Desde a saúde, à habitação e aos impostos, não há ponto de concordância entre Rui Rocha e Mariana Mortágua, que estiveram frente a frente a discutir duas visões completamente opostas de e para o país. De um lado, a coordenadora do Bloco de Esquerda acusou a Iniciativa Liberal de querer beneficiar os mais ricos através de “borlas”, enquanto o líder liberal assegura que o Bloco de Esquerda prefere “distribuir pobreza”.
O debate arrancou com o tema da habitação, em que ambos concordam que é preciso aumentar a oferta de casas, mas com propostas antagónicas. Rui Rocha considera que a proposta do Bloco de Esquerda de 80 mil casas com 1200 milhões de euros, 60 mil euros por casa, que considera “francamente inviável“, mas vai mais longe para colar os bloquistas a quem quer fazer distinções, sublinhando que o Bloco de Esquerda o problema está “nos não residentes” e “outros partidos que está na imigração”.
Mariana Mortágua assegurou que não está em causa a nacionalidade e sim uma diferenciação entre quem procura casa para viver e quem procura casa como um bem de luxo. E prosseguiu para argumentar que Portugal é o terceiro país mais caro do mundo se se comparar os preços das casas e os rendimentos, sendo Lisboa a cidade mais cara, o que lhe permitiu ironizar em jeito de ataque ao adversário: “Isto é o mercado a funcionar. E a IL quer mais do mesmo: mais mercado a funcionar.”
Quanto à banca, a líder bloquista aproveitou para criticar o facto de a IL querer cortar os impostos para metade em alguns setores quando a banca apresenta lucros de 3,6 mil milhões de euros (mais 40% em 2023) a que soma os EDP ou da Galp. Rui Rocha recusa-se a que o Estado interfira no mercado, insiste na privatização do banco público e aponta as agulhas para onde considera que tem de haver interferência do Estado: saúde, educação, justiça e defesa. Tudo contra a ideia de “enfiar dinheiro dos contribuintes quando corre mal e asfixiar quando corre bem”.
Já depois de o líder da IL ter questionado Mariana Mortágua sobre quanto custariam as nacionalizações que sugere, apontando para os 30 mil milhões de euros, a líder do Bloco de Esquerda assegura que custariam “metade do que a borla de 2,2 mil milhões de euros que quer dar no IRC à banca, cortando-lhe metade dos impostos”. Rocha recusou-se a aceitar a “formulação de borla” e a teve de “partido dos ricos” e aproveitou o tema para apontar o dedo ao Bloco de Esquerda por apenas falar “quatro vezes” de crescimento económico no programa eleitoral: “Não há nada mais social do que crescimento económico. distribuir pobreza é a proposta do BE.”
Mariana Mortágua insistiu que quer uma “economia que cresce, que investe em setores de futuro e que é capaz de dar empregos com condições” e “não este país de baixos salários”, mas recusou-se a aceitar que seja à custa de descer impostos à banca. Aliás, foi até mais longe para dizer que a IL só quer admitir um funcionário público por cada dois que se reformam e que defende um sistema de saúde “mais caro e pior” do que SNS.
A garantia do adversário é que o sistema proposto pela IL “não é mais caro” e Rui Rocha compara: “Os funcionários públicos pagam ADSE para terem acesso a diferentes escolhas”, disse, acusando o Bloco de Esquerda de querer que “todos os outros [sejam] reféns” do SNS e de “anestesiar a saúde”. Mortágua considera que Rocha só quer “dar cheques ao privado” e que “não suporta mexer nos lucros da especulação”, mas rejeitou também viver num país que “é uma permanente competição”.
Tal como já tinha feito com Paulo Raimundo, Rui Rocha terminou a acusar o Bloco de Esquerda de ser “corresponsável” pela “governação do país” e pelo estado das coisas, desresponsabilizando a IL por nunca ter tido responsabilidades governativas e colando o Bloco de Esquerda aos governos do PS.
Paulo Raimundo e Rui Rocha: um liberal e um comunista entram num debate e discordam em tudo
O diálogo mais revelador
Mariana Mortágua: Aquilo que a IL propõe é cortar os impostos, tanto da banca, como da EDP, como da Galp, para metade. são menos 16,5 pontos percentuais no IRC.
Rui Rocha: O Estado [está] a interferir, a dar ordens a bancos, como é o caso da CGD, para descomprometer o mercado daquilo que são as suas regras e não queremos o Estado a dar ordens a empresas em setores que não tem de ter intervenção do Estado, que deve preocupar-se com a saúde, com a educação, com a justiça, com a defesa. (…) [tem funcionado] porque tem aplicado regras privadas e não tem tido a interferência de Mariana Mortágua a dizer quanto deve baixar a taxa de juro. Lucros privados, prejuízos privados. Quando os negócios correm bem não deve haver a tentação de asfixiar esses negócios, quando correm mal não deve ser enfiado dinheiro dos contribuintes. (…) O programa do BE propõe nacionalização da REN, EDP, Galp…
Mariana Mortágua: Controlo público.
Rui Rocha: E estamos a falar de 30 mil milhões de euros que custaria a privatização destas empresas e tenho de perguntar: com o dinheiro de quem? Numa família de três pessoas são 10 mil euros por família. Ou não quer pagar o justo valor na nacionalização destas empresas ou quer pagar e vai precisar do dinheiro dos contribuintes.
Mariana Mortágua: O que aqui foi dito é que as pessoas têm de enfrentar a subida do crédito à habitação, isso é o mercado e nada tem de ser feito. O que é estranho é que a IL que prejuízos privados, mas quando o Bloco de Esquerda aprovou uma proposta para travar a injeção do Novo Banco em 2020 de 476 milhões a IL votou contra.
Rui Rocha: Porque havia um compromisso anterior do Estado português e a IL entende que o Estado português deve cumprir os seus compromissos.