Pedro Adão e Silva confirma que foi a falta de acordo do PSD que levou à não conclusão da compra da participação da Global Media na Lusa, isto já depois de o grupo privado ter aceitado a oferta financeira de 2,5 milhões de euros. O ministro da Cultura revelou ainda que, depois de a operação não ter avançado, houve uma contra-proposta do grupo privado para comprar as ações do Estado na Lusa, que não foi levada a sério, mas que, no seu entender, deita por terra o argumento de que foi a frustração desta aquisição a causar os problemas de tesouraria que levaram ao não pagamento de salários desde dezembro.
O ministro da Cultura foi ouvido no Parlamento no mesmo dia em que os trabalhadores dos órgãos do grupo cumprem um dia de greve.
Para Adão e Silva, “tínhamos todos saído a ganhar se esta operação (compra da Lusa) já se tivesse concluído. E era fundamental que o novo governo tornasse o serviço da Lusa gratuito para todos os órgãos”. O ministro da Cultura diz que não sabe se haverá disponibilidade mais para a frente de venda da participação, admitindo a possibilidade de a Global Media se tornar num acionista hostil e dificultar a tomada de decisões que exijam unanimidade. O grupo detém 45,5% da agência Lusa, mas tal como outros pequenos acionistas privados, “não mete um euro ” na agência, que é totalmente financiada pelo Estado.
Apesar de considerar que a objeção do maior partido da oposição era “atendível”, face à circunstância de o Executivo socialista estar em gestão por causa da crise política, o ministro da Cultura acusa também o PSD de ter tentado fazer “um aproveitamento político” ao estar na origem de uma notícia que saiu “cinco minutos depois” desta posição dos sociais democratas lhe ter sido transmitida, que dava conta de que o tema da nacionalização da agência seria discutido em Conselho de Ministros. Adão e Silva refere que o contacto feito por um dirigente do PSD, que não identificou, foi feito a minutos da sua entrada para uma reunião do Conselho de Ministros.
Adão e Silva já tinha atirado responsabilidades para os social-democratas pela circunstância de o regulador da comunicação social ter ficado um ano à espera da nomeação do conselho diretivo.
Pressionado à esquerda sobre a pressão para tomar medidas agora, Adão e Silva considerou ainda que se a operação tivesse avançado, sem o apoio político alargado, a solução “sólida iria desfazer-se em pó” e estaria agora a ser questionado sobre como tinha o Estado injetado dinheiro num grupo que estava a usar esse dinheiro para financiar despedimentos.
Adão e Silva revela contra-proposta da Global para comprar Lusa que não foi levada a sério
O ministro da Cultura questiona ainda os argumentos do presidente executivo da Global Media de que a frustração da venda “criou um rombo” financeiro que levou ao atraso no pagamento de salários. Esse argumento, diz, “cai por terra quando há uma contra-proposta para comprar a posição do Estado na Lusa pelo mesmo valor, o que daria à Global 90% da Lusa, se tivéssemos levado a sério esta proposta”.
Este é um tema “muito sério” e deve “ser tratado com reserva”. Adão e Silva revela que a aquisição da Lusa foi conversada com alguns partidos — para além do PSD, foram contactados o PCP e o Bloco de Esquerda — porque estava em causa uma alteração acionista que teria de envolver uma mudança do modelo de governo da agência noticiosa. E considera que “houve alguma tentativa do PSD de fazer aproveitamento político. Cinco minutos depois de terem falado comigo já estavam a por noticias cá fora e dizer que o Governo ia discutir a nacionalização da Lusa”.
O deputado do PSD, Alexandre Poço, diz que o partido nunca deu o aval à aquisição, sublinhando que não é por falta de vontade do grupo parlamentar do partido que não se resolve o problema grave de sustentabilidade da comunicação social. Mas considerou que há questões a ponderar e que o partido entendeu que não era oportuno concretizar o negócio no atual contexto. A versão contada na véspera pelo presidente executivo, José Paulo Fafe, que o ministro da Cultura não ouviu, apontava também na direção do Presidente da República.
O ministro explica que a Global Media acabou por aceitar a oferta do Estado — de 2,5 milhões de euros aos quais era preciso descontar a dívida à Lusa — depois de mostrar oposição por o valor não contemplar a sede da agência e exigir o pagamento da dívida à Lusa. E foi antes da concretização da operação no final de novembro que o PSD manifestou as suas reservas. Nessa altura, “ainda a procissão ia no adro”, tendo sido anunciado pouco depois a intenção da administração da Global Media de despedir até 200 trabalhadores.
Ressalva que mesmo com o Governo em plenas funções considerou fundamental que esta aquisição tivesse o apoio dos partidos da oposição. Sobretudo com um governo de gestão, sublinhou. Adão e Silva justificou o tempo que levou a concretizar a proposta de compra do Estado (dois meses) com a necessidade fazer uma avaliação e obter um parecer da Unidade Técnica do Ministério das Finanças.
Quem são os novos donos e quem manda na Global Media? As dúvidas que levam a ERC a abrir processo
Nas respostas dadas à deputada do Bloco de Esquerda, Joana Mortágua, o ministro da Cultura revela ainda que todos os contactos foram feitos com o anterior presidente da comissão executiva, Marco Galinha, o qual manifestou urgência da operação se concretizar antes da passagem do controlo acionista da Global Media para o fundo com sede nas Bahamas cujo beneficiário último está a ser investigado pelo regulador, a ERC.
“Não podia conceber que uma alteração estratégica da Lusa fosse vista do lado do Global como uma solução para resolver problemas de tesouraria”.
Ministro recusa apoio específico a um grupo e sugere recurso a fundo de garantia salarial
O ministro da Cultura defende apoios transversais à comunicação social, mas é contra apoios específicos para acudir um determinado grupo. Pedro Adão e Silva defende que isso teria “enormes consequências num princípio sacrossanto que são escolhas editoriais em relação a qualquer tipo de tutelas e seria desvirtuar o funcionamento do mercado em que estaríamos a beneficiar os infratores e a prejudicar os grupos que respeitam as regras concorrenciais. Corresponderia a um enviesamento de mercado”, afirmou esta quarta-feira o ministro da Cultura na comissão parlamentar de Cultura e Comunicação, numa audição sobre o Global Media Group.
Pedro Adão e Silva respondia a uma pergunta feita pela deputada do PCP, Paula Santos, sobre que diligências está o Governo a adotar em relação aos problemas do grupo Global Media, dona dos jornais Diário de Notícias, Jornal de Notícias, O Jogo e da rádio TSF. Questionado sobre a capacidade de decidir do Governo, o ministro da Cultura lembra que o Governo de gestão está limitado no que pode fazer. “Mesmo quando há declarações abstratas de compromissos de apoios, desfazem-se no ar quando é preciso materializá-los”.
Para o ministro da Cultura, uma forma de concretizar esses apoio é a cedência gratuita dos serviços da Lusa aos órgãos privados de comunicação social, o que na estimativa feita iria custar seis milhões de euros, para além da indemnização compensatória de 14,3 milhões de euros entregue pelo Estado à agência. É uma ajuda, mas não resolve todos os problemas, reconhece.
A Global Media tem salários em atraso desde dezembro e os trabalhadores estão esta quarta-feira a cumprir uma greve de 24 horas. Para Adão e Silva, a primeira obrigação de uma empresa é pagar os salários. “É muito difícil de compreender que um acionista que entra deixe de pagar salários quando tinha anunciado grande investimento”.
E defende que neste caso, a solução passaria por recorrer ao Fundo de Garantia Salarial, o que implica que a empresa esteja insolvente ou em processo de recuperação.