António Costa vai discursar no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, a 27 de fevereiro, a pouco mais de três meses das eleições europeias, confirmou o Observador junto de fontes envolvidas no processo. O convite da presidente daquela instituição, Roberta Metsola, não tinha uma data específica — como acontece com outros chefes de governo — e foi sendo empurrado para o fim do mandato europeu. Nos corredores de Bruxelas o momento está a ser visto como um momento subtil de pré-campanha do português ao cargo de presidente do Conselho Europeu.

“Costa vai ser dos últimos, senão o último chefe de Governo a discursar em Estrasburgo, o que lhe permite mostrar-se ao Parlamento Europeu a poucos meses das grandes decisões serem tomadas”, diz ao Observador fonte que está a acompanhar o processo que levará o primeiro-ministro português a discursar no hemiciclo. A mesma fonte diz que “o convite partiu de Metsola, como uma formalidade, mas houve claramente uma vontade portuguesa de ficar mais para o fim”.

No PS reconhece-se a importância de uma intervenção o mais perto possível das eleições. “Há interesse e é relevante”, admite fonte socialista, embora coloque de lado outra intenção do líder que não seja a de aproveitar “um bom momento para apresentar o manifesto político”. Sobretudo quando não é propriamente essa a finalidade daquelas intervenções. No partido garante-se que não houve uma segunda intenção em discursar no fim, embora se destaquem as vantagens: “Os pontos que o primeiro-ministro colocar no seu discurso estarão mais na memória porque já estaremos quase em pré-campanha”, adianta a mesma fonte.

António Costa tem descartado sempre a ambição europeia e de forma mais clara desde que o Presidente da República, na posse deste seu Governo, fez saber que anteciparia eleições caso o socialista não cumprisse o mandato até ao fim: “É o preço das grandes vitórias, inevitavelmente pessoais e intencionalmente personalizadas”. A última vez que falou sobre o assunto foi em junho, para deixar a pergunta, numa fórmula que acaba por não referir a questão em concreto: “Eu sou o garante da estabilidade. Já expliquei a todos que não aceitarei uma missão que ponha em causa a estabilidade em Portugal. Alguma vez eu poria em causa a estabilidade que tão dificilmente conquistei?”

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O que é certo é que António Costa se vai posicionando como um dos líderes de opinião entre os socialistas europeus — ainda que ainda se façam muitos cálculos, como o Observador explicava em julho passado. Mais recentemente, após a vitória de Robert Fico na Eslováquia, da SMER-SSD, partido da família europeia do PS, o primeiro-ministro português fez questão de tomar uma posição a nível europeu enviando uma carta ao presidente do Partido Socialista Europeu (PES) a pedir uma “mensagem clara” para Fico sobre a “linha vermelha” socialista para qualquer membro da sua família: aliar-se à extrema-direita. Depois da pressão de Costa e de um acordo com a extrema-direita, o partido de Fico foi mesmo suspenso dos socialistas europeus.

A própria direita europeia, mesmo a que se digladia mais vezes com António Costa sobre Europa, está atenta às movimentações do primeiro-ministro português. O vice-presidente da bancada do PPE, Paulo Rangel, já disse ao Observador que até ao verão de 2022 “não se sentia nos corredores [do Parlamento Europeu] nenhuma pressão”. No entanto, depois dessa data, dizia em julho deste ano Paulo Rangel ao Observador, “sente-se claramente que há uma máquina discreta a trabalhar para, pelo menos, pôr essa hipótese em cima da mesa.”

Paulo Rangel: “Há uma máquina discreta a trabalhar para Costa em Bruxelas”

Já para não falar do Presidente da República. Em Belém, ainda antes das eleições em Espanha, já se faziam contas no mesmo sentido do favoritismo do primeiro-ministro português, sem que isso faça, no entanto, Marcelo mudar o que disse na tomada de posse. Sem António Costa, há eleições em Portugal. Mas por outro lado, reconhece-se a importância de voltar a ter em mãos nacionais um alto cargo europeu.

Cenário europeu favorável a Costa entra nas contas de Marcelo

Já o também vice-presidente do PSD alertava ainda para um detalhe: “As declarações do primeiro-ministro sobre a sua vontade para vir para um cargo europeu são uma espécie de apólice de seguros: pela frente está tudo, mas depois há umas letras pequeninas que põem umas cláusulas de exclusão que afinal fazem com que seja tudo possível outra vez.”

A eventual ida do primeiro-ministro para Bruxelas nunca deixa de estar no discurso da oposição, que lhe chama “fuga”. Ainda no debate do Orçamento na generalidade para 2024 no início desta semana, o líder da Iniciativa Liberal, Rui Rocha, perguntou a António Costa: “Este é o seu último Orçamento? Já tem o seu plano de fuga preparado para Bruxelas, senhor primeiro-ministro?” Ficou sem resposta.

As reais e virtuais hipóteses de Costa

Mas quais são as reais hipóteses de António Costa? O jogo mudou ligeiramente desde julho, mas não muito. Logo à partida, existem quatro grandes cargos europeus (a presidência da Comissão Europeia, a presidência do Conselho Europeu, a presidência do Parlamento Europeu e o Alto Representante da UE para a Política Externa) que vão ser decididos entre junho e julho de 2024. O Conselho Europeu, onde se sentam os chefes de Estado ou de Governo, é que tem uma palavra decisiva sobre os nomes, mas as escolhas têm de ser aprovadas pelo Parlamento Europeu, o que obriga os líderes europeus a olhar para o resultado das Europeias.

