O Chega ficou isolado no debate de urgência marcado pelo próprio partido para discutir “a situação provocada pelas declarações do Presidente da República em relação à reparação histórica das ex-províncias ultramarinas”. Apesar de vários partidos terem censurado as palavras de Marcelo Rebelo de Sousa, o partido liderado por André Ventura acabou acusado de ter um amor à pátria “recente e conveniente”, uma “reação histérica e hipócrita”, de estar a criar um tema para ter “mais tempo de antena” e de usar o Parlamento de “forma abusiva”.

No final, o Chega não recuou nem um milímetro. Depois de André Ventura ter  acusado todos os demais de serem “traidores” por terem “vergonha da história” de Portugal,  o vice-presidente da bancada parlamentar Rui Paulo Sousa ainda sugeriu que Marcelo Rebelo de Sousa deveria repensar o cargo de Chefe de Estado: “Se o Presidente não se sentir capaz de representar os interesses nacionais, é hora de considerar a sua renuncia.”

A mensagem do Governo surgiu pela voz de Paulo Rangel, ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiro, que reiterou que não vai ser promovido “qualquer processo ou programa de ações específicas com o propósito de reparar outros Estados pelo passado colonial português”. O governante atirou ainda contra Ventura, censurando a “terminologia utilizada” pelo Chega e de fazer política com base “no ressentimento“. “Portugal não tem medo da sua história. Lutará sempre pela isenção, imparcialidade e verdade históricas. O governos não cultivam nem instigam o ressentimento, mas sim o respeito mútuo e a reconciliação com a história, lá onde ela se imponha e justifique”.

Paulo Rangel admitiu ainda a possibilidade de um “pedido de desculpas” em nome do Estado português onde possa ser considerado “justo” e relevou que estão a ser desenvolvidos esforços conjuntos entre os Negócios Estrangeiros e o Ministério da Educação “para criar nas faculdades de letras portuguesas programas de investigação, cursos e até cátedras de tétum, crioulo, línguas timorense, cabo-verdiana, guineense e são-tomense”.

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Já depois de André Ventura ter dito no arranque do debate que as palavras do Presidente da República representam uma “traição sem paralelo, que nenhum Presidente da República foi capaz de cometer”, todos os outros partidos, da direita à esquerda, apontaram diretamente o dedo ao líder do Chega.

Regina Bastos, do PSD, acusou Ventura de estar a “alimentar” uma questão ultrapassada através de “aproveitamento político” condenável das palavras de Marcelo Rebelo de Sousa. “Pelos vistos há temas interditos e censura legitimada para alguns que não conseguem aceitar a liberdade”. A social-democrata não deixou de sublinha que houve “feitos brilhantes e acontecimentos sombrios” na História de Portugal e que é “preciso respeitar e ser respeitado“, com a ambição de construir um “futuro mais humanista e mais justo”.

[Já saiu o primeiro episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui.]

Em nome do PS, Pedro Delgado Alves atacou “mais uma busca por atenção” por parte do Chega num tema que “merecia mais respeito”. “Ninguém vislumbra nisto um pingo de urgência. Urgência seria um debate sobre a criança nepalesa agredida numa escola ou até sobre o que acontece em Gaza”, exemplificou, para concluir que existe uma relação de respeito com as antigas colónias, ainda que o socialista tenha reconhecido que “Portugal pode ainda não ter feito um debate sobre descolonização como outros países”.

Por parte da Iniciativa Liberal, Rui Rocha não poupou nas palavras contra o Chega. Tendo começado por dizer que há “reações histéricas e reações hipócritas” sobre este assunto, o líder liberal acusou Ventura de, sendo jurista, estar a alimentar uma queixa que assenta naquilo que diz ser uma “absoluta falta de fundamento do que pretende fazer”.

Além disso, Rui Rocha recordou ainda as declarações de Tânger Corrêa na entrevista ao Observador para dizer que o Chega é um  “especialista das imputações de culpas para o presente” enquanto tem “o cabeça de lista às europeias defender teorias da conspiração sobre os judeus ou a dizer que Milosevic “não era má pessoa” e que “teve pena do homem”.

Joana Mortágua, do Bloco de Esquerda, acusou o Chega de ter usado o tema como “pretexto para o ódio e vingança contra a democracia”, com uma “acusação absurda que faz de Portugal anedota internacional”. E questionou: “Dez anos de prisão é a pena para quem tem uma opinião diferente da do Chega?”. A deputada bloquista disse ainda que é preciso discutir se Portugal deve “acompanhar debate europeu ou ficar amarrado à propaganda antiga”. “Ainda hoje africanos e afrodescendentes sofrem consequências do racismo cuja raízes mais profundas estão na escravatura”, argumentou a bloquista

Rui Tavares subiu ao púlpito para tentar corrigir André Ventura e para concluir: “Nunca dei pelo Chega nesse amor à história de Portugal. Os próprios termos com que André Ventura falou há pouco indicam desrespeito e ignorância pela história de Portugal. É uma amor recente e conveniente”, acusou.

“É mais um não-assunto do Chega que serve para ter mais tempo de antena. E uma tentativa branquear fascismo e rescrever a história”, denunciou António Filipe, do PCP. Já Inês Sousa Real defendeu que esta questão é uma “afronta à liberdade de expressão e uma perigosa tendência autocrática”, argumentando que o Chega está a “usar o Parlamento de forma abusiva”.

Paulo Núncio, do CDS, acabaria por deixar clara a sua posição sobre as declarações de Marcelo Rebelo de Sousa — “foram erradas” –, mas não poupou críticas a Ventura. Para o democrata-cristão, a iniciativa do Chega é “politicamente insana” e a “divergência política” não se deve confundir com “um processo-crime gravíssimo”. “Não aceitamos dar à nação e ao mundo uma imagem de um Estado sem regras e de um Parlamento sem limites”.