Sete anos depois dos incêndios de 17 de junho em Pedrógão Grande, que vitimaram 66 pessoas, as marcas ainda subsistem nas populações afetadas, que continuam a recorrer a apoio médico na área da saúde mental.

“A procura de apoio estabilizou, mas as pessoas continuam a vir aos cuidados de saúde mental, na sua maioria para manter a medicação que já fazem”, disse à agência Lusa a médica psiquiátrica Ana Araújo, coordenadora da unidade de saúde mental comunitária de Leiria Norte, com sede em Figueiró dos Vinhos, no distrito de Leiria.

As recordações do “inferno” vivido em 2017 que afetou mais gravemente os concelhos de Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos vinhos ficam mais presentes próximo da data dos fatídicos incêndios e, sempre que o som da sirene dos bombeiros se propaga pelos montes e vales do território, o coração dos habitantes inquieta-se.

As primeiras 56 horas do incêndio em Pedrógão Grande, minuto a minuto

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Salientando que os estádios da situação são diferentes de há sete anos, Ana Araújo refere que o luto em situações como esta é para sempre e que, esporadicamente, ainda aparecem pessoas que não reconheciam padecer de stress traumático dos incêndios, que estava escondido e de repente manifestou-se.

A forma de lidar com o luto varia de pessoa para pessoa e, segundo Ana Araújo, existem as que querem “respirar fundo e seguir em frente e que entendem que eventos marcantes sobre o que se passou não ajuda a progredir para o futuro, e, depois, temos aquelas que precisam dessas iniciativas para viver”.

“Tudo depende das personalidades e dos sentimentos que têm. Aprendemos que, de facto, não há uma chapa cinco para tudo e que há muita variedade na forma de lidar com o luto e as perdas”, sublinhou a médica, que coordena o gabinete que funciona desde 2011 e que após os incêndios de 2017 passou a apoiar a população afetada.

Aquando da inauguração do memorial das vítimas, em 15 de junho de 2023, “houve pessoas e familiares diretos que apareceram e acharam muito bem e outras que entenderam que aquilo não fazia sentido e que não era preciso irem lá para sentirem o que se passou”.

“As consultas de apoio têm dado resultados, as pessoas reconhecem que a proximidade as ajuda e sabem que nós estando cá podem recorrer numa emergência, pelo que mantemos o mesmo processo de atendimento semanal”, disse Ana Araújo.

Às consultas recorrem pessoas de todas as faixas etárias, desde jovens a adultos, não só as que perderam familiares, mas também quem passou por dificuldades nos incêndios, incluindo elementos de forças de segurança, sobretudo da GNR, e bombeiros, que “tiveram alguma dificuldade em aceitar que precisavam de ajuda”.

Muitas pessoas também já tiveram alta e há anos que não marcam consultas, mas a pandemia da Covid-19 que grassou nos anos de 2020 e 2021, sobretudo, veio “complicar tudo e travar processos de recuperação”.

“Os incêndios, o isolamento e a solidão acabaram por interferir com a saúde mental dos concelhos outra vez. Foi uma situação muito dura para pessoas que já tinham perdido familiares nos incêndios e que depois perderam os seus idosos com a Covid-19”.

O incêndio que deflagrou em 17 de junho de 2017 em Pedrógão Grande, no distrito de Leiria, e que alastrou a municípios vizinhos, provocou 66 mortos e mais de 250 feridos, sete dos quais graves, destruiu meio milhar de casas e 50 empresas.

Incêndio em Pedrógão Grande, há um ano, matou 66 pessoas, feriu 253 e atingiu 261 habitações

Associação de Vítimas defende criação de centro interpretativo com recurso ao Revita

A Associação de Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande (AVIPG) defendeu esta quinta-feira a construção de um centro interpretativo em torno dos fogos florestais com recurso às verbas que sobrarem do fundo Revita.

“Queremos que seja criado um centro interpretativo do incêndio, na sede da Associação, para as pessoas poderem compreender aquilo que aconteceu [em 17 de junho de 2017]”, afirmou à agência Lusa a presidente da AVIPG, Dina Duarte.

Para esta responsável, as verbas remanescentes do fundo Revita, criado para apoiar as populações afetadas por aqueles grandes incêndios, deveriam ser “aplicadas no território e não continuarem a estar numa conta qualquer”.

Nesse sentido, Dina Duarte propõe que as verbas possam ser aplicadas na criação de um centro interpretativo que permita explicar os incêndios que ocorreram naquele ano, a partir dos estudos científicos feitos, nomeadamente o relatório do investigador Xavier Viegas.

O centro poderia também apresentar um “conjunto de boas práticas que possa ser passado à população e visitantes”, sobre como agir perante um incêndio.

“Deveria ter uma perspetiva didática, formativa, com a possibilidade de escolas virem até aqui e poderem ser utilizados esses conhecimentos no futuro”, referiu, considerando que esse centro interpretativo tanto poderia ser feito recorrendo ao espaço da sede da AVIPG ou junto à mesma.

Os três municípios mais afetados pelos incêndios de 2017 (Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pera) serão este ano palco de grande parte das comemorações do Dia de Portugal, 10 de Junho.

Dina Duarte espera que este momento possa representar “um olhar para o território” e a execução de medidas prometidas pelo anterior Governo, mas que demoram a ter resultados visíveis no território, nomeadamente no que toca ao ordenamento e gestão da floresta.

“Há um conjunto de pequenos concelhos do interior que precisam de um outro olhar”, vincou.

Para a presidente da AVIPG, será fundamental um trabalho “a montante, na prevenção dos incêndios”, referindo que já há projetos no terreno, como as Aldeias Seguras ou Condomínios das Aldeias, mas não em número suficiente.

“O problema é que há muitos projetos, mas, no terreno, o que se vê é quase nada. Quando falamos das áreas integradas de gestão da paisagem ou dos condomínios, a maioria ainda estão no papel”, notou.

Relativamente, ao assinalar dos sete anos dos incêndios de 17 de junho, Dina Duarte referiu que já há um programa, em que está prevista uma caminhada com dois percursos no dia 16.

No dia 17, está prevista a colocação de uma coroa de flores no memorial, junto à estrada nacional 236-1, e uma missa na capela das Sarzedas de São Pedro.