“Foi uma semana estranha” (funny week) aquela em que a REN (Redes Energéticas Nacionais) teve de dar ordem para cortar a produção de fontes renováveis numa dimensão “nunca vista no sistema elétrico elétrico português”. A descrição é do administrador da REN, João Conceição, e diz respeito a um evento que marcou a semana passada. Devido a uma combinação de forte oferta na Península Ibérica das três grandes fontes renováveis — a água, o vento e o sol — registaram-se preços historicamente baixos (e até negativos) no mercado grossista.
As declarações foram proferidas durante a conferência sobre energias renováveis offshore (no mar) promovida esta quarta-feira pela APREN (Associação Portuguesa das Energias Renováveis).
Estes cortes à produção renovável, designados de curtailment, são um mecanismo que pode ser usado pela gestor da rede para resolver o excesso de oferta face à procura de forma a evitar colapsos na rede elétrica. Até há pouco tempo, os cortes de produção estavam reservados sobretudo às centrais despacháveis, aquelas que podem ser ligadas e desligadas, ou seja, as que usam combustíveis fósseis e as barragens.
A energia que não pode ser armazenada, essencialmente a eólica e a solar, tem normalmente via verde para entrar na rede até porque é a mais barata. Mas com o aumento da potência instalada e da produção renovável, a realidade dos cortes por razões do mercado (e não técnicos) do lado da produção vai passar a ser mais frequente, avisou o gestor da REN.
“Elevar o nível de corte do lado da produção permite-nos gerir a rede de forma ativa face um eventual excesso de produção”. Segundo João Conceição, os cortes aplicados em pelo menos dois dias da semana passada chegaram a travar uma potência de 2500 MW (megawatts) no seu pico. Em esclarecimentos adicionais aos jornalistas, o gestor da REN clarificou que foram impostos cortes na produção eólica e no solar em alturas em que Portugal não estava a importar energia de Espanha (que seria a via preferida para reduzir a oferta e equilibrar o sistema).
Durante a conferência da APREN, o impacto do curtailment — procedimento que vem acompanhado por preços muito baixos ou mesmo negativos — na viabilidade financeira dos novos investimentos em energias renováveis, foi tema. Para o administrador da REN, o que aconteceu não deve servir como “fotografia estática” para eventos futuros. “Assistimos a um tempo único em Portugal em que as três fontes de produção renovável estavam no topo. A combinação de níveis elevados de água, sol e vento não é muito comum” e os investidores devem considerar outros cenários quando decidem a sustentabilidade dos novos projetos.
Também João Peça Lopes, professor da Faculdade de Engenharia do Porto, prevê que o fenómeno vá acontecer mais vezes no futuro. Quando os investidores estiverem a definir os seus projetos devem tentar antecipar o efeito desses cortes possíveis e incorporá-los nos modelos financeiros. Para este especialista, o curtailment será também um instrumento importante para o gestor da rede gerir as pressões crescentes de maior injeção, sem realizar investimentos avultados no reforço de capacidade para acolher a expansão das renováveis.
O tema central desta conferência é o leilão de eólicas offshore que Portugal quer realizar, mas cujo modelo e calendário aguardam a decisão do novo Governo.
Segundo João Peça Lopes, a atual rede de transmissão tem capacidade para acolher até 2,5 gigawatts de potência adicional, com algumas intervenções e o recurso ao curtailment, mas o aumento da injeção de fontes renováveis não é a única variável que está a pressionar a rede.
Centro de dados e hidrogénio nos 17 projetos que pedem ligação à rede elétrica em Sines
É expetável que se verifique um crescimento “agudo” da procura em Sines, sinalizou o administrador da REN. O gestor da rede realizou uma consulta junto promotores de projetos industriais, de gases renováveis (e de serviços como o data center que está no centro da Operação Influencer) e as respostas indicam que estes projetos “não são apenas intenções”, diz João Conceição.
“Estes promotores pagaram garantias muito elevadas, sinalizando que estes projetos são para avançar” e vão precisar de mais energia do que aquela que nos dá a interligação com Espanha, o que irá exigir investimentos muito elevados nas redes em terra. O gestor da REN comparou o tema a um puzzle, considerando que a expansão do offshore eólico tem de estar associado a esta procura.