Depois de um final de semana onde era possível fazer tudo menos calendarizar algo, a nova semana trouxe ao FC Porto aquilo que André Villas-Boas tem procurado sem sucesso desde que assumiu a presidência da SAD e do clube: previsibilidade. Na segunda-feira foram várias as horas de reunião entre os advogados de Sérgio Conceição e da sociedade dos dragões mas no final houve “fumo branco” para a rescisão de contrato sem o pagamento de qualquer valor que não fossem os prémios ainda em atraso. Na terça-feira, Vítor Bruno ficou “apalavrado” e avançou mais a fundo na constituição de uma nova equipa técnica. Na quarta-feira, o acordo existente foi assinado ao início da tarde. Na quinta-feira, à tarde, a FC Porto SAD, que vira uma flutuação negativa de ações, comunicou à CMVM a contratação do antigo adjunto. Agora chegava a apresentação.

Contactos de Pinto da Costa, abordagem de Antero, as acusações de Sérgio e um comunicado: como Vítor Bruno passou de número 2 a principal

Recordando o papel preponderante de Vítor Manuel, antigo treinador de vários clubes nacionais no principal escalão nacional, o FC Porto destacara no anúncio que “Vítor Bruno cresceu entre relvados e balneários a sonhar com um percurso como atleta”. “Durante 11 temporadas escalou as etapas da formação da Académica. Estreou-se como sénior no Bidoeirense e representou outros seis clubes até pendurar as botas no Valonguense, em 2008. Tinha 26 anos e já vislumbrava outro caminho. Entretanto, formara-se em Ciências do Desporto e Educação Física pela Universidade de Coimbra. Às vivências junto do pai e à experiência como atleta em contextos de grande dificuldade aliava-se o conhecimento científico”, frisou.

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“Já depois de dar aulas, foi ao lado de Vítor Manuel que Vítor Bruno se estreou como membro de uma equipa técnica. Em 2009, mudou-se para Angola para trabalhar no Primeiro de Agosto. A aventura africana ainda incluiu uma passagem pelo U.S.M. Blidá, da Argélia, mas foi breve. Em 2009/10 Vítor Bruno estava na Naval com Augusto Inácio, técnico que acompanhou na temporada seguinte à frente do Leixões. Um momento decisivo na carreira do conimbricense aconteceu em 2011/12, quando integrou o grupo de auxiliares de Sérgio Conceição, que se estreava como treinador principal ao serviço da Olhanense. Essa relação estendeu-se por 13 temporadas e incluiu passagens pela Académica, o Braga, o Vitória de Guimarães e o Nantes, de França. No arranque de 2017/18, Conceição foi o escolhido para devolver o FC Porto aos títulos. Vítor Bruno seguiu-lhe os passos com toda a naturalidade”, prosseguiu o texto publicado no site oficial.

“Um novo capítulo”: Vítor Bruno confirmado como treinador do FC Porto até 2026

“Ao longo de sete temporadas, enquanto adjunto, Vítor Bruno contribuiu para a conquista de três Ligas, quatro Taças de Portugal, três Supertaças e uma Taça da Liga, e ainda para campanhas internacionais que incluíram duas vitórias na fase de grupos da Liga dos Campeões e duas qualificações para os quartos de final da mais importante competição de clubes do mundo. Nestes anos, Vítor Bruno substituiu Sérgio Conceição no banco de suplentes em 17 ocasiões em que o FC Porto somou 15 vitórias e dois empates. No final, apresentou-se sempre perante a comunicação social com discursos claros, ricos em conteúdo e imbuídos dos valores que caracterizam o clube”, destacou ainda essa apresentação feita esta quinta-feira.

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Reuniões abandonadas, acusações de traição, processos e comunicados: Sérgio, Vítor Bruno e as 72 horas que provocaram um terramoto no Dragão

Ao mesmo tempo que destacava os feitos de Sérgio Conceição como treinador principal do clube, numa linha que se irá manter com Villas-Boas mesmo se existir necessidade de “responder” ao técnico na já anunciada intervenção pública que prometeu para esclarecer o que se passou nos últimos dias, existia uma vontade clara por parte do FC Porto de fazer chegar o “novo capítulo” também ao comando técnico da equipa de futebol e era nesse contexto que estava preparada a apresentação de Vítor Bruno no Dragão (com anúncio prévio nas plataformas), num dia em que o clube apresentou também os novos equipamentos para a época de 2024/25 com Francisco Conceição, João Mário e Pepê como principais protagonistas dessa campanha.

