Desde a vitória no Campeonato do Mundo de 2018, há quase um íman dentro da seleção francesa que atrai tudo o que seja conversa extra futebol. Às vezes tem impacto naquilo que é depois o rendimento desportivo, e a eliminação ainda nos oitavos do Euro-2020 foi um bom exemplo disso mesmo, outras acaba por ser ao lado na hora da verdade, como se viu na última final do Mundial do Qatar perdida com a Argentina no desempate por grandes penalidades. E isso é ainda mais estranho tendo em conta que o selecionador é sempre o mesmo, Didier Deschamps, um mago a quem só falta ganhar um Campeonato da Europa para ter todos os títulos na seleção como jogador e treinador. Com a calma do costume, aquela que o diferenciou como médio e capitão nos bleus, o técnico passa ao lado daquilo que não lhe interessa e coloca foco no que o preocupa.

Dia 12 do Europeu. As decisões nos grupos C e D (que podem definir o caminho de Portugal)

“Estou desapontado com a nossa falta de eficácia. Estamos a fazer boas coisas no ataque e há muitos aspetos positivos a destacar, contra dois adversários que são fortes. Mas é óbvio que precisamos de marcar golos para ganhar jogos. Ficaria mais preocupado se não estivéssemos a criar oportunidades. Achei por exemplo que o Griezmann esteve melhor do que no primeiro jogo mas talvez um pouco abaixo no aspeto técnico, o que não é comum nele”, comentou depois do nulo com os Países Baixos, fintando antes e de seguida qualquer questão que se prendesse mais com a polémica em torno das eleições francesas que têm a primeira volta no dia 30 e que levaram alguns jogadores a pedirem para que os extremismos sejam derrotados.

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Mais uma vez, Deschamps acionou o botão de damage control e tenta manter tudo apenas no círculo do futebol. E até aí encontra agora um novo motivo de curiosidade, com várias perguntas sobre a hipótese de voltar a utilizar Kylian Mbappé depois de ter fraturado o nariz na semana passada diante da Áustria. Antes, não confirmou, não desmentiu, admitiu que o avançado esteve bem no treino com os Sub-21 do Paderborn, destacou que a máscara também traz limitações na visão. Uma coisa é certa: para esvaziar a parte “política” (que teve Tchouaméni agora a tomar posição) e segurar o primeiro lugar do grupo D que evitasse cair no lado onde estão Alemanha, Espanha e Portugal, teria de encontrar a solução para marcar mais golos frente a uma Polónia que foi a primeira seleção eliminada neste Euro-2024. Não sendo o fim para chegar ao objetivo, esse regresso poderia ser, pelo menos na teoria, um caminho para tornar mais fácil esse caminho até à baliza.

Theo Hernández, aparecendo ao segundo poste vindo de trás após cruzamento de Dembelé da direita, teve uma oportunidade flagrante no quarto de hora inicial (12′) antes de Dembelé ser assistido por Kanté para novo remate defendido em boa posição (19′) mas as ameaças travadas por Skorupski (que deixou a condição de suplente na despedida por troca com Szczesny) não tiraram vontade à Polónia de deixar outra imagem no adeus à competição, com Zielisnki (6′) e Urbánski (12′) a aproveitarem segundas bolas que ficaram a pingar após cortes incompletos para ameaçarem Maignan. Kanté continua a jogar uma mudança acima de todos os outros, havia sempre alguma sensação de perigo quando a bola entrava no tridente ofensivo gaulês mas era a Polónia que mostrava maior pragmatismo com Lewandowski a ficar perto de inaugurar o marcador (33′). Só em combinações rápidas e curtas na área a França conseguia encontrar desequilíbrios, com Barcola a colocar Mbappé a fazer o desvio com pouco ângulo para mais uma defesa de Skorupski para canto (42′ e 45′).

Com a Áustria à frente do grupo, que passou logo a abrir o segundo tempo para os Países Baixos, a França tinha de fazer mais para depender apenas de si pelo primeiro lugar. Kylian Mbappé, o último a reentrar para ter ajuda na colocação da máscara, percebeu a importância do momento, agarrou na batuta e abriu o livro: teve um primeiro remate para grande intervenção de Skorupski (50′), atirou depois em arco descaído sobre a esquerda a rasar o poste (51′), inaugurou mesmo o marcador de penálti após falta de Kiwior sobre Dembelé (56′). A dada altura, já com Griezmann, Camavinga e Giroud em campo, parecia fácil. Parecia tão fácil que a França facilitou e o resultado foi o empate, com Lewandowski a transformar um penálti desnecessário de Upamecano (79′). Voltava a ficar tudo em aberto, sendo que não mais os gauleses tiveram o discernimento para voltarem à vantagem e com isso acabaram mesmo por ceder novo empate… e o primeiro lugar do grupo.

A pérola

  • Não foi apenas por ele que a França ganhou ou criou mais oportunidades mas a simples presença de Kylian Mbappé melhora a olhos vistos todo o coletivo. Se é verdade que no plano defensivo o conjunto gaulês é o mais seguro a par de Espanha, a parte atacante depende muito daquilo que seja a inspiração da sua principal referência. Mais do que o golo, dos vários remates e dos rasgos em velocidade que foi tendo ou à procura da profundidade pelo meio ou mais descaído sobre a esquerda, Dembelé melhorou, Barcola teve uma boa entrada nas opções iniciais e Kanté dominou o resto do ecossistema tático gaulês.

O joker

  • Há um qualquer toque de Midas dos jogadores do Bolonha nesta edição do Europeu. Já vimos isso na Suíça com Freuler, Aebisher e Ndoye. Já vimos isso também na Itália, com Calafiori. Vimos agora de novo com a Polónia. Urbánski assumiu a titularidade e teve a primeira grande oportunidade do jogo para defesa de Maignan mas foi Skorupski, que rendeu na baliza Szczesny, que aproveitou bem a chamada e fez uma fantástica exibição que permitiu que a Polónia estivesse sempre dentro do jogo.

A sentença

  • A Polónia já estava eliminada do Europeu e conseguiu apenas sair com um ponto, a França teve tudo na mão mas facilitou: apesar de necessitar apenas de uma vitória para confirmar o primeiro lugar, não conseguiu os três pontos, voltou a não marcar de bola corrida e desceu mesmo à segunda posição com o triunfo da Áustria, o que faz com que caia no lado do quadro que tem Alemanha, Espanha e Portugal.

A mentira

  • Apesar das alterações feitas na equipa, que começaram a baliza e terminaram na primeira titularidade do Europeu de Lewandowski, a Polónia mostrou que tinha capacidade para no mínimo avançar mais um pouco na competição depois de encontros com Países Baixos e Polónia onde podia ter feito mais. Há jogadores da nova geração com qualidade, Skorupski teve uma grande estreia mas de nada valeu porque o mal já estava feito. Porquê? Os polacos não conseguem mudar o chip de dependência do seu capitão Lewandowski, que falhou o primeiro jogo e nunca pareceu em boas condições físicas.