De acordo nos diagnósticos, quase sempre em discordância quanto às soluções. Foi assim o debate entre os líderes do PCP, Paulo Raimundo, e do PAN, Inês Sousa Real: discutiram corrupção, ambiente, agricultura e saúde, concordaram quanto aos problemas que os setores atravessam mas propuseram formas diferentes de o resolver, sempre num tom morno e pouco confrontativo.
A primeira ronda de debate foi um exemplo disso mesmo: ambos querem priorizar as propostas para acabar com a corrupção; mas Inês Sousa Real e o PAN apostam na legalização do lóbi e o PCP está em frontal desacordo com a ideia. Do lado da porta-voz do PAN, que relembrou que a regulamentação da atividade já acontece no Parlamento Europeu, o argumento é que essa transparência permitiria um melhor escrutínio de negócios suspeitos — “Se a legislação já estivesse em vigor no caso do data center de Sines, saberíamos com quem João Galamba se sentou”, disparou.
Ora, para Paulo Raimundo, esse não é o ponto: o foco principal de corrupção, argumentou, são os negócios que levam às privatizações, e esses são feitos “às claras”. Recorrendo a exemplos como o da privatização da ANA, que o Tribunal de Contas já considerou não ter “salvaguardado o interesse público”, Raimundo defendeu que alguém se “abotooa com o dinheiro” e que nestes casos já se sabe quem é, pelo que legalizar o lóbi não trava nenhuma tentativa de corrupção. Mas fugiu ao confronto direto: depois de acusar os partidos que defendem a medida de terem “motivações” para o fazer, não deu o passo seguinte e não identificou as do PAN — até porque o seu alvo principal neste tópico são as privatizações feitas ou prometidas por direita e PS.
Quando a pergunta passou a ser sobre os protestos dos agricultores, e mais especificamente sobre se as medidas ambientais impostas a nível europeu prejudicam estes profissionais, a conversa foi parecida: nenhum dos dois acredita que as políticas ambientais sejam as culpadas — embora Raimundo tenha admitido vagamente que se pode “alterar um aspeto ou outro”, sem concretizar — mas têm receitas diferentes para ajudar os agricultores.
Para o PCP, “não há um confronto entre agricultores e ambiente, mas uma sintonia”, sendo preciso olhar, em vez disso, para os lucros da grande distribuição — “O consumidor final paga sempre, mas quem fica com a riqueza criada não é o produtor, é a grande distribuição” — e para a Política Agrícola Comum, que “sufoca” os pequenos agricultores.
Já o PAN também rejeita que tenham sido as propostas ambientais as culpadas pela situação dos agricultores e aponta antes para as “grandes empresas de agricultura intensiva”, pedindo incentivos à compra de produtos biológicas e serviços de ecossistema. No final, farpas cruzadas sobre as soluções que ambos têm proposto: Sousa Real criticou o PCP por não ter ajudado a aprovar a Lei de Bases do Clima, ajudando à transição para uma agricultura mais sustentável; Raimundo devolveu a crítica ao PAN, mas por não ter apoiado os seus pacotes de ajuda aos agricultores.
Na Saúde, ambos os partidos querem mais médicos e enfermeiros no SNS e apostam em propostas para incentivar a exclusividade, pagando mais a quem trabalhar no setor público. Ainda assim, se Raimundo atacou as verbas transferidas para o privado e recusou que a solução seja que aumentar o número de transferências de doentes para o setor quanto o público não dá resposta, Sousa Real admitiu esse caminho, recusando ter um “preconceito ideológico” quanto às soluções para a Saúde.
A reta final, que serviu para falar das políticas de alianças dos dois partidos, até poderia ter servido para aquecer o debate, mas nem por isso — cada um foi questionado sobre se está a lutar pela sobrevivência política e respondeu apenas pelo seu partido, sem falar do adversário.
Do lado do PAN, Sousa Real voltou a admitir um acordo com o PS, “dependendo” da abertura que o partido tenha para acolher propostas do PAN. No PCP, Raimundo voltou a recusar falar em geringonças, dizendo que espera para ver a correlação de forças que sairá das eleições, mas voltou a sugerir que nunca viabilizará um governo de direita: “Certamente não há força com mais experiência acumulada, de mais de 100 anos, de combate à direita”.
O diálogo mais revelador
Paulo Raimundo — Não acompanhamos a ideia de um confronto entre os agricultores e o ambiente.
Inês Sousa Real — Tem que haver uma parceria!
Paulo Raimundo — Não só não há confronto como há sintonia. Quem paga é o consumidor final, mas depois quem fica com a riqueza criada não é o produtor, é a grande distribuição. Podemos encontrar as práticas todas e corretas ambientais, mas se não acabarmos com a ditadura da grande distribuição nunca vamos solucionar. O PAN não nos acompanhou quando avançámos com uma proposta de apoios extraordinários o ano passado para os agricultores, perante um problema muito complicado, o problema da seca.
Inês Sousa Real — Mas esse pacote tinha questões de apoio aos combustíveis fósseis ou até de redução do IVA das touradas que o PAN jamais poderia acompanhar.
Paulo Raimundo — Esta proposta em concreto, a senhora deputada sabe que não tinha.
Inês Sousa Real — Vocês apresentaram um pacote de medidas em que não estavam isoladas e não pudemos acompanhar.
Paulo Raimundo — Propusemos apoios extraordinários para a agricultura familiar para fazer face a um problema concreto.
Inês Sousa Real — Onde se inclui a pecuária e as outras ações nefastas.