Paulo Raimundo abriu um atalho para as análises que se farão ao debate desta noite quando, ainda nem o confronto com o liberal Rui Rocha ia a meio, resumiu: “Está aqui um bom exemplo de duas visões completamente diferentes para o país”. No caso, o exemplo tinha a ver com os prémios de produtividade que a Iniciativa Liberal quer juntar aos salários dos funcionários públicos, e de que o PCP discorda, mas a frase poderia ter sido dita sobre praticamente qualquer tema — uma vez que o mais natural é que os líderes de um partido comunista e de um partido liberal não se entendam.

O debate, que foi vivo mas sem grandes exaltações de parte a parte, tinha começado precisamente por aí — partindo do caso da Justiça, em que o PCP defende que os funcionários devem ser aumentados (em número e no salário) para que esta funcione melhor, Rui Rocha tinha defendido que os funcionários públicos devem ser bem pagos, mas aplicando para isso uma “componente variável da remuneração” através de objetivos e produtividade.

Logo aqui, a sentença de Raimundo — são visões diferentes para o país — e a explicação: “Claro que a produtividade entra na equação, mas não nenhuma relação entre ela e os salários. Antes houvesse! Os salários estariam muito mais altos do que estão”, atirou de volta, defendendo que os trabalhadores devem poder contar com salários mais altos sem depender de prémios. E acrescentou que não há falta de dinheiro, desde que seja mais distribuído — “Com a nossa proposta os grupos económicos não podiam ter 25 milhões de euros de lucros por dia, se calhar só tinham 16, 17, 18… qual era o problema?” Nada feito, apesar de ambos defenderem salários mais altos: 15% para todos na proposta do PCP, que assenta nessa distribuição de riqueza e noutros cortes de despesas nas empresas; 5,5% ao ano para a IL, com base em baixas de impostos para famílias e empresas — uma estratégia seguida nos países europeus para os quais muitos jovens portugueses emigram, como atirou Rocha.

Quando o tema passou a ser sobre as privatizações que devem ser feitas (na versão de Rui Rocha) ou, por outro lado, as nacionalizações ou o controlo público de áreas “estratégicas” (visão de Paulo Raimundo), novo choque. Para Rui Rocha, deve haver “lucros e prejuízos privados”: “Quando empresas correm bem devem ter lucros e mal devem assumir prejuízos, não deve ser dinheiro injetado”, defendeu, acusando o PCP de ter viabilizado Orçamentos em que essas injeções aconteceram e de querer avançar com nacionalizações com grandes custos para o Estado.

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Raimundo contra-atacou dizendo que o Estado deve ter algum retorno depois de ter injetado na banca mais do que o valor da “bazuca” europeia, “para aparar os buracos que a banca privada abriu”, assim como na Efacec, “que o Governo limpou e depois entregou a um grupo privado”. A TAP, lamentou, terá o mesmo destino. E acusou a IL de “achar que o Estado está a mais em tudo menos a passar os cheques”. Questionado pelo liberal sobre se nesse caso quereria nacionalizar todos os bancos que receberam ajudas do Estado, a somar a exemplos de empresas como os CTT, Raimundo ironizou: “Tudo bons exemplos de gestão privada.”

Na Saúde, mais um exemplo: o presidente da Iniciativa Liberal disparou contra a “cegueira ideológica” do PCP, que diz estar a prejudicar utentes e profissionais de Saúde, e defendeu que o que importa é que haja resposta: “As pessoas que estão à porta do centro de saúde não podem escolher, a solução é que possam escolher qual o serviço que queiram”, seja no público, no privado e no setor social. “As pessoas que não têm dinheiro ficam nas filas e sem médicos de família, não queremos que paguem mais por isso, o Estado é que vai pagar”, disparou.

Para Raimundo, esse modelo, que comparou ao dos Estados Unidos — “mais um fantasma“, atirou Rocha — só servirá para entregar mais verbas aos privados: “A proposta da IL é dar o golpe final ao SNS.” Mais uma vez, defendeu, os liberais querem ver o Estado a ser um “passador de cheques para o privado”. Houve ainda uma troca de acusações sobre as associações de um e outro aos outros partidos: o líder comunista disse que a IL não lhe “perdoa” ter afastado do poder “a sua fonte de inspiração” (o Governo PSD/CDS); o líder liberal respondeu-lhe afastando-se dessa direita e acusando-o de ter aprovado Orçamentos socialistas.

O debate acabaria com uma pergunta igual para os dois, recém-líderes que sucedem a antecessores carismáticos (João Cotrim Figueiredo e Jerónimo de Sousa), sobre se as respetivas lideranças estarão em avaliação nas próximas eleições. Curiosamente, uma questão a que também conseguiram responder mostrando as diferenças ideológicas: para um liberal, disse Rocha, a concorrência é uma coisa positiva e faz com que se esforce para ser melhor líder — e “obviamente que as lideranças vão a votos“, e a IL que vai a votos está “preparada para governar”.

Ora para um comunista o que interessa é principalmente o trabalho do coletivo — por isso mesmo, defendeu que o que importa não é “como é que o Paulo Raimundo se vai safar“. E rematou com mais um sinal de que a solução poderá estar nas “maiorias que se formem” depois das eleições de dia 10 de março — “Lá estaremos com mais força para condicionar os caminhos de futuro”.

O diálogo mais revelador

Rui Rocha: A IL acredita que é possível subir salários pelo crescimento económico e não por decreto e este aumento de 15% generalizado que o PCP propõe tinha como consequência a ruína de pequenas e médias empresas.

Paulo Raimundo: Não necessariamente.

Rui Rocha: Vamos admitir que uma empresa decide aumentar um trabalhador nos tais 15%, ganha hoje 1300 euros, abaixo do salário médio.

Paulo Raimundo: Olhe que isso já não é mau…

Rui Rocha: Passaria a ganhar 1495 euros. O custo desse aumento são 221 euros por mês, para o trabalhador vão 122 euros e para o Estado 118 euros, praticamente metade. E pergunto a Paulo Raimundo se acha isto justo porque é uma das razões, para além do fraco crescimento económico, pelas quais as pessoas emigram para a Alemanha e para a Holanda.

Paulo Raimundo: Há uma diferença considerável porque temos três milhões de trabalhadores que ganham até mil euros de salário bruto por mês, mais de metade de toda a mão de obra.

Rui Rocha: O PCP aprovou seis orçamentos ao PS.

Paulo Raimundo: Eu sei que o senhor deputado não nos perdoa…

Rui Rocha: A IL nunca esteve no poder nem influenciou o poder. Não perdoo, não… pela estagnação do país…

Paulo Raimundo: Não nos perdoa o facto de termos arredado o governo do PSD e do CDS, de termos afastado da gestão do país aquilo que é a fonte de inspiração do seu programa, que é a troika.

Rui Rocha: Não tenho nada a ver com o PSD e com o CDS, nem sequer quis ir com eles na coligação por isso veja como estou distante. É pela estagnação do país…

Paulo Raimundo: [Fonte de inspiração] que é a troika… Só que é 10 vezes a multiplicar o projeto da troika.