princípio para a realização da transação em setembro, mas que o Governo demorou mais dois meses a fazer uma proposta do que o previsto. E quando fez, em novembro, o valor estava abaixo da avaliação feita pela Deloitte (400 mil euros), não considerando a sede, e exigia o pagamento à cabeça da dívida de 700 mil euros à Lusa, dívida essa que, refere, estava a ser paga ao abrigo de um acordo.
Mas dada a importância dessa transação no plano financeiro do acionista, foi dado o OK ao valor proposto pelo Estado, e que José Paulo Fafe não indica, mas o Estado recuou argumentando, com a falta de um acordo político.
Fafe culpa Marcelo e PSD pelo recuo na venda da Lusa que associa ao atraso nos salários
O presidente de comissão executiva culpou as declarações do Presidente da República e do principal partido da oposição, o PSD, de ter recuado na transação, o que foi um “claro transtorno” que obrigou, diz, à transferência de emergência de um milhão de euros para os salários de novembro cujo pagamento foi feito com dias de atraso. O grupo entrou em incumprimento a partir de dezembro, situação que levou já à intervenção da Autoridade de Condições de Trabalho.
Para José Paulo Fafe, o interesse do Presidente da República no negócio da Global Media era estranho e terá contribuído para o clima de “intriga” que travou a venda da posição do grupo na Lusa ao Estado. E diz que já lhe transmitiu essa indicação.
O presidente da comissão executiva da Global Media visou ainda o PSD que acusou de ter mudado de opinião sobre o negócio da Lusa que, segundo contou, começou por ser validado por Paulo Rangel. De acordo com José Paulo Fafe, terá sido o secretário-geral, Hugo Soares, a sinalizar esse recuo que, especulou, poderia ter sido motivado por uma manchete do Tal&Qual que associava Luís Montenegro a uma “tomada de assalto” à Cofina.
CEO insiste na necessidade de reduzir trabalhadores, mas sinaliza que Fundo pode transferir dinheiro para pagar salários
Questionado sobre soluções para o pagamento de salários, José Paulo Fafe reafirma a necessidade de reduzir o número de colaboradores. Com um passivo acumulado de 50 milhões de euros e um passivo de sete milhões de euros só do ano de 2023 ou a “Global Media passa de 530 para 330 ou 350 ou não é viável.” E volta a acenar com o cenário de despedimento coletivo, caso não haja acordos voluntários de saídas. Recusou ainda demitir-se e disse que o Fundo mostrou-se disponível, através de uma call, para fazer uma transferência de forma a realizar o pagamento de salários em atraso até à próxima semana e para estudar um plano financeiro para ajudar a Global Media.
E afirmou também que o empresário Marco Galinha, que ainda é acionista da Global Media, foi portador de uma proposta para comprar o Jornal de Notícias e o Jogo por 12 milhões de euros, mas com a condição de que 7,5 milhões fossem dedicados ao pagamento imediato do RERT (Regime Geral de Regularização Tributária), o que, alega, não resolvia os problemas do grupo. Adiava apenas.
Numa intervenção inicial na comissão parlamentar de comunicação e cultura, o presidente executivo da Global Media começou por afirmar que quem o conhece “sabe a angústia que vivo desde o final do mês passado por impossibilidade de processar salários. Foi um profundo golpe”. José Paulo Fafe reafirmou os motivos que o levaram a recusar inicialmente o convite para esta audição na comissão parlamentar de cultura e comunicação, a pedido do Bloco de Esquerda apontando o dedo ao partido por estar a fazer “aproveitamento político” desta situação difícil.
Apesar das profundas reservas ao pedido de explicações a um grupo privado, José Paulo Fafe afirma estar aqui por respeito à AR e porque “há limites para suportar mentiras e insultos” que ouviu ao longo destas audições.
Questionado pelos deputados sobre a contratação de 35 pessoas para cargos de chefia numa altura em que a administração quer reduzir para quase metade o número de trabalhadores, José Paulo Fafe justificou algumas contratações para substituir os serviços que eram prestados pelo anterior maior acionista, o grupo Bel, e que foram internalizados. Defendeu ainda a contratação de jornalistas para o Diário de Notícias, um jornal que era feito com apenas 17 jornalistas quando o Jornal de Notícias tinha, segundo José Paulo Fafe, 150 jornalistas entre trabalhadores efetivos e correspondentes.
Questionado quanto à relação com Luís Bernardo, consultor que enviou uma carta ao Parlamento a justificar a recusa em prestar explicações sobre a Global Media, José Paulo Fafe confirma que tem uma boa relação e que o contratou como consultor. Isto na sequência do bom trabalho que considera ter feito na Cofina e na Media Capital. “É um dos responsáveis pelo lançamento de sucesso da CNN Portugal”.
José Paulo Fafe disse ainda que a comissão executiva a que preside, e da qual Marco Galinha faz parte, iniciou funções há três meses e pouco. E acrescenta que “todas as decisões tomadas pela comissão executiva foram aprovadas por unanimidade. Referiu que há dias na reunião de acionistas “todos aprovaram as bases do plano de reestruturação e expressaram o apoio a esta comissão executiva. E lembra que os outros acionistas não colocam capital, reafirmando que o Fundo já colocou dez milhões de euros no negócio, incluindo os sete milhões de euros que pagou pela participação de 51% das Páginas Civilizadas.
Quem são os novos donos e quem manda na Global Media? As dúvidas que levam a ERC a abrir processo
O ex-jornalista (profissão que deixou de exercer em 1999) e atual gestor assume ainda que não sabe quem são os detentores das unidades de participação no fundo que comprou o grupo. “E não tenho de saber. Sei quem é a sociedade gestora, a UCAP. E isso já foi garantido à ERC que nenhum depositante tem mais de 5%. O presidente executivo da Global Media diz ainda a propósito dos processos anunciados pelo regulador que “vamos defender-nos”.
Conta também que foi convidado para trabalhar na Global Media pelo anterior presidente e então maior acionista, mas que Marco Galinha acabou por recusar quando confrontado com o valor que pediu por ser “muito dinheiro”. O atual presidente da comissão executiva do grupo que é dono do Jornal de Notícias, Diário de Notícias e TSF deu ainda a sua versão sobre o acordo que o levou a retomar a publicação do jornal Tal & Qual por um acordo com o então maior acionista da Global Media, dono do título, o qual estava associado um compromisso para pagar uma dívida antiga, do tempo da Lusomundo e quando Fafe era administrador da empresa dona do jornal.