Vicente foi o primeiro a atender o telemóvel. Fernanda ainda estava a recuperar do trauma que lhe deixou o corpo cheio de hematomas e lhe partiu uma costela, conforme noticiou o El Mundo. Tudo aconteceu na noite em que decidiram acampar na Índia, antes de seguirem de mota para o Nepal.
“Estava a escurecer e decidimos acampar. Já estávamos dentro da tenda quando chegaram três homens em duas motas e começaram a gritar connosco e a atirar pedras“, recordou o valenciano, de 63 anos, ao jornal espanhol. “Quando olhei para fora, vi que um deles trazia um punhal na manga.”
Correr riscos era algo a que o valenciano e a brasileira com nacionalidade espanhola estavam relativamente habituados. Juntos há nove anos, passaram seis a percorrer o mundo, tendo feito mais de 170.000 quilómetros e visitado 66 países. Desta vez, tinham começado no Afeganistão e planeavam terminar a viagem na Nova Zelândia. Contudo, o que lhes aconteceu naquele bosque indiano não era semelhante a nenhum dos outros perigos por que tinham passado.
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Assim que Fernanda e Vicente viram os homens – “alguns muito jovens, inclusivamente menores de idade” – a aproximar-se da tenda, arrumaram “rapidamente as coisas” e vestiram “os macacões de motociclistas”.
“Estávamos muito assustados e a Fernanda pegou numa das estacas da tenda para se defender caso fôssemos atacados. Mas assim que saímos, vimos que tinham chegado mais quatro homens“, disse o valenciano. “Enquanto tentávamos falar com eles e tentar acalmar a situação, três dos homens agarraram a Fernanda. Tentei ir atrás dela, mas os outros quatro começaram a bater-me. Consegui defender-me até que me bateram na cabeça com uma pedra e caí no chão. Depois, começaram a bater-me com o capacete da mota da Fernanda e fiquei semiconsciente.”
Vicente agradeceu ao macacão que levava vestido, por ter protegido o seu corpo dos pontapés dos homens. Mas tal não foi suficiente para impedir o que veio a seguir. “Amarraram-me e puseram-me uma faca no pescoço. Disseram que me iam matar.”
De seguida, o valenciano viu os homens a arrastar Fernanda, de 28 anos, para longe, a cerca de 80 metros de onde estava. “De repente, deixei de ouvi-la. Também não conseguia vê-la. Achava que a tinham matado“.
Quando Vicente chegou a esta parte, Fernanda decidiu interrompê-lo, para ser a própria a contar a sua versão dos factos. “Nos arbustos, agarraram-me e despiram-me. Depois, violaram-me à vez. Quando eu gritava, batiam-me na cara. Só conseguia ouvi-los a repetir as mesmas palavras em inglês: ‘Only sex, only sex’“, disse ao mesmo jornal.
Vicente lembra-se de “implorar” para que parassem. “Ofereci-lhes dinheiro e disse para levaram tudo o que tínhamos. Mas eles não estavam ali para roubar. Não tocaram nas motas e não levaram os 300 euros que disse ter na carteira. Estiveram lá durante três horas a violar a Fernanda.”
O valenciano disse ainda que, durante o tempo em que a violação em grupo estava a acontecer, lhe puseram uma espécie de lona na cabeça”. “Disseram que iam cortar-me a garganta e que não queriam sujar-me de sangue. Achava que já a tinham matado. Quando saíram de lá, vi a Fernanda a sair dos arbustos.”
“Não vejam a Índia como um país de violadores. Há pessoas más em todo o lado”
Eram 23h quando as autoridades indianas encontraram o casal a deambular numa estrada perto do bosque onde tinham acampado. Fernanda ainda recorreu ao tradutor para explicar o que tinha acontecido, mas os agentes, sem perceber, levaram ambos para o hospital, onde pernoitaram, segundo revelou o oficial Pitamber Singh Kherwar, citado pela ABC.
Fernanda acabou por ser transferida para o Centro Comunitário de Saúde de Saraiyahat, em Dumka, onde foram realizados os respetivos exames. Os resultados provaram que a brasileira – que, em conjunto com o companheiro, conta com mais de 300.000 seguidores nas redes sociais – tinha “os seios e partes íntimas roxas e uma costela partida”, além de ter lesões na cara, devido às pancadas.
“A minha cara está assim, mas não é o que dói mais. Achei que íamos morrer. Graças a Deus que estamos vivos”, disse a influenciadora, numa história no Instagram.
Entretanto, a polícia indiana confirmou este domingo que quatro dos sete envolvidos na violação já tinham sido detidos, sendo que três deles já estiveram presentes a tribunal. O diretor-geral da Polícia, Ajay Kumar Singh, revelou também que é provável que os suspeitos sejam condenados “a prisão perpétua”.
O ministro da Saúde indiano, Banna Gupta, garantiu que o governo responsabilizará os homens envolvidos na violação. “Não conheço os factos completos, mas o governo está empenhado em tomar medidas rigorosas contra todos os malfeitores que cometeram este crime contra qualquer uma das nossas irmãs, indianas ou estrangeiras, dentro da lei”, disse, citado pelo jornal espanhol.
A embaixada espanhola na Índia disse também estar em contacto com as vítimas do crime, para lhes prestar assistência consular e agradeceu o apoio ao casal.
Vicente revelou ao El Mundo que está apenas à espera da autorização de saída do país para o casal pegar nas motas e seguir para Katmandu, no Nepal. “A única coisa que peço agora é que não vejam a Índia como um país de violadores. No geral, é um lugar muito seguro, onde temos sido muito bem tratados, por pessoas muito humildes e trabalhadoras. Porque existem pessoas más em todos o lado.”