O procurador europeu português, José Ranito, reconhece dificuldades em avançar e concluir processos pela falta de equipas de investigação dedicadas à Procuradoria Europeia e alerta para o aumento de pendências devido à falta de recursos.
Em entrevista à Lusa a propósito da divulgação do relatório de atividades anual da Procuradoria Europeia (EPPO, na sigla inglesa), o procurador delegado nacional sublinhou o tempo decorrido desde que no final de 2022 a Procuradora-geral Europeia, Laura Kövesi, alertou em Portugal para a necessidade de o país reforçar o seu número de procuradores europeus em quatro elementos e a entrada em vigor dos dois concedidos pelo Ministério Público, em janeiro de 2024.
“Portanto, nós estivemos a funcionar com quadros subdimensionados para o volume de trabalho que tínhamos em 2023, por um lado. Por outro lado, a taxa de conclusão reflete um pouco ainda a dificuldade que estamos a ter na implementação de equipas dedicadas à EPPO (…), Portugal ainda não as tem. Nessa medida disputamos os meios de investigação criminal com as autoridades judiciárias nacionais, o Ministério Público (MP) nacional”, disse José Ranito.
Portugal tinha no final de 2023 seis procuradores delegados em atividade e quatro assistentes.
“Detetamos alguma dificuldade no desenvolvimento de investigações e isso tem sido monitorizado em reuniões no sentido de alertar que o grau de resposta das investigações portuguesas tem que alinhar com o mandato da EPPO enquanto uma cooperação reforçada, para resolver estes casos com a máxima eficácia possível em tempo útil“, acrescentou.
José Ranito sublinhou o trabalho desenvolvido junto dos órgãos de polícia criminal para uma “mobilização de todos”.
“Está toda a gente ciente da necessidade de termos uma resposta eficaz”, disse, admitindo que o recente reforço de meios na Polícia Judiciária teve efeitos visíveis “no tempo de resposta para a conclusão das investigações”, mas insistiu que “apenas se conseguem resultados com meios”, nos quais os Estados membros têm que investir para atingir “as respostas à proteção dos interesses financeiros da União Europeia”.
“Em termos de pendências temos a constatar que em termos do ano anterior há um aumento significativo do volume de pendências e da carga de trabalho. Isto vai envolver necessariamente meios para conseguirmos cumprir o mandato da EPPO em Portugal”, acrescentou o procurador europeu nacional.
José Ranito admitiu que a fraude ao IVA, que representa a quase totalidade de prejuízos financeiros estimados pelas investigações portuguesas na EPPO e 59% dos danos estimados em todos os processos da EPPO, é uma prioridade.
“A preocupação que este tipo de fenómeno me traz resulta da perceção que temos das investigações que estão pendentes em que na verdade estamos a lidar com crime organizado”, disse.
José Ranito explicou que a perceção é a de que “os esquemas de fraude poderão estar a alimentar e a produzir lucro relativamente a proveitos de toda a espécie de crime sério, em que a fraude é apenas um dos fatores de multiplicação de lucro” e entendida como “uma prática de baixo risco” quando comparada com crimes como o tráfico de droga.
O magistrado explicou que as investigações relativas à fraude ao IVA têm por base informação fiscal que, com o grau de interligação existente atualmente entre os procuradores dos diferentes países, permitiu “mapear um conjunto de entidades aparentemente inócuas” que apareciam com frequência num conjunto de investigações como fornecedores ou clientes de entidades que a EPPO sabia serem “meras entidades de fachada”.
“Além do mais tem sido feita uma aposta no domínio de uma recuperação de ativos e isto foram dados que também me surpreenderam, porque no montante total de prejuízos estimados nos processos abertos na EPPO em 2023, de 19,2 mil milhões de euros, a EPPO logrou obter decisões de congelamento de bens ou de apreensão de bens no valor total de 1,5 mil milhões de euros, o que corresponde a 8% do valor dos danos, o que é um comportamento assinalável em termos processuais”, sublinhou ainda José Ranito.
Para o procurador, os dados de congelamento de bens revelam “a preocupação e a atenção” da EPPO com a perda de ativos para retirar às redes criminosas os meios para continuarem a operar.
A EPPO tem atualmente 22 Estados-membros (Portugal, Áustria, Bélgica, Bulgária, Chipre, Croácia, República Checa, Alemanha, Estónia, Espanha, França, Finlândia, Grécia, Itália, Lituânia, Luxemburgo, Letónia, Malta, Países Baixos, Roménia, Eslovénia e Eslováquia) e tem como procurador europeu português o magistrado do Ministério Público José Ranito.
O organismo, que funciona como um Ministério Público independente e altamente especializado, entrou em atividade a 01 de junho de 2021 e tem competência para investigar, instaurar ações penais, deduzir acusação e sustentá-la na instrução e no julgamento contra os autores das infrações penais lesivas dos interesses financeiros da União (por exemplo, fraude, corrupção ou fraude transfronteiriça ao IVA superior a 10 milhões de euros).