A notícia chegou perto das 19h desta terça-feira. Alguns consideraram que veio numa “má altura”, outros que já “era expectável” e houve ainda quem confessasse ter ficado “surpreendido”. Após a Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS) ter comunicado que Fernando Araújo e a restante equipa apresentariam a demissão à ministra da Saúde, Ana Paula Martins, exercendo funções até ao dia seguinte da entrega do relatório de atividade, foram várias as reações à saída da atual estrutura do SNS.
Carlos Cortes sublinhou “respeitar a decisão”, que, segundo o próprio, “era expectável, tendo em conta as diferenças de visão que existiam entre Fernando Araújo e a ministra“, no que diz respeito à política da saúde. Apesar de ser uma decisão esperada, o bastonário da Ordem dos Médicos sugere que não vem na melhor altura. “É um momento muito sensível, da implementação de uma reforma que o próprio [Fernando Araújo] classificou como a mais importante desde a criação do SNS”, referiu à Rádio Observador.
“Esta decisão, legítima, vai colocar um vazio e uma necessidade de se encontrar rapidamente um substituto que esteja à altura deste enorme desafio que é hoje o SNS”, acrescentou, lembrando o “papel muito importante” que Fernando Araújo “desenvolveu na defesa dos cuidados de saúde”.
Na opinião de Carlos Cortes, não se devia extinguir a direção executiva, mas sim “rever o seu estatuto”, visto que, diz, “algumas competências podem sobrepor-se aquelas que tem de ter o ministério”. “No último ano, tivemos no Ministério da Saúde uma espécie de liderança bicéfala. Com o ministro, Manuel Pizarro, de um lado, e o diretor executivo do outro. A direção executiva devia manter a capacidade de executar as decisões que são definidas pela titular da pasta da saúde, que tem esta responsabilidade para definir a orientação concreta do SNS”, terminou.
Também Joana Bordalo e Sá, presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), considera que a direção executiva é uma “estrutura bastante pesada” e que “talvez não tenha sido tão funcional como pensada no início”. “Apesar de tudo, tinha um orçamento próprio que se calhar não se refletiu em melhores cuidados de saúde para a população. Compreendemos que provavelmente também estava com poderes excessivos e que acabou por esvaziar outras estruturas fundamentais, como a Direção-Geral da Saúde, Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), as Administrações Regionais de Saúde (ARS) e o ministério”, disse à Rádio Observador.
A líder sindical considera, contudo, que, se a direção executiva “se mantiver”, o seu sucesso não está dependente da “estrutura” ou de quem “a vai governar”, mas sim “dos recursos humanos que existem no terreno”. “Nomeadamente os médicos que estão em falta, de norte a sul do país e nas ilhas”.
Joana Bordalo e Sá lembrou que uma das maiores falhas desta equipa deveu-se à falta de profissionais de médicos, que levou a equipa de Fernando Araújo a “encerrar serviços de urgência e, mais uma vez, a deixar a população a descoberto”.
A presidente da FNAM sugeriu, no entanto, que no final as responsabilidades recaem sobre a ministra da Saúde, Ana Paula Martins: “A ministra tem a oportunidade de mostrar que rumo quer para o SNS, com ou sem direção-executiva, e que rumo quer para os médicos”, rematou.
Ana Paula Martins ainda não se pronunciou sobre a demissão de Fernando Araújo e da sua equipa, tendo o primeiro-ministro, Luís Montenegro, dito apenas “que a seu tempo falaria” sobre o assunto.
Já o antigo ministro da Saúde, Manuel Pizarro, fez uma publicação no Facebook a elogiar o “médico excecional, professor universitário de mérito, gestor público com provas dadas e um cidadão a quem os portugueses muito devem” que diz que Fernando Araújo é.
“Até no momento em que se demite mostra a sua elegância e o seu desprendimento“, disse Manuel Pizarro, adiantando, no entanto, que não vai “comentar as circunstâncias que o forçam a esta atitude”.
“Mas dou público testemunho do meu apreço e admiração por ele, pela sua verticalidade e pela sua independência. Qualidades que nem sempre são muito apreciadas pelo poder político nas pessoas que ocupam lugares de chefia na administração pública”, rematou.
Miguel Guimarães, ex-bastonário da Ordem dos Médicos e deputado da Aliança Democrática, disse que Fernando Araújo ainda tem de explicar “exatamente” quais foram as razões para a sua saída. “As que foram evocadas deviam ter sido acompanhadas pelos resultados que existem desta reforma, que insiste em transportar todos os hospitais em ULS. Esta resposta era fundamental“, disse, no Explicador desta quarta-feira.
