Várias perguntas e requerimentos, algumas respostas, mas insuficientes para esclarecer as dúvidas fundamentais levantadas pela Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) sobre a operação que fez mudar de mãos a Global Media com passagem pelas Bahamas e apenas com dois nomes identificados sobre os novos acionistas.

A ERC anunciou a abertura de dois processos, um de averiguações sobre a situação do Grupo Global Media —  nomeadamente no que toca a denúncias feitas pelo Sindicato de Jornalistas e pelos órgãos relacionadas com a intervenções editoriais dos acionistas e administradores — e outro administrativo para a aplicação do artigo 14.º ao abrigo da Lei da Transparência que impõe a divulgação dos titulares de pelo menos 5% do capital ou dos direitos de voto de um órgão de comunicação social. E cujo incumprimento pode resultar na suspensão do exercício dos direitos de voto na empresa de media.

O regulador dá agora mais detalhes sobre estes processos, divulgando as deliberações do conselho regulador que os aprovaram, as medidas adotadas e os fundamentos que levaram a uma decisão que será inédita num órgão com a dimensão do grupo que controla os jornais Jornal de Notícias, Diário de Notícias, Jogo e a rádio TSF. Esse detalhes revelam que as respostas remetidas e recebidas pelo procurador do fundo que adquiriu o controlo da Global Media identificaram apenas dois nomes.

José Paulo Fafe, o procurador do World Opportunity Fund, e que foi nomeado presidente da comissão executiva da Global Media pela UCAP Bahamas Limited — sociedade que gere o fundo, mas que não é detentora de participações. E Clement Ducasse, o administrador da UCAP, que detém 0,001% de participação social e 0% dos direitos de voto no WOF.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Estrutura acionista que controla a Global Media

Estrutura acionista da Global Media, segundo a informação do Portal de Transparência da ERC

Estrutura acionista da Global Media, segundo a informação do Portal de Transparência da ERC

Apesar de a UCAP ter 51% de participação social e dos direitos de voto no WOF (8,866% de participação social e dos direitos de voto na Global Media por via indireta), esta entidade é responsável pela gestão do fundo e não detém a sua propriedade, mesmo que exerça os respetivos direitos de voto – sendo, neste sentido “detentora” por conta de outrem.

As dúvidas sobre a titularidade do fundo que controla a Global Media também não foram esclarecidas pelo vendedor, o empresário Marco Galinha que nas respostas dadas aos deputados esta terça-feira limitou-se a referir o escritório de advogados com quem negociou — José Leitão da MdME de Macau — e a invocar acordos de confidencialidade.

Marco Galinha promete agir legalmente contra fundo a quem vendeu Global Media e que acusa de incumprimento

A informação prestada pelo procurador do Fundo não permite, considera a ERC, cumprir a obrigação prevista na Lei da Transparência, a qual estabelece que “quem detenha, direta ou indiretamente, isolada ou conjuntamente, participação igual ou superior a 5 %. do capital social ou dos direitos de voto de entidades que prosseguem atividades de comunicação social fica sujeito aos deveres previstos nos artigos 12.º, 13.º e 15.º”. Está em causa o “dever de identificação da cadeia de imputação que vincula qualquer detentor de participações sociais em entidades que prossigam atividades de comunicação social em território português, independentemente da sua sujeição a lei estrangeira”.

A ERC considera esclarecido quem gere os ativos do fundo e quem o representa junto da bolsa das Bahamas — o tal Clement Ducasse que é administrador da UCAP — mas diz que “nada é indicado acerca dos proprietários das unidades de participação do fundo e, consequentemente, dos detentores indiretos de participações sociais na Global Media”.

Os esclarecimentos remetidos pelo procurador do Fundo, José Paulo Fafe, referem que os proprietários do Fundo “são os investidores nas unidades de participação que o compõem” e que essas participações “detidas pelos investidores (no WOF) não conferem qualquer direito de voto ou qualquer direito de designar ou remover os órgãos de administração do (WOF), o administrador ou o investment manager“.

Porém, conclui a ERC, “tal não significa que os detentores das unidades de participação não possam ordenar ou dirigir as decisões tomadas pelos órgãos de administração referidos em função dos seus interesses, na qualidade de donos dos fundos sob administração”. O requerimento chegado ao regulador indica ainda que os investidores são dispersos, em dizer quantos são “e muito menos quem são”.

Por explicar fica também a definição de dispersão, que pode variar de jurisdição para jurisdição e pode ser abrangente ou reduzida, diz a ERC, dando exemplos: “Se a detenção de unidades de participação do fundo estiver dispersa por cinco pessoas, supondo uma distribuição uniforme das participações, então, individualmente, cada um pode ter uma participação social de pelo menos 5% na Global Media. Se as unidades de participação estiverem dispersas por dezenas ou até mesmo centenas de investidores, basta que um deles detenha 20% das unidades de participação para constituir uma informação de reporte obrigatório ao abrigo da Lei da Transparência”.

A ERC insistiu nos pedidos de identificação dos proprietários de unidades de participação que pudessem deter pelo menos 5% da Global Media e do regulamento e política de investimentos do fundo, entre outros elementos. Mas a resposta obtida a 14 de dezembro voltou a ser considerada insuficiente: “o controlo do WOF, dos seus investimentos e gestão é feito exclusivamente pela UCAP Bahamas Limited, que detém a totalidade dos direitos de voto e o controlo exclusivo do requerente, não tendo, neste quadro, os investidores, qualquer meio ou instrumento para influenciar o WOF ou as suas decisões, pelo que não lhes é imputável».

A declaração de que “os detentores de participações no WOF não são entidades a quem possa ser imputada qualquer participação de pelo menos 5%» não é suficientemente clara, no contexto da exposição do WOF, e se se refere a uma participação financeira ou a direitos de voto – controlo”.

A ERC voltou a remeter questões (19 de dezembro), exigindo a entrega do regulamento e política de investimentos do Fundo e a resposta à seguinte pergunta: “Existe alguma entidade cuja percentagem de detenção de unidades de participação do WOF dê origem a uma participação no capital social, i.e. participação financeira, por via indireta, de pelo menos 5% do capital social da Global Notícias Media Group S.A. (…)?”. Em caso de resposta afirmativa, solicita-se a sua identificação e eventual cadeia de imputação que lhe esteja associada”.

Ultrapassado o prazo de 10 dias úteis dado para a resposta, e tendo o regulador recusado prolongar esse prazo por falta de fundamento, foi aberto o processo.

A mudança acionista na Global Media ocorreu em setembro do ano passado quando o World Opportunity Fund (WOF) adquiriu uma participação de 51% na empresa Páginas Civilizadas, Lda. (Páginas Civilizadas), proprietária direta da Global Notícias – Media Group, SA (Global Media), ficando com 25,628% de participação social e dos direitos de voto na Global Media. Esta transação foi notificada ao regulador em outubro.