Uma era a campeã em título, outra a única seleção na história que conseguiu revalidar o “seu” troféu. Ambas tinham quatro presenças na final, sendo que uma ganhou três vezes a competição e a outra duas – número marcado pelo desfecho na única vez em que se encontraram na decisão. Bastava puxar pelo currículo daquela que é a maior prova de seleções do Velho Continente para se perceber que a segunda ronda da fase de grupos teria um encontro que poderia ser sem favor uma final ou uma meia-final. Não era, era “apenas” uma partida a contar três pontos que poderia ditar sobretudo a ordem da classificação tendo em vista aquilo que serão os oitavos. No entanto, era também um encontro para confirmar a metamorfose de ambos os conjuntos, que têm na sua base o mesmo ADN de sempre mas apresentam ideias de jogo que conhecem a versão 2.0.

Dia 7 do Europeu. Espanha vence Itália com autogolo de Calafiori, reforça liderança e garante qualificação para os oitavos

Do lado da Espanha, aquele particular gosto em controlar os jogos em posse não desapareceu mas os tempos de tiki taka são apenas a melhor recordação da melhor e mais dominadora geração espanhola de sempre. O que Luis Enrique começou a construir e Luis de la Fuente deu continuidade é uma equipa com qualidade em todas as ações, que continua a ter no seu meio-campo a base de tudo mas que foi ganhando maior verticalidade, velocidade e pragmatismo no último terço com a irreverência do sangue novo de Lamine Yamal (que deu nas vistas esta semana com uma imagem onde fazia TPC da escola que trouxe para o estágio na Alemanha) ou Nico Williams. Foi assim que, de forma natural, embora com um resultado enganador perante as boas oportunidades que a Croácia foi tendo incluindo uma grande penalidade falhada, a Espanha entrou nesta fase final do Europeu com um triunfo por 3-0. Era assim, que de forma natural, queria ir mais longe.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Um Ruiz de la Prada que só sabe espalhar estilo pelo xadrez (a crónica do Espanha-Croácia)

Já a Itália, aquela equipa que numa viagem curta pelo imaginário de qualquer seguidor é um conjunto que faz da solidez defensiva a base de tudo, foi ganhando outras facetas. Essa preocupação com a necessidade de não sofrer golos continua na base do seu ADN mas as equipas Sub-21 dos anos de 2006, 2007 e 2008 foram dando o mote para uma mudança de paradigma bem visível no último Europeu, com capacidade também para fazer do ataque e do controlo em terrenos ofensivos a maior arma em termos defensivos. Foi assim que, de forma natural, mesmo depois daquele golo inaugural sofrido no minuto inicial que entrou para o livro dos recordes, os transalpinos deram logo a volta frente à Albânia e só sofreram nos instantes finais pela falta de eficácia no ataque ao longo da partida. Era assim que, de forma natural, queria ir mais longe.

Um Mar de futebol separa uma velhinha campeã de uma novata que conseguiu brilhar, por pouco tempo (a crónica do Itália-Albânia)

Os dados estavam lançados mas, entre essas duas versões, apenas uma entrou em campo. Ou melhor, as duas tentaram mostrar-se em Gelsenkirchen, uma acabou por revelar o quão vulnerável fica quando encontra um adversário superior. Tudo começou com Pedri a obrigar Donnarumma a uma fantástica defesa para canto após cruzamento de Rodri (2′), tudo prosseguiu de seguida com um desvio de Nico Williams de cabeça na área que passou muito perto do poste (10′), tudo foi continuando entre vários remates perigosos fora do alvo ou para defesas do guarda-redes italiano por Morata, Rodri e Fábian Ruíz, com mais uma exibição de grande nível quase a garantir que entrará no Melhor Onze do Europeu caso a Espanha avance pelo menos até aos quartos ou meias. Chiesa ainda teve um remate muito por cima perto do intervalo mas a Itália teve falta de comparência em tudo o que fosse ações do meio-campo para a frente com muito demérito à mistura.

[Já saiu o sexto e último episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui o primeiro episódio, aqui o segundo, aqui o terceiro, aqui o quarto episódio e aqui o quinto episódio.]

O autêntico passeio no parque manteve-se no segundo tempo, que abriu com mais um falhanço inacreditável de Pedri sozinho na área após cruzamento de Cucurella (a diferença das equipas era de tal forma grande que até com Cambiaso a entrar ao intervalo para ajudar Di Lorenzo o lado direito italiano era uma passadeira…) mas que teve finalmente o primeiro golo a chegar da forma mais improvável com mais um cruzamento da esquerda a passar por todos os jogadores até ser desviado por Calafiori para a própria baliza (55′). Fazia-se justiça por linhas tortas, tanta que a vantagem só não aumentou porque entre mas oportunidades falhadas houve uma bola na trave de Nico Williams (70′). E os últimos minutos, já com homens frescos da Espanha na frente, acabou com Donnarumma a evitar males maiores a tirar o golo a Ayoze Pérez. Se antes do Euro a discussão na Itália era em torno do uso da PlayStation no estágio, que Spalletti garantiu não proibir desde que não fosse de madrugada, agora será sobre como é difícil travar uma equipa… de PlayStation.

A pérola

  • Não tinha sido propriamente um elo mais fraco do meio-campo para a frente da Espanha no encontro com a Croácia, provavelmente foi apenas o elo menos forte do meio-campo para a frente da Espanha no encontro com a Croácia. Aposta inicial de Luis de la Fuente, Nico Williams estreou-se no Europeu um pouco à sombra daquilo que Lamine Yamal conseguiu fazer no flanco contrário; agora, esses pesos da balança trocaram de posição, com o ala do Athl. Bilbao a fazer o que quis de Di Lorenzo, a combinar da melhor forma com Cucurella e a ficar apenas com o golo em falta que ficou perto num remate à trave.

O joker

  • Entre tantas oportunidades falhadas, o único golo da Espanha surgiu de forma quase irónica. O azar de Calafiori foi a sorte grande da Roja, com o peso desse lance a recair naquele que foi o melhor central italiano da temporada a par de Bastoni e que teve um papel muito importante na forma como o Bolonha alcançou um inédito apuramento para a fase de grupos da Liga dos Campeões. Com um pormenor: no final do encontro, Mancini, defesa da Roma que luta pela titularidade na posição, foi ter logo com o seu companheiro, abraçou-o e consolou-o com o pedido para levantar a cabeça para a próxima batalha.

A sentença

  • Com este resultado, a Espanha não só garantiu a qualificação para os oitavos do Euro como segurou o primeiro lugar do grupo B com seis pontos, mais três do que a Itália a quem ganhou e mais cinco do que Croácia e Albânia. Já em relação aos transalpinos, o cenário do segundo posto continua inalterado para a última jornada da Croácia: uma vitória ou até mesmo um empate garantem esse objetivo.

A mentira

  • O resultado final do jogo. Aliás, até as próprias estatísticas esmagadoras da Espanha face à Itália não mostram a diferença de argumentos, tendo em conta a “qualidade” das oportunidades que a Roja foi falhando ao longo dos 90 minutos entre o mérito de Donnarumma e o demérito de quem finalizava. Depois, há uma outra parte que pode ou não ser “mentira” mas que terá de esperar mais quatro dias pela terceira jornada do grupo B. Para já, fica como dúvida: a Itália jogou tão pouco porque não conseguia mais, porque queria apenas segurar o nulo ou porque esteve num dia mais desinspirado?