A comissão parlamentar especial constituída para avaliar as acusações de André Ventura contra Marcelo Rebelo de Sousa já chegou a uma conclusão: não há “qualquer indício” das práticas dos crimes que o Chega imputou ao Presidente da República, incluindo o da “traição à pátria”, por ter defendido que o país deve “reparações” aos países que são antigas colónias portuguesas.

Os crimes que estavam em causa eram os de “traição à pátria, coação contra órgãos constitucionais e usurpação”. Ora o relatório, a que o Observador teve acesso, começa por dizer que um processo deste género tem de obedecer a “requisitos muito apertados”, como prevê o artigo 130º da Constituição (que se refere à responsabilidade criminal do Presidente da República por crimes praticados em funções), para “evitar a banalização ou a chicana das propostas de acusação contra o PR, bem como a flagelação gratuita deste por qualquer maioria hostil” (aqui, os deputados apoiam-se numa edição da Constituição anotada por Gomes Canotilho e Vital Moreira). Por isso mesmo, não existe “precedente” para este processo.

O relatório prossegue que, para que estes crimes se verificassem, Marcelo Rebelo de Sousa teria, no caso do crime de “traição”, de ter tentado “entregar a um país estrangeiro, ou submeter a soberania estrangeira”, o território português (no todo ou em parte), ofender ou pôr em perigo a independência do país”: “Tal não aconteceu”.

Quanto à questão da “coação contra órgãos constitucionais”, os deputados dizem não ter “encontrado qualquer atuação por parte do Presidente da República que tenha impedido ou constrangido o livre exercício das funções de qualquer órgão de Soberania”. Por último, o crime da “usurpação de autoridade pública português”, previsto para quem exercer “a favor de Estado estrangeiro ou de agente deste, ato privativo de autoridade portuguesa”, também não se “encontra preenchido”.

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Os deputados concluem assim, num relatório assinado pela socialista Isabel Moreira, que “o Presidente da República não utilizou as suas funções, com ou sem flagrante abuso das mesmas, para usurpar outros poderes soberanos ou favorecer, de algum modo, qualquer Estado estrangeiro, nem praticou qualquer ato público ou privado com potencialidade de prejudicar a soberania do Estado português”. E, “analisados os tipos penais invocados pelo Grupo Parlamentar Chega”, rematam: “Concluímos não existirem quaisquer indícios da prática dos crimes de traição à pátria, coação contra órgão Constitucional ou similares”.

“Anedota”, “autocrática”, “histérica”, “abusiva”, “insana” e “ignorante”. Partidos criticam iniciativa de Ventura contra Marcelo

A derrota do Chega no Parlamento era previsível, tendo em conta que já na manhã desta quarta-feira, no Parlamento, o partido ficara isolado na questão das reparações históricas e na iniciativa classificada como “anedótica” ou “autocrática” de tentar criminalizar declarações do Presidente da República. O mesmo tinha acontecido quando tentou apresentar um voto de condenação a Marcelo Rebelo de Sousa a nível parlamentar, acusando-o também de traição. Ainda assim, o assunto terá de voltar a ser debatido, uma vez que o relatório, escrito dentro das 48 horas previstas por Aguiar Branco, tem agora de ser discutido e votado em plenário.

Projeto do Chega contra Marcelo chumbado por todos os outros partidos: “Embaraçoso”, “censura”, “desrespeito pela separação de poderes”