Na antecâmara das próximas eleições legislativas, um grupo de 161 cidadãos — onde se incluem dirigentes e históricos socialistas e bloquistas — decidiu pedir à esquerda que se entenda. O apelo serve para exigir aos partidos de esquerda que sejam claros sobre os compromissos que estão dispostos a fazer até às eleições de março — porque “a democracia não é um jogo político que se faz depois das eleições”.

O documento promovido por Pilar del Río e Eduardo Paz Ferreira conta com a assinatura de vários ex-governantes e dirigentes partidários, assim como nomes da sociedade civil, muitos vindos da área da Cultura e da academia. Na lista encontram-se, desde logo, nomes com peso dentro do PS e do Bloco de Esquerda, como Catarina Martins, Ana Gomes, o histórico socialista João Cravinho, ou os bloquistas Fernando Rosas e José Manuel Pureza.

Além disso, este apelo é também assinado pelos antigos ministros de António Guterres Fernando Gomes da Silva (Agricultura) e Paulo Pedroso (Trabalho e Segurança Social), assim como por vários antigos secretários de Estado do PS, casos de Ana Benavente (Educação), Carlos Lobo (Assuntos Fiscais), Francisco Ramos (Saúde) ou Rosa Monteiro (Igualdade).

Percorrendo a lista, encontram-se vários sindicalistas, incluindo o antigo secretário-geral da CGTP Manuel Carvalho da Silva, António Chora (coordenador da Comissão de Trabalhadores da Autoeuropa), António Marçal (presidente do Sindicato dos Trabalhadores Judiciais), Bernardo Vilas Boas (dirigente do Sindicato dos Médicos do Norte), Carlos Trindade (membro da Comissão Executiva da CGTP) ou José Feliciano Costa (secretário-geral adjunto da Fenprof); a estes somam-se os antigos diretores-gerais da Saúde Francisco George e Constantino Sakellarides, o escritor José Luís Peixoto e músicos como Pedro Abrunhosa e Sérgio Godinho.

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O que esta mistura de personalidades quer, como se pode ler no breve texto, é criar uma “vaga de mobilização” à esquerda baseada em “soluções claras”. Argumentando que 2024 é “um ano perigoso”, com o prolongamento de várias guerras no mundo a levar a “regressão de direitos humanos fundamentais” e a ascensão da extrema-direita a tornar-se uma realidade em cada vez mais países e continentes, o texto diz que a esquerda deve trazer um novo impulso — curiosamente, uma expressão que Pedro Nuno Santos tem usado como uma espécie de slogan de campanha.

Para isso, os partidos de esquerda, argumentam, devem “apresentar as suas propostas e divulgar os compromissos que estão dispostos a fazer” para resolver problemas no país, da precariedade à corrupção, passando pela educação, cuidados da saúde e discriminação das minorias. Mas devem ser ainda mais claros e explicar quais os “mecanismos de controlo que se propõem estabelecer” para que se possa escrutinar se esses compromissos são cumpridos.

Ou seja, o apelo pede “contas certas de prazos e objetivos”, insistindo que os compromissos à esquerda devem ser apresentados com transparência antes das eleições, e não depois. “A democracia não é um jogo político que se faz depois das eleições – a democracia é a decisão informada e exigente nas eleições”, avisam os subscritores.

O discurso é muito semelhante ao que o Bloco de Esquerda tem feito neste tempo de pré-campanha, desafiando o PS a assumir desde já as condições que seriam necessárias para construírem uma espécie de segunda versão (mais exigente) da geringonça, para assegurar que, se houver uma maioria de esquerda no Parlamento, há compromissos e propostas concretas que lhe sirvam de esqueleto. Mas, para já, o PS de Pedro Nuno Santos recusa-se a responder ao desafio dos bloquistas — até ver, a estratégia passa unicamente por captar voto útil para o PS, sem sequer admitir publicamente a hipótese de precisar de chegar a acordo com a esquerda para governar.

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