O primeiro-ministro cancelou o discurso que tinha agendado para o dia 27 de fevereiro no Parlamento Europeu, em Estrasburgo. A intervenção que tinha sido empurrada para o fim do mandato europeu, ficando mais próxima do momento em que seriam novamente distribuídos os altos cargos, estava a ser vista como parte da jogada europeia de António Costa — que ficou em suspenso depois do dia 7 de novembro.
A justificação que foi dada para o cancelamento, segundo apurou o Observador junto do Governo, foi o período oficial de campanha para as legislativas que já estará a decorrer nessa altura (começa dias antes dessa data). Um elemento com que António Costa estava longe de contar quando alinhou a intervenção europeia para um dos últimos plenários em Estrasburgo (onde discursam os líderes europeus).
Dias antes de a crise política ter rebentado, o Observador contou a história desse discurso europeu que Costa estava a preparar. Em Bruxelas o adiamento da intervenção para mais tarde estava a ser vista como mais uma oportunidade para Costa se mostrar como candidato a alto cargo europeu. Fonte que estava a acompanhar o processo admitia que ao ser um dos últimos chefes de Governo a discursar antes das Europeias de junho, lhe permitia “mostrar-se ao Parlamento Europeu a poucos meses das grandes decisões serem tomadas”. E no PS também se reconheciam as vantagens disso: “Os pontos que o primeiro-ministro colocar no seu discurso estarão mais na memória porque já estaremos quase em pré-campanha.”
Mas o jogo virou para o primeiro-ministro português, depois do processo-crime contra si que está a decorrer no Supremo Tribunal de Justiça, deixando no congelador ambições políticas no mais curto ou longo prazo. António Costa continuam sem descartar completamente esse futuro, embora o faça depender do que vier a ser decidido — e aqui só admite duas possibilidades: “Não tenho a menor das dúvidas que isto acabará tudo ou numa não acusação ou arquivamento se houver acusação ou, no limite, com a absolvição se chegar à fase de julgamento.” Mas até que a Justiça “cumpra a sua missão”, nada diz sobre o futuro: “Logo veremos nessa altura se ainda há tempo para a política.”
Costa vai discursar em Estrasburgo a três meses das Europeias (e da escolha dos altos cargos)
A convicção publicamente assumida pelo primeiro-ministro é que o processo levará tempo a ter uma resolução, embora o semanário Expresso já tenha noticiado a intenção do Ministério Público junto do STJ acelerar o processo. Costa continua a afirmar só ter tido conhecimento do processo, até agora, através da comunicação social, desconhecendo os indícios do processo contra si. O Observador avançou entretanto que um dos crimes de que será suspeito é o de prevaricação, mas nesse mesmo dia, o socialista voltou a dizer que continuava sem qualquer contacto da Justiça sobre o seu processo.
A pressão socialista para que o caso tenha um desfecho em breve é alta, com várias declarações pública nesse sentido, como a que foi feita pelo presidente da Assembleia da República. Augusto Santos Silva tem sido um dos socialistas mais ativo nas críticas ao Ministério Público — embora não seja o único — tendo mesmo defendido uma decisão até às legislativas: “A consequência lógica mínima que devia decorrer era o Supremo e o Ministério Público concluírem o inquérito que abriram até ao dia 10 de março.”
Na declaração que fez ao país após a demissão do primeiro-ministro, o próprio Presidente da República desejou “que o tempo, mais depressa do que devagar, permita esclarecer o sucedido, no respeito da presunção de inocência, da salvaguarda do bom nome, da afirmação da justiça e do reforço do Estado de direito democrático.” Marcelo também já falou nas condições políticas de Costa, referindo que “desejaria que o primeiro-ministro estivesse em condições de ter um lugar na Europa, como presidente do Conselho Europeu.” Esta seria uma forma de Costa “realmente fazer o que faz bem, o que gosta de fazer e que lhe permitiu ter um prestígio grande em termos europeus ao longo destes oito anos em que já é talvez o primeiro-ministro mais antigo da Europa”.
Costa é o decano socialista no Conselho Europeu — está há mais tempo que Pedro Sánchez, Robert Abela (Malta) ou Mette Frederiksen (Dinamarca) — e o nome com que socialistas contavam à cabeça para o próximo momento de distribuição de cargos na União Europeia, depois das eleições de 9 junho. Caso os socialistas fiquem em segundo lugar nessas Europeias, a expectativa dos socialistas passa por voltarem a ter a presidência do Conselho Europeu, para onde precisam de um nome com peso. A demissão de António Costa foi vista como um revés significativo para a sua família política europeia — aqui analisado pelo Politico e também assumido pelos socialistas europeus.