O debate entre Pedro Nuno Santos e André Ventura foi tenso e intensamente político, com os dois líderes partidários a começarem a digladiar-se na corrupção e na Justiça e a terminarem numa troca não menos acesa de acusações sobre passados mais ou menos recentes, objetivos políticos e até sobre uma garantia que o líder do Chega deixou nos últimos dias mas que, no debate, não revelou de onde lhe veio: “Quem lhe deu a garantia total de que estará no governo?”, perguntou o socialista. “Não tenho de lhe dar nomes nem dizer nada porque não é de direita nem interlocutor, a minha preocupação não são acordos nem viabilidade, é luta contra a corrupção, salários mais altos e melhores pensões. É por isso que luto, não é por jogos de bastidores”, respondeu-lhe apenas o líder do Chega.
André Ventura deixou por esclarecer a questão e permitiu a Pedro Nuno sair do debate a acusá-lo de andar a “mendigar uma aliança” junto da direita, recordando o que Ventura disse numa entrevista à CNN no final de janeiro — “Se houver maioria parlamentar de direita, tenho a garantia total – não posso revelar de quem – de que haverá governo de direita. Com ou sem Montenegro. E não tem de ser com Passos”. A memória apareceu no final do debate e numa fase em que Pedro Nuno Santos já só vinha empenhado na tentativa de desmontar as “mentiras” que acusa o seu adversário de usar.
A dada altura do debate acusou-o mesmo de “não estar preocupado se o programa é viável ou não. Está preocupado em enganar as pessoas para um projeto para o qual não tem solução. Nunca foi preocupação por isso é que está sistematicamente a mudar de posição”, disse apontando como exemplo o caso das pensões e a equiparação ao salário mínimo que Ventura propõe. Na tentativa de acertar nas incoerências de Ventura, o socialista atirou mesmo ao seu passado no PSD — nesta altura apontou até para a “gravata perto do laranja” do adversário –, nomeadamente quando polícias e professores protestaram na rua, em 2013. “Onde estava André Ventura? No PSD, caladinho, não dizia uma palavra”.
Ventura ainda interrompeu para dizer que não era dirigente do PSD nesse ano, só foi em 2015, mas não travou Pedro Nuno, que o acusou de, depois desse tempo, “ter aderido à ideologia da moda para ver se consegue subir no sistema. Foi sempre esse objetivo: ser um político do sistema a tentar subir no sistema com um programa cheio de falsidades e com um programa de irresponsabilidade financeira. O parceiro que tanto deseja não o leva a sério” – atirou referindo-se ao PSD.
A carta que o líder do Chega tinha para jogar contra o socialista era sobretudo a da “impreparação”. Disse-lhe que o socialista “mostrou que não só não tem soluções como está impreparadopara ser primeiro-ministro” e que se o PS vencer as eleições, Pedro Nuno será” frouxo na luta contra a corrupção, mas que na habitação não tem nenhumas soluções para o país”. O socialista insurgiu-se: “Eu não sou frouxo. Que linguagem é essa? Tenha respeito pelo seu adversário”.
Antes de aqui chegar, Ventura já tinha aproveitado duas medidas polémicas do programa do PS — sobre médicos a compensarem o Estado antes de saírem para o privado — para atacar o adversário. “A ideia era amarrar médicos ao SNS querendo eles ou não querendo”, apontou Ventura acusando Pedro Nuno de querer uma “medida estalinista” e de entretanto ter percebido “que tinha de voltar atrás” e de ser o “candidato da amnésia”. Neste ponto, Pedro Nuno ia apenas jurando que tudo será feito “em negociação com os médicos”.
Depois, Ventura ainda acrescentou fragilidades noutra área de governação tutelada por Pedro Nuno, a habitação, para dizer que o ex-ministro nada fez. E acenou com um gráfico que mostrava “a construção mais baixa do século”. “Isso é construção privada. Não pode mentir, não pode terminar a mentir que é o que faz sempre, mente e engana”, ripostava Pedro Nuno defendendo-se com a “crise brutal que destruiu o setor da construção”.
Já o arraque do debate foi todo sobre corrupção e justiça, com Pedro Nuno Santos a refugiar-se na sua posição sobre a operação Influencer — de deixar a justiça funcionar — para tentar não comentar o que se passou na Madeira. Mas lá consentiu “preocupação” com os 21 dias de detenção de pessoas até serem conhecidas medidas de coação. Ainda assim, não defende mais do que “continuar a investir em meios” na questão do combate à corrupção, sem tocar no funcionamento da justiça.
“Sobre justiça, o programa de Pedro Nuno Santos é como é como o melhoral, não faz bem nem faz mal”, atirou Ventura que defende o aumento de penas “para quem é corrupto em Portugal” e o “confisco e apreensão dos bens para que Ricardos Salgados desta vida não fiquem nos seus palácios”. Aqui, o socialista ficou-se por insistir que o Chega “quer fazer de conta que combate a corrupção e apresenta soluções que já existem”. “Em 2022 foram arrestados 37 milhões de euros e confiscados a favor do estado 13 milhões de euros”, disse sobre as duas propostas de Ventura que insiste já existirem. “Mas são ineficazes” como existem, contrapôs o líder do Chega.
“A lei não funciona nestes termos, se funcionasse não continuávamos a ter esta corrupção portuguesa”, argumentou o líder do Chega, com Pedro Nuno a apontar-lhe uma ausência parlamentar numa votação unânime sobre medidas anti-corrupção — “preferiu estar num encontro com líderes de extrema direita na Europa” –, enquanto do lado de lá da mesa Ventura disparava nomes de governantes do PS a braços com a Justiça, como José Sócrates ou Manuel Pinho.
Sobre Sócrates chegou mesmo a dizer “como outros, abusa dos recursos”. E Pedro Nuno tentou, mais uma vez, fazer pontaria à incoerência, dizendo que Ventura defende para os outros o que não aplica a si, uma vez que ele mesmo já usou de recurso quando foi condenado por difamação — “era um processo cível, não tem nada a ver com crime”, ripostou o líder do Chega.
O diálogo mais revelador
Pedro Nuno Santos: Disse que se a direita fosse maioritária havia um governo de direita com ou sem Montenegro, que alguém tenha dado esta garantia, e era importante que tivesse a coragem, já que é um homem frontal e que diz tudo o que pensa, que diga quem lhe deu a garantia total de que estará no Governo.
André Ventura: Eu sei que está preocupado com isso, mas não se preocupe que a direita vai mesmo vencer…
Pedro Nuno Santos: Não vai responder?
André Ventura: Vou responder assim.
Pedro Nuno Santos: Se não responde podemos concluir que estava a mentir.
André Ventura: Não tenho de lhe dar nomes nem dizer nada porque não é de direita nem interlocutor.
Pedro Nuno Santos: “Garantia total.”
André Ventura: A minha preocupação não são acordos nem viabilidade, é luta contra a corrupção, salários mais altos e melhores pensões. É por isso que luto, não é por jogos de bastidores. Isso deixou para o PS e para o PSD.
Pedro Nuno Santos: É, por isso é que anda a mendigar uma aliança com o PSD.