Uma projeção com a média das sondagens de outubro de 2023 mostra que o partido mais votado deverá ser o PPE (família europeia de PSD e CDS), o segundo mais votado os S&D (os socialistas europeus, família à qual pertence o PS) e o terceiro o Renew (os liberais. Por norma, o partido mais votado (neste caso o PPE) não abdica de ter o presidente da Comissão Europeia. Para esse lugar há uma escolha óbvia: Ursula von der Leyen, apesar de ser muito menos consensual do que era antes de fazer polémicas declarações sobre o conflito entre Israel e o Hamas.

Com o PPE a assumir a presidência da Comissão, a segunda família europeia ficará, naturalmente, com o segundo cargo mais desejado: a presidência do Conselho Europeu. O cargo está nas mãos dos liberais desde em 2019 (pelo peso que tinham há quatro anos no Conselho Europeu), mas agora os socialistas (com o peso de terem a Alemanha e a manutenção da Espanha) não vão abdicar do cargo. Apesar de serem a terceira força em termos de membros no Conselho Europeu, os socialistas representam cerca de um terço da população do bloco europeus (32,93%).

Entre os socialistas, António Costa continua a ser dos mais bem posicionados para o cargo. Desde logo tem duas características que Bruxelas tem seguido: ser um país do de um país médio da UE e ser um chefe de governo em funções. O critério, no qual o português encaixa, foi seguido em três representantes anteriores do cargo: Herman von Rompuy (Bélgica), Donald Tusk (Polónia, neste caso um país grande) e Charles Michel (Bélgica).

O facto de Pedro Sánchez continuar a governar em Espanha é bom para os socialistas manterem peso no Conselho Europeu (e puderem exigir a presidência desse órgão), mas podia ser mau para Costa caso exista um interesse do atual primeiro-ministro espanhol no cargo. Nas Cortes Gerais, há mais de dois anos que se fala numa fuga de Sánchez para um cargo internacional (ou para o Conselho Europeu, que se decide em julho de 2024, ou para secretário-geral da NATO, que vaga em outubro de 2024), mas a complexa situação política em Espanha pode não permitir que venha a dar-se a esse luxo. Mesmo na família socialista europeia, a hipótese Sánchez continua a ser descartada: “Isso seria entregar Espanha à direita de mão beijada”.

Além disso, a antiguidade é um posto na Europa. O primeiro-ministro português é o decano socialista no Conselho, onde está há mais tempo que Pedro Sánchez e há muito mais tempo que Robert Abela (Malta) ou Mette Frederiksen (Dinamarca). Existe, claro, Olaf Scholz, mas esse é um caso à parte: sendo chanceler alemão nunca poderia (nem quereria) abandonar o cargo para assumir um alto cargo europeu. Além disso, um dos “big four” já estaria ocupado por uma alemã (Ursula von der Leyen).

Olhando a lógicas geográficas, Costa (que é do sul, do mediterrâneo e da ibéria) também não está propriamente mal posicionado. O eixo franco-alemão não seria um problema, já que o socialista Olaf Scholz é um camarada de família europeia e o líder do liberais (Emmanuel Macron) vê nele um aliado. Com o grupo de Visegrado são conhecidas as boas relações entre o conservador Viktor Orbán, com quem Costa viu, por exemplo, o jogo da final da Liga Europa no verão. A mudança na Polónia para o moderado Donald Tusk (antigo presidente do PPE) também é um bom sinal para António Costa, que veria sempre mais resistência por parte dos conservadores do PiS Kaczyński. Ainda em Visegrado, há ainda o novo primeiro-ministro eslovaco Robert Fico, que, apesar de ser um novo inimigo de Costa, pesa pouco.

Há, no entanto, um obstáculo no que diz respeito ao equilíbrio geográfico. A Guerra na Ucrânia deu força aos países eslavos que defendem uma deslocação do centro de poder da UE para Leste, que quererá, naturalmente, ter um dos seus nos quatro grandes cargos europeus. Ora, se Von der Leyen ocupar um dos cargos e Costa outro, sobra apenas o cargo de Alto Representante da UE para a Política Externa e a presidência do Parlamento Europeu (que é partida a meio). Pode ser curto para os eslavos.

O facto de Durão Barroso ter ocupado a presidência da Comissão Europeia entre 2004 e 2014 é também apontado como outro dos fatores negativos para Costa uma vez que há 27 países que têm de ir sendo representados. No entanto, essa regra não-escrita não colhe no historial que existe: a Bélgica, país médio como Portugal, teve dois dos presidentes do Conselho e o Luxemburgo, um país pequeno, três da Comissão, dois deles relativamente recentes (Jean-Claude Juncker e Jacques Santer).

Uma fonte europeia que acompanha estes processos de escolha de altos cargos diz ao Observador que “as variáveis são tantas que, muitas vezes, ocupar este cargo é uma quase lotaria”. A mesma fonte lembra, no entanto, que há uma “regra de ouro”: “Quem quer ser, não pode ser candidato até ao momento em que é mesmo. O nome deve surgir o mais próximo possível do momento da escolha. Se Costa quiser mesmo ser tem de ir dizendo, precisamente o que tem dito: que quer levar o mandato em Portugal até ao fim. Foi o que todos fizeram”. Ou seja: o sim de Costa à Europa, para ser eficaz, tem de ser ‘não’ até junho ou mesmo julho de 2024.