A União Europeia (UE) deve construir interligações e descarbonizar o gás que consome quando está hoje dependente da importação de gás natural liquefeito, embora já não russo, revela o Tribunal de Contas Europeu (TCE) num relatório publicado esta segunda-feira.

Ainda continuamos muito dependentes da importação de gás — agora sobretudo do gás GNL […] — já que 80% do nosso gás é importado. […] E não só estamos muito dependentes desse gás, como o gás que importamos ainda é bastante caro para a nossa indústria”, indica em declarações à agência Lusa o membro do TCE responsável pela auditoria, o português João Leão.

Dois anos após uma severa crise energética na UE, principalmente devido à invasão russa da Ucrânia que elevou os preços para valores recorde e obrigou o bloco comunitário a diversificar fornecedores e a adotar medidas de emergência, João Leão sugere que a União Europeia deve agora “garantir o investimento nas renováveis e na melhoria das redes, nomeadamente as interconexões entre os países”.

“Tem de ser uma das áreas [prioritárias] e que ajudará a reduzir nossa dependência da importação de gás”, adianta João Leão à Lusa.

Precisamente devido à crise energética de 2022, a UE adotou medidas como a obrigação de preenchimento das instalações de armazenamento de gás em cerca de 90% até 1 de novembro de cada ano, a redução voluntária de 15% do consumo de gás em comparação com a média dos cinco anos anteriores, a introdução de um teto de 180 euros/MWh ao preço do gás (que nunca foi usado) e a criação de uma plataforma para procura coordenada de gás.

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“A Comissão Europeia diz que [estas iniciativas] ajudaram a tranquilizar e dar um sinal ao mercado, mas é difícil ver qual é que foi a utilidade de algumas dessas medidas de curto prazo”, refere João Leão à Lusa.

No relatório esta segunda-feira divulgado, o TCE diz então não ser possível “demonstrar que os objetivos da resposta à crise foram concretizados”, embora em termos gerais considere que a UE “deu resposta a todos os aspetos da segurança do aprovisionamento de gás natural”, ainda que “de forma desigual”.

“A União adotou várias medidas a curto prazo em resposta à utilização do aprovisionamento de gás como arma por parte da Rússia, enviando sinais fortes ao mercado de que os Estados-membros trabalhariam em conjunto para superar este desafio, mas os benefícios destas medidas nem sempre foram claros”, sublinha o auditor europeu.

Além disso, “a UE enfrenta um novo panorama de segurança do aprovisionamento, com maior dependência do GNL e a necessidade de descarbonizar o consumo de gás”, adianta o TCE no relatório.

A UE tem vindo a reduzir as importações de gás russo (que chega por gasoduto), passando de uma dependência de 41% em 2021 para cerca de 10% em 2023.

Porém, as importações de GNL aumentaram de 80 mil milhões de metros cúbicos em 2021 para 120 mil milhões de metros cúbicos em 2022.

Em 2021, o GNL pesava 22%, enquanto hoje tem uma quota de 34%.

Entre as recomendações do TCE à Comissão Europeia estão as de garantir a acessibilidade dos preços na segurança do aprovisionamento de gás, a de rever a atual estrutura de cooperação regional pelo elevado peso do GNL, de melhorar a colaboração entre países (pois só 18 dos 27 Estados-membros têm reservas de gás) e a de assegurar transparência no que toca aos projetos de interesse comum, como relativos a interconexões.

O ex-ministro das Finanças João Leão é, desde início de março passado, o membro português do Tribunal de Contas Europeu, num mandato que dura até fevereiro de 2030.

O cargo de membro português estava por preencher desde a morte de João Figueiredo, em 30 de junho de 2021.

A instituição, que funciona como auditor externo independente da UE, foi presidida pelo jurista Vítor Caldeira entre janeiro de 2008 e setembro de 2016.