O Grupo Global Media começou esta terça-feira um processo de despedimento coletivo, que inclui a saída de toda a direção do Diário de Notícias, de acordo com um comunicado do grupo. Para além da saída três diretores do jornal que tinham sido contratados pela anterior comissão executiva, o despedimento coletivo abrange 17 quadros do grupo entre área administrativa e marketing e redação, num total de 20 pessoas, de acordo com uma nota justificativa a que o Observador teve acesso.
O comunicado da empresa que detém o DN diz que “o Global Media Group iniciou hoje o processo de reestruturação de equipas internas, o que nos forçou a um despedimento coletivo fundamentado na complicadíssima situação financeira que resultou da gestão dos últimos meses, cujo impacto foi público”.
Esta decisão é tomada a dois dias da realização de uma greve geral dos jornalistas. “Do processo de reestruturação decorre também a saída do diretor do Diário de Notícias, José Júdice, bem como da restante direção, a quem agradecemos o empenho demonstrado. Sobre este tema foi solicitado um parecer ao Conselho de Redação”, diz ainda a nota.
Para além de José Júdice, estavam na direção do DN, Ana Cáceres Monteiro e Filipe Garcia. A equipa tinha sido contratada pela comissão executiva nomeada de José Paulo Fafe, num esforço de recuperação editorial e económica do jornal que levou à contratação de outros reforços. A atual comissão executiva considera que esta “fortíssima aposta no reforço da equipa”, com a entrada de 11 pessoas para a redação, não resultou uma melhora dos resultados de circulação, tendo contribuído para a degradação dos resultados operacionais do jornal que foram de 1,3 milhões de euros no final de 2023.
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É assim justificada a decisão de eliminar 9 dos 11 postos de trabalho criados, optando por manter duas das pessoas que têm remunerações mais baixas. Ou seja, o despedimento coletivo que afeta os jornalistas do DN é fundamentado na decisão de extinguir os seis postos de trabalho mais caros. No caso dos três diretores, a administração invoca a denúncia dos contratos de trabalho ainda durante o período experimental de seis meses.
Os reforços para a redação do DN foram contratados no final do verão passado, tendo pouco tempo depois o grupo atravessado a difícil situação que culminou no não pagamento de salários.
Os administradores da Global Media dizem estar “conscientes de que este processo tem grande impacto nas operações do Diário de Notícias” e garantem que vão fazer “tudo” para “minorar as suas consequências”. Mas, acrescentam, a “verdade é que a situação atual era insustentável tanto do ponto de vista financeiro como do ponto de vista da equidade com os profissionais que há muito tempo mantêm viva a chama editorial do Diário de Notícias. Por isso se impunha esta decisão, que visa também lançar um projeto renovado para o DN que será desenvolvido em articulação profunda com a atual redação”, diz ainda.
Para além da redação do DN, o despedimento coletivo abrange ainda colaboradores contratados pela anterior comissão executiva para cargos de assessoria, apoio à administração, controlo financeiro, secretariado e um motorista. Sai também o novo diretor-geral.
A maioria das pessoas abrangidas por este despedimento tinha sido contratada na sequência da mudança do controlo da Global Media que envolveu a entrada do fundo World Opportunity e da gestão de José Paulo Fafe. O afastamento deste acionista da administração do grupo foi concretizado em fevereiro, na sequência de um acordo com os outros acionistas, entre os quais Marco Galinha.
O novo diretor do Diário de Notícias será Bruno Contreiras Mateus, atual diretor do Dinheiro Vivo. O jornalista vai ficar durante três meses nas funções, até julho, após os quais vai sair da Global Media “para se dedicar a projetos pessoais, à docência e à investigação”.
Estas contratações no Diário de Notícias foram feitas pouco antes da anterior gestão anunciar o despedimento de 150 a 200 trabalhadores do grupo, uma ação que iria penalizar mais o Jornal de Notícias, a TSF e o Jogo. Pouco depois de ser conhecida esta intenção, o grupo falhou no pagamento dos salários.
Na sequência da grave crise que o grupo Global Media atravessou nos últimos meses, a empresa passou por uma profunda reestruturação nas últimas semanas.
Um grupo de empresários do norte do país juntou-se para comprar o Jornal de Notícias, O Jogo e a TSF, que vão ficar numa nova empresa que deverá ser liderada pelo jornalista Domingos Andrade e da qual fazem parte também os acionistas da Global Media.
Por outro lado, outros títulos, como o Diário de Notícias ou o Dinheiro Vivo, não foram incluídos nessa operação — e ficaram na esfera do grupo Global Media, que tem desde o final de fevereiro uma nova administração.
Vítor Coutinho, que já foi padre católico e vice-reitor do Santuário de Fátima, é o novo CEO do grupo. A administração inclui ainda o jornalista Diogo Queiroz de Andrade e o empresário Rui Rodrigues, conhecido como o “Piratinha do Ar” por em adolescente ter desviado um avião da TAP (história que pode recordar num Podcast Plus do Observador).
O comunicado da administração da Global Media inclui um anexo com 11 páginas em que se descrevem detalhadamente os motivos invocados para o despedimento coletivo.
Entre os motivos são listadas a crise no setor dos media, a diminuição da atividade da empresa, o desequilíbrio financeiro e os resultados obtidos pelas apostas recentes. Segundo o anexo, regista-se uma “ausência de resultados esperados do recente reforço de estrutura efetuado” pela última administração.
“É manifesta a desadequação desse reforço de recursos humanos relativamente à atividade desenvolvida, aos resultados da Empresa e às receitas geradas, sendo que o acréscimo do respetivo custo com salários contribuiu, e muito, para o agravamento das condições económico-financeiras da Empresa”, diz a nota.
As “circunstâncias macroeconómicas atuais”, os “indicadores de mercado para os próximos anos”, os “indicadores económico-financeiros e o seu desequilíbrio estrutural” são outros dos fatores.
“Decisão que afeta mais uma vez o coração do jornal e do jornalismo”. Redação do DN ameaça com novas formas de luta
Em comunicado, os jornalistas do Diário de Notícias disseram repudiar “veementemente mais um anúncio de despedimento coletivo na Global Media Group, que afeta mais uma vez o coração do jornal e do jornalismo”. Apelando à sobrevivência do DN e do “bom jornalismo”, a redação do jornal diz esperar que “a administração reconsidere e que seja possível criar uma solução que permita manter os bons profissionais”. Caso tal não aconteça, alerta-se para a possibilidade dos profissionais avançarem para “novas formas de luta”.
Para os jornalistas do DN, é “incompreensível que a dias de uma greve geral na profissão que defende melhores condições salariais, se pretendam despedir jornalistas invocando o critério ‘do salário demasiado alto’ e da ‘equidade salarial na empresa'”. Lembra a redação do diário que “naturalmente não se pode esperar que em pouco mais de três meses, durante os quais houve salários em atraso [permanecendo o Subsídio de Natal ainda em falta], fosse possível assistir a uma recuperação miraculosa”.
“A Redação opõe-se a mais um emagrecimento do DN, que há anos ostenta o título de mais pequena redação do País [ou mesmo do Mundo] dentro dos diários de referência”, acrescentam ainda, criticando fortemente a decisão: “Despedir jornalistas é abdicar de património, o único do qual a administração se pode e deve orgulhar. Sobreviver a despedimento coletivo atrás de despedimento coletivo (não é construir) é destruir o bom jornalismo e a resiliência dos que têm abdicado de viver para fazer um jornal à altura da história e prestígio do DN.”
*Notícia atualizada às 00h17 de 13 de março com a reação da redação do Diário de Notícias