Júlio Pereira, antigo secretário-geral do Sistema de Informações da República (SIRP) morreu esta sexta-feira, aos 71 anos, vítima de cancro no pâncreas. Foi nomeado para a liderança das ‘secretas’ em 2005, no Governo de José Sócrates. Manteve-se nessas funções até 2017, altura em que manifestou intenção de deixar a instituição.

A entrada nos serviços aconteceu pela mão de Rui Pereira. Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, Júlio Pereira fez a formação para integrar a magistratura e começou o seu percurso como procurador no Porto. É, aliás, como procurador que assume funções na comarca de Macau, onde passaria 10 anos da sua carreira — primeiro no tribunal (durante seis anos) e, depois, no Comissariado Contra a Corrupção, como alto-comissário adjunto.

Quando regressa a Portugal, em 1995, regressa também à sua casa de origem na magistratura, o Porto. Não demorou até chegar, pela primeira vez, aos serviços de informações. Foi diretor operacional dos Serviços de Informações e Segurança (o braço interno das ‘secretas’) entre 1997 e 2000. Ainda tem outra passagem pelo Porto, nos tribunais administrativos da cidade, mas menos de um ano mais tarde é convidado para assumir a direção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

Em 2005 chega, então, à liderança do Sistema de Informações da República. Nos 12 anos em que esteve à frente dos serviços de informações, recordaria numa entrevista ao Expresso, houve alguns episódios mais sensíveis do ponto de vista da segurança nacional. “Houve a hipótese de acontecer um atentado no Euro-2004, foi difícil. Outras situações exigiram a mobilização não só dos serviços como de todas as forças de segurança. Foi o caso da cimeira UE-África, em 2007, e a da NATO, em 2010.”

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Nesse período, teve de responder por processos particularmente polémicos. Um deles esteve ligado ao chamado processo dos Vistos Gold. Havia suspeitas de que, sob o comando — e a ordem — do então diretor Horário Pinto operacionais do Serviço de Informações de Segurança teriam varrido os serviços informáticos do gabinete do então responsável pelo Instituto de Registos e Notariado, num caso em que se investigava eventuais favorecimentos na atribuição destes vistos. A investigação do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa foi arquivada depois de o primeiro-ministro, António Costa, ter recusado levantar o segredo sobre a identidade dos operacionais envolvidos nessa missão.

Chefes das secretas debaixo de fogo

Na liderança do SIRP, Júlio Pereira trabalhou com três primeiros-ministros — José Sócrates, Pedro Passos Coelho, António Costa —, mas não traça diferenças significativas na relação com cada um deles. “Estamos numa área onde não há diferenças acentuadas quanto à perceção do que é necessário fazer e quanto à relevância das questões de segurança. Sob esse ponto de vista, foi bastante fácil. Não mudei rigorosamente nada a minha forma de estar e trabalhar com um ou outro PM. É uma área de consenso alargado”, diria na mesma entrevista ao semanário Expresso.

Do ponto de vista da vida interna dos serviços, houve um caso que o marcou em particular. “A situação mais complicada foi a do Carvalhão [Gil]”, o elemento da estrutura condenado por passar informações da NATO à Rússia. Mas mesmo sobre isso era parco em considerações, no momento em que foi entrevistado. “Não quero pronunciar-me sobre esses assuntos porque ainda estão em discussão nos tribunais. Veremos o que o tribunal dará como provado.”

Depois de deixar o cargo de secretário-geral do SIRP, Júlio Pereira ainda voltou ao Ministério Público, colocado no Supremo Tribunal de Justiça já como procurador-geral adjunto.

Considerado como membro da Maçonaria, afastaria essa tese na entrevista de 2018. “Há uns anos, num período de falta de liberdade, talvez pudesse ter sentido alguma atração. Tenho amigos na maçonaria, gosto deles, já me quiseram levar em visita, mas não me mobilizo”, disse em 2018.

Com três irmãos, quatro filhos e uma ligação umbilical a Montalegre, no distrito de Vila Real, era por lá que passava boa tarde dos dias, que dividia com as funções no Supremo. Mandela, Churchill e Deng Xiaoping eram as figuras que destacava como as maiores referências do século XX.