João Paulo Correia, deputado do PS, por sua vez, disse estar “surpreendido” com o facto de o Governo não conhecer tais resultados. “Estamos a falar de uma área governativa com grande exposição e com grande escrutínio público. O Governo anterior foi altamente transparente quando avançou com a direção-executiva”, argumentou.
Desta forma, o deputado do PS disse que esta demissão representa um “momento crítico daquilo que é a gestão do SNS” e acusou a ministra da Saúde de não ser “bem intencionada” e de não “ter vontade de ter uma relação construtiva” com Fernando Araújo, ao ter escolhido “como primeira conotação pública passar uma imagem musculada de quem chegou ao Governo e deu uma ordem por mail ao diretor a dizer que tem 60 dias para fazer um relatório”.
“Apresentar a demissão após a ministra ter pedido um relatório de atividade dá um sinal péssimo”
No comunicado divulgado esta terça-feira, Fernando Araújo justificou a “difícil decisão” de se demitir com o facto de não pretender que a sua equipa seja um obstáculo às medidas e políticas que a nova ministra considere necessárias para o SNS.
O diretor-executivo referiu ainda que o pedido de demissão seguiu-se à reunião com a nova equipa do Ministério da Saúde, que terá comunicado as linhas gerais da política do novo governo para o setor e terá pedido para conhecer o estado das mudanças em curso, tendo, dias depois, solicitado um relatório de atividades.
Para Emanuel Bolieiro, presidente do Sindicato Nacional dos Enfermeiros, esta sucessão de acontecimentos “dá um sinal péssimo à imagem de Fernando Araújo”. “É uma decisão surpreendente. E até é uma mancha no seu próprio currículo político e técnico“, disse à Rádio Observador.
“Já se esperaria que a ministra, após tomar posse, pedisse um relatório de atividade da direção-executiva. Esta demissão é totalmente surpreendente, extemporânea e até estranha“, repetiu.
Emanuel Bolieiro confessou que o sindicato está “expectante” com a nova equipa que vier a integrar a direção-executiva, que espera que conte “com mais enfermeiros”. “Na anterior, estava apenas uma enfermeira. Esperamos reforçar a nossa presença, até pela competência do ponto de vista estratégico e operacional que temos demonstrado em períodos críticos, como na pandemia, na liderança do processo de vacinação”.
Já para o lugar de Fernando Araújo, o líder sindical não tem dúvidas de que “existe muita gente com capacidade e competência” para assumir o cargo.
Também o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, Xavier Barreto, reagiu à notícia da saída de Fernando Araújo e da respetiva equipa, tendo “lamentado”, especialmente por ocorrer “numa altura difícil e sensível”.
“O setor da saúde precisa de estabilidade. Estamos a meio de uma reforma importante, da reforma como nos organizamos, como o SNS se articula e como as atividades se integram entre si”, apontou. “Precisávamos de estabilidade para integrar esta reforma que é profunda e trabalhada e que está ser levada a cabo já há alguns meses.”
Xavier Barreto sublinhou que esta decisão não tem de significar “uma penalização para o SNS”, nem um “retrocesso”, mas é “necessário que seja estabelecido um conjunto de prioridades” na estrutura que vier a assumir a direção-executiva.
O presidente do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), Nuno Rodrigues, também lamentou à Lusa a demissão de Fernando Araújo, dizendo, contudo, que,”quando as pessoas não estão bem num cargo, devem sair”. Agora, o SIM espera que a “pessoa considerada, respeitada e competente” que assumir o cargo de diretor-executivo do SNS consiga “também atender aos problemas do SNS e trabalhar com os sindicatos para resolver os problemas que persistem”.
Na manhã desta quarta-feira, António Lacerda Sales, antigo secretário de Estado da Saúde, elogiou Fernando Araújo, descrevendo-o como “um homem de trabalho e de convicções”, e a “dignidade do seu gesto”, esclarecendo, no entanto, “não saber as razões profundas” que levaram ao mesmo.
Lacerda Sales: “É importante manter a estrutura da Direção Executiva do SNS”
Lacerda Sales disse que era “importante” manter a direção-executiva do SNS, de forma a separar as “funções técnicas e políticas”. Além disso, desejou que quem venha para o lugar de Fernando Araújo “seja alguém com conhecimento de terreno, do SNS, com capacidade executiva e de tomar decisões, ligado a consensos, capaz de fazer pontes, com capacidade de mobilização dos profissionais de saúde e que consiga implementar os processos de mudança que são necessários e tão urgentes”.
Face a esta demissão, o PS já fez saber que vai propor audições urgentes no parlamento à ministra da Saúde e ao diretor-executivo do SNS.
PS quer audições urgentes da ministra da Saúde e do diretor-executivo do SNS
Notícia atualizada às 14h30 de 24 de abril de 2024 com reação de Manuel Pizarro, antigo ministro da Saúde