Numa cerimónia onde marcaram presença Andoni Zubizarreta, Jorge Costa, a administração da SAD (a nova equipa técnica não esteve presente mas Vítor Bruno confirmou já a contratação de Nuno Piloto e Óscar Pintado) e vários convidados (11 em especial que estiveram no local ao abrigo do conceito “Lucky Fan” que terá várias experiências exclusivas), Villas-Boas foi o primeiro a discursar com palavras em sentidos diferentes, começando pelo agradecimento a Sérgio Conceição antes dos elogios a Vítor Bruno.

“Encerrámos recentemente um ciclo mágico que tanto nos orgulha e na memória ficará. Ao Sérgio Conceição, homem de forte caráter e personalidade, que defendeu as cores do nosso símbolo da mesma forma que de camisola ao peito o agarrou com toda a força, queremos agradecer tudo o que conquistou. Mister Sérgio Conceição, esta é a tua casa e nela serás sempre bem recebido. Terás a minha palavra e a do FC Porto. Começamos uma nova era no Dragão, marcada pela escolha da nova direção, na cara de Zubizarreta e Jorge Costa”, destacou o presidente dos azuis e brancos no início da cerimónia no Estádio do Dragão.

“Vítor Bruno, tomas agora conta desta casa, uma casa que conheces bem, e onde os associados tanto vão exigir de ti. Já nos deste muito e vais continuar a dar. O nosso compromisso é com a vitória e a ti daremos apoio e organização, o necessário para vencermos tudo o que desejamos e ambicionamos. Encontramos em ti todas as qualidades necessárias para venceres este desafio, com o teu conhecimento do clube e da realidade, dos dossiês da formação e dos seniores, a trabalhar em estrutura e para a estrutura, com fome de ganhar e com o respeito que o clube tem por ti. Caro Vítor Bruno, desejo-te muitas felicidades. Lutaremos incansavelmente ao teu lado pelo sucesso do FC Porto. Que sejas muito bem-vindo”, acrescentou.

“Em primeiro lugar, um agradecimento muito sincero ao presidente, pela coragem que teve em traçar um caminho que penso que vai ser de total sucesso. O que posso garantir a si, presidente, é que a coragem que teve, juntamente com a sua administração, é a mesma que vamos devolver na defesa do FC Porto. Essa é a minha garantia. A partir daqui é mãos à obra, lutar juntos, entrelaçados, entranhados uns nos outros e lutar por aquilo que vai ser o sucesso do FC Porto”, referiu depois Vítor Bruno, numa primeira intervenção curta apenas de agradecimento antes de começarem as perguntas da comunicação social presente.

“Sentimento? Numa primeira abordagem muito honesta, é o desconforto de ter de estar de fato… Aí, em relação ao guarda-roupa, o presidente vai ter de ter algum investimento porque vou ter de me apresentar de outra maneira. Fora de brincadeiras, estou mesmo muito feliz e honrado pelo convite. Tenho perfeita noção da responsabilidade inerente a um cargo desta natureza, mas ao mesmo tempo tenho uma vontade grande de começar a trabalhar, operacionalizar ideias, validar aquilo que perspetivamos para o FC Porto, criando laços com toda a gente. Acredito muito que isso alavanca o sucesso de uma organização e esse é o meu perfil. Sei que nem sempre seremos melhores e os mais talentosos, mas no caráter, ambição, paixão pelo trabalho seremos imbatíveis e a encarnar o espírito dos sócios e adeptos do FC Porto. Sei que é uma missão difícil, tenho essa noção, mas é uma missão que quero viver e quero muito ganhar”, respondeu, antes da primeira questão sobre tudo o que se passou na cisão da equipa técnica liderada por Sérgio Conceição.

“Elefante na sala? Podemos olhar para isso como um elefante ou como uma formiga… Devo dizer que não me sinto nada confortável em relação a esse assunto. Passei uma semana de sofrimento, de grande angústia, e não quero nada alimentar este circo mediático. Fiz o que tinha a fazer no momento próprio e remeto tudo o que tenho a dizer para o que foi lançado em comunicado. Começaram a criar uma novela com capítulos a mais para o guião da verdade. Tenho a minha paz interior garantida, adormeço todos os dias sob o aplauso da minha consciência. Para mim é um não assunto. Tenho muito onde me focar pelo futuro do FC Porto e é isso que quero fazer”, salientou Vítor Bruno, remetendo de novo para o comunicado feito.

“Tenho demasiadas preocupações na minha cabeça para me castigar com algo que não tem a ver com o sucesso do FC Porto. Tinha esta decisão pensada, foi maturando ao longo da época e fui muito aconselhado pelo meu pai, que é um senhor de futebol e aquela pessoa a quem recorro. A carreira dele foi construída também nestes moldes e quis tentar perceber qual o sentimento que ele tinha, sabendo eu que já tinha presente dentro de mim o que queria fazer. Neste momento isso é um não assunto”, disse. “Se fica marca? Obviamente. Sou muito grato a quem me ajuda, ao Sérgio de uma forma muito clara. Por todo o percurso que fizemos, pelos momentos difíceis que passámos não só no FC Porto, mas também em Olhão, Braga, Coimbra, Nantes, Guimarães. Todos com uma página de sucesso, à exceção do Vitória, onde não corre tão bem. Deixa marca? Deixa. Não guardo rancor a ninguém. Em nenhum momento fugi dos meus valores. Mas espero ter contribuído em alguma parte para o sucesso do Sérgio, é isso que vive comigo”, rematou.

“Opção de ser técnico principal? Para ser honesto, todo esse desgaste foi acontecendo de forma natural. Sabemos como vivemos tudo, de forma muito intensa, e em nenhum momento se levantou a questão do desgaste para fora. Era algo que já era visível, que foi partilhado entre mim e o Sérgio na altura a poucos dias do final da época. Tenho a certeza que os jogadores me conhecem e têm sempre a capacidade de perceber quem está diante deles, perceber os comportamentos e valores, ver quem os lidera num papel secundário. Sempre me comportei com verdade, autenticidade, a tentar garantir o máximo de sucesso para o clube. Não vou mudar aquilo que sou só por estar num cargo superior, sou fiel ao que sempre me ensinaram de berço, valores dos quais não abdico. Terei um papel diferente sobretudo na tomada de decisão mas mesmo essas serão sempre com total congruência, sendo o mais justo possível”, acrescentou.

“No FC Porto toda a gente tem de ser viciada em ganhar, seja comigo ou com outro treinador. Falamos em todas as competições. Não nos vamos encolher em nenhum momento. Sabemos que vai ser uma época difícil, que vamos precisar de estar demasiado entranhados uns nos outros. Plantel? Na parte da tarde vamos já atacar esse tema. Confio nas pessoas que fazem parte da estrutura, que têm um capital que me pode aportar muito do que sinto que é necessário. Sabemos das dificuldades que estão em causa no FC Porto mas teremos um olhar muito criterioso do que temos ao nosso dispor. Em relação ao plantel, tem de haver um olhar para dentro. Para mim não se tem de falar em prata da casa mas sim de ouro da casa. Muitas vezes temos tendência a subestimar quem está connosco. Sangra-me o coração perceber que determinados talentos não aproveitam o que têm, e nisso eu não vou fazê-los descansar. Vou andar em cima deles, não vamos dar o mínimo descanso porque sentimos que é um dos caminhos para trilhar”, explicou de seguida.

“A grande preocupação, e não quero entrar em conflito com o presidente, é o ruído da comunicação social. Tenho plena confiança que o presidente e as pessoas da direção vão caminhar no sentido de dar ao clube o que ele vai precisar. Conheço as pessoas, sei o que defendem, e se o portismo está cá entranhado dentro, não vamos querer associar algo que não seja positivo ao clube. Sei que tenho à minha volta pessoas que amam o clube. Tenho garantia que vamos tentar garantir uma consistência do que já vem perfilado no ano anterior. Sei que vamos ter de fazer vendas e isso não é novidade. Sei o que está do lado de lá em termos de potencial, o que podemos alavancar também. Muita gente, que não tem o conhecimento tão profundo como eu… A mim dá-me total garantia para atacar a época desportiva. Estamos naquela fase do namoro inicial, em que é mais fácil. Vão haver momentos em que vamos divergir, mas é aí que vamos crescer e vamos estar alinhados com os interesses do clube, no sentido de defender sempre o FC Porto”, apontou Vítor Bruno.

Por fim, entre elogios a Francisco Conceição e aos talentos portistas no último Europeu Sub-17 como Rodrigo Mora ou Cardoso Varela, o novo técnico abordou também a situação de Pepe. “Sinto-me demasiado pequenino a falar do Pepe. É um símbolo do clube, uma referência para todos nós, com a qual me identifico muito. Encarna na perfeição os valores e desígnios do FC Porto. É uma conversa que terei com o presidente, transmitir a minha sensação, falar com o Pepe e tomar a melhor decisão. É um dossiê complexo e que obriga a perceber até que ponto devemos atuar, sem magoar e melindrar o Pepe. Tenho uma estima muito grande por ele. Partilhou a determinado momento que queria sentir o corpo dele no Europeu para depois tomar uma decisão. Temos de perceber o que sente neste momento, tendo sempre a certeza que é alguém que fará parte sempre da história do FC Porto”, apontou em relação ao central e capitão